O Twitter é uma rede social que permite o envio dos chamados “tweets” - postagens com textos de até 280 caracteres -, além de poder conter fotos e vídeos, frequentemente utilizados para atualizações de notícias e para compartilhamento de relatos e experiências pessoais.
Dentre seus usuários, é possível destacar políticos altamente influentes, líderes empresariais, artistas, ativistas e intelectuais, que, por sua vez, moldam o discurso público em torno de ramos como política, mídia, finanças e tecnologia. Antes mesmo de confirmar sua oferta de compra, o próprio Elon Musk, fundador da SpaceX e CEO da Tesla, era uma dessas personalidades de influência na rede social com inúmeros tweets, como com a postagem de uma foto de seu cachorro, da raça Shiba Inu, em referência a uma criptomoeda ($SHIB). A inusitada postagem causou consideráveis variações no mercado, provocando uma alta de 30% da moeda citada no dia da postagem. A partir disso, uma parcela de importância nas decisões de uma empresa que dita tendências se faz muito válida para Musk, o que torna seu controle da plataforma tão potencialmente atrativo.
No dia 25 de abril de 2022, o Twitter anunciava que havia aceito a oferta feita por Elon Musk, encaminhando a compra da plataforma por US$ 44 bilhões (cerca de R$ 215 bilhões), apesar de semanas depois o empresário anunciar que recuaria no acordo. Diante disso, dias antes de sua oferta, Musk afirmou que “não se importava” com a situação financeira futura da empresa. Como homem mais rico do mundo, com um patrimônio avaliado em mais de US$ 220 bilhões, ele indica que lucrar com essa aquisição está longe de ser o seu objetivo primário. Sendo assim, quais seriam as principais ambições do bilionário acerca do futuro da rede social?
Pássaro se tornando avião
O discurso inicial do bilionário gira em torno da questão da liberdade de expressão no meio digital, o que seria garantido pela flexibilização de denúncias na plataforma, embora esse não seja o único motivador da aquisição. Nesse sentido, um outro objetivo de Musk é formar uma rede de diversos ramos digitais para exercer ainda mais influência, a começar pelo primeiro alvo dessa estratégia: o Twitter.
As Big Techs¹, como a Amazon, a Microsoft e a Apple, vêm executando esse tipo de estratégia, estruturando-se como plataformas que contemplam diversas áreas e se organizam de formas complementares, a fim de dominar um segmento específico do mercado. Essas empresas realizam uma proposta agressiva de tomar controle total sobre um setor para obter uma zona de controle social de relevância. Como exemplo, temos o Google, o qual começou como uma ferramenta de buscas, passando para um produtor de vídeos (Youtube), e, posteriormente, se tornou importante no ramo dos correios eletrônicos com o Gmail, virando um player central dos negócios digitais.
Como objetivo para a rede social, Elon Musk revelou em um pitch deck² para investidores o interesse em tornar o Twitter mais transparente e, assim, esclarecer todos os algoritmos usados. Outra meta para a rede social abordava também sobre quadruplicar as pessoas ativas do ambiente nos próximos 6 anos, apesar de ainda não revelar sua estratégia inicial para isso. Embora o Twitter tenha cerca de 20% de seus usuários sendo bots - número relativo maior comparado aos 9,5% do Instagram e motivo que irá fazer Elon Musk pensar duas vezes em sua oferta -, o número de usuários ativos por mês ainda subiria de 217 milhões para 315 milhões até o fim de 2023, chegando até 931 milhões em 2028, segundo ele. Vale ressaltar que esse plano foi considerado extremamente ambicioso por diversos especialistas do ramo de redes sociais.
Além disso, na apresentação, o bilionário chega a citar mudanças na monetização dos seus usuários, atualmente tendo 90% da sua receita vindo das publicidades e sem cobrança para o uso da rede. Sendo assim, uma delas seria possível através do pagamento para influenciadores digitais produzirem conteúdos exclusivos na plataforma, de forma a atraírem mais visualizações - estratégia semelhante à usada pela rede chinesa TikTok. Ademais, outra alteração importante seria a cobrança e o pagamento em perfis, no qual Musk deu a entender que, para usuários como órgãos oficiais de governo e grandes empresas, o uso do Twitter poderia deixar de ser gratuito. Ainda nessa linha, também levantou a ideia de fazer com que os usuários da rede social ganhem dinheiro a partir de conteúdos que viralizem na rede, incentivando ainda mais a atração de mais visualizações na plataforma.
Twitter como agente da globalização
Mesmo a rede não tendo um número de usuários ativos tão elevado como outras redes sociais, o engajamento dos seus frequentadores em conteúdos de natureza informativa é muito acentuado. Nessa linha, segundo o Pew Research Center, 74% dos seus membros usam o site para se atualizarem sobre notícias recentes, e 24,6% das contas verificadas³ da plataforma são de jornalistas, o que representa um número alto e facilita a propagação de notícias verdadeiras.
Nesse sentido, a ideia principal do bilionário é tornar o Twitter uma “praça digital inclusiva”, tratando os conteúdos expostos nele de forma mais permissiva, evitando remoções de conteúdos e contas , aumentando a liberdade de opinião por parte de seus usuários. Dessa forma, esse aumento de liberdade de expressão se daria através da possibilidade de edição de um tweet depois de postado, assim como uma flexibilização maior sobre denúncias de mensagens na rede social, restringindo o conteúdo sensível e passível de punições e do algoritmo de restrição de engajamento da rede.
Porém, apesar da promessa de Musk de ser cauteloso em relação a banimentos e suspensões, algumas informações falsas circularem como opiniões podem contornar o algoritmo do Twitter. Por fim, tal fato pode gerar uma maior desinformação em um primeiro momento na transição da rede social para um modelo mais liberal.
Um passo atrás
Ao empresário bilionário abordar o interesse de compra, inicialmente a ideia não foi bem vista pelos donos da empresa. A saga teve início no início do mês de abril, quando o CEO da Tesla e da SpaceX veio a público anunciar o controle de 9,2% das ações da empresa. Após ser convidado para se juntar ao conselho da empresa, por ser o maior acionista individual, Musk recusou, visto que sua participação o limitaria a comprar "apenas" 14.9% das ações da companhia. Ao mesmo tempo, funcionários de todos setores da empresa demonstravam preocupação com a futura aquisição e o impacto que as mudanças bruscas poderiam trazer à companhia.
Contudo, com pouco mais de duas semanas de acordo, o fundador da SpaceX deu um passo atrás com relação à compra definitiva da rede social. Segundo Musk, ele tomou a decisão de suspender o acordo — apesar de afirmar estar comprometido com a negociação —, após ler um relatório do Twitter que estima que o número de contas falsas e spam na rede social seja de menos de 5% dos usuários, segundo mostrou reportagem da agência Reuters, e acreditar que esse cálculo estaria equivocado. Por outro lado, Musk, pode também estar buscando diminuir o preço total da aquisição, visto que pessoas envolvidas no negócio afirmaram que ele já tinha esse dado quando optou por enviar a proposta de compra. Com esse anúncio, as ações do Twitter caíram cerca de 20% nas negociações pré-mercado e terminaram em uma queda de 11%, passando de US$ 45,08 para US$ 40.21, no dia 13 de maio de 2022.
Após interromper o acordo por desconfiança nos dados fornecidos pela firma, Elon Musk voltou a ser polêmico com relação à aquisição da rede social. Em seguida, ele disse que as negociações não podem continuar até que os números sobre a quantidade de contas falsas sejam divulgadas. Isso se deu pela crença em haver mais de 20% de bots contando como usuários ativos na rede, mas, segundo o divulgado pela empresa, só haveriam 5% das contas como sendo fakes. Esses dados geraram uma discordância entre o atual CEO do Twitter, Paraj Agrawal, que diz que não pode divulgar o número por ser algo confidencial, e Elon Musk, que quer pagar o valor justo, de acordo com os usuários reais da plataforma, para a empresa adquirida.
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Porém, se não for divulgado este número, o acordo ou será desfeito, ou vai diminuir muito o valor da aquisição. Muitos investidores já venderam suas posições e os papéis do Twitter caíram muito, e com uma hipotética não venda faria cair ainda mais. Além disso, se forem divulgados e os resultados de usuários ativos que são fake estiverem adulterados, ainda sofrerão consequências por mudarem este número para exposição ao mercado externo.
É válido ressaltar que, paralelamente à negociação do Twitter, as ações da Tesla caíram mais de um quarto desde que Musk anunciou o desejo de comprar a rede social. Isso gerou desconforto entre investidores e analistas sobre o futuro de ambas as empresas, justamente por acharem que o CEO ficaria menos comprometido com alguma das duas companhias.
Panorama financeiro
O relatório de lucros do Twitter no segundo trimestre do ano de 2018 reporta que a empresa teve um lucro líquido⁴ de US$ 100 milhões, superior aos US$ 61 milhões obtidos no primeiro trimestre. A receita da plataforma entre janeiro e março de 2020 teve um crescimento de 3% ao ano, e em comparação, o Facebook faturou US$ 17,74 bilhões, com um aumento de 17%. A empresa se manteve com lucro até o primeiro trimestre de 2020, quando chegou a pandemia, e fez seus resultados despencarem novamente, de 2020 em diante.
A empresa culpa a pandemia do coronavírus pela queda na receita. Segundo o Twitter, entre 11 de março de 2020, quando a maioria dos eventos ao redor do mundo começou a ser cancelada, até o final daquele mês, a baixa no faturamento com publicidade foi de 27% quando comparada com a mesma época de 2019. Vale lembrar que mais de quatro quintos da receita do Twitter vêm dos anúncios, e uma das principais metas traçadas por Elon Musk, caso adquira a empresa, seria equilibrar as fontes de receitas para não ficar tão dependente de anúncios, como vimos neste ano.
Já no início de 2022, o Twitter conseguiu atingir o lucro líquido de US$ 513 milhões no primeiro trimestre do ano, tendo seu 3o melhor trimestre em toda a história e ficando com o valor bem acima do registrado em igual período no ano anterior de 2021.
Nesse cenário, analistas esperam que o Twitter aumente suas receitas em 18%, para US$ 5.87 bilhões, em 2022, e em 22%, para US$ 7.32 bilhões, em 2023. A título de comparação, seus resultados estão estimados para aumentar em uma taxa de 80% nos próximos 5 anos, com a implementação das estratégias de monetização e de mais usuários ativos na rede. Em 2023, Elon Musk cita um plano de assinatura pago para os usuários da rede, chamado “X”. Possuindo como projeção 9 milhões de inscritos em 2023 e estipulando que tenha 104 milhões de inscritos até 2028, embora ainda não tenha sido detalhado o que esse plano ofereceria aos seus compradores.
Impacto da mudança no Brasil
Com a empresa sendo adquirida pelo empresário, havia uma pretensão de realizar a abertura do algoritmo, que, apesar de beneficiar sua transparência e também diminuir os gastos com licenças ou patentes, seus usuários passariam a entender como suas postagens, atividade e divulgação acontecem. Visto isso, os usuários poderiam passar a usar o algoritmo a seu favor, beneficiando e até manipulando dados em benefício próprio. Somando aos pontos enunciados previamente, pode haver uma margem para impacto nas eleições presidenciais, assim como em todo evento político que envolve disseminação de informações no país, de modo a aumentar a influência e controle das notícias fundamentais no cenário brasileiro. As contas de robôs também poderiam ser mais eficientes, uma vez que agora irão saber exatamente como agir para parecerem relevantes e verdadeiras com um sistema opensource⁵.
Por outro lado, muitos especialistas acreditam que essa transição será gradual e não chegará a tempo de atingir o período eleitoral no Brasil. Dessa forma, o esperado é que o Twitter, caso seja realmente vendido ao empresário, mantenha, nos seus primeiros anos, uma rede social parecida com o que é visto atualmente, e tenha alguma alteração grande e estrutural na plataforma apenas em seu futuro.
A única certeza que podemos ter é que será necessário aguardar os próximos tweets dessa história para entendermos o objetivo do homem mais rico do mundo.
Glossário:
1 - Big Techs: grandes empresas de tecnologia que dominam o mercado.
2 - Pitch deck: apresentação que mostra um panorama geral do negócio para investidores e fundos de investimento.
3 - Contas verificadas: informa às pessoas que uma conta de interesse público é autêntica.
4 - Lucro líquido: lucro restante depois que todo o custo e as despesas (incluindo impostos) foram deduzidos da receita total em um determinado período.
5 - Opensource: se refere ao código-fonte de um site ou aplicativo. Nesse sentido, sua linguagem de programação pode ser vista por qualquer um, que pode adaptá-la para objetivos variados.
Referências:
Osman, Maddy. “Estatísticas e Fatos do Twitter“. Disponível em < Estatísticas e Fatos do Twitter Sobre a Nossa Rede Favorita (2022) > Acesso em: 09/05/2022.
“Elon Musk fecha acordo para comprar Twitter“. Disponível em < Elon Musk fecha acordo para comprar Twitter | Tecnologia | G1 > Acesso em: 09/05/2022.
Marin, Jorge. “Elon Musk revela metas de usuários e receita para o Twitter“. Disponível em < Elon Musk revela metas de usuários e receita para o Twitter - TecMundo > Acesso em: 09/05/2022.
“Twitter Net Income“. Disponível em < Twitter Net Income 2011-2022 | TWTR | MacroTrends > Acesso em: 09/05/2022.
Spangler, Todd. “Twitter Grows to 217 Million Daily Users in Q4“. Disponível em < Twitter Grows to 217 Million Daily Users in Q4, Income Falls 18% Amid 'Modest' Impact From Apple Privacy Change > Acesso em: 09/05/2022.
Daniel, Tozzi. “Compra do Twitter: tudo o que Elon Musk quer levar para a rede social“. Disponível em < Compra do Twitter: tudo o que Elon Musk quer levar para a rede social > Acesso em: 09/05/2022.
Isaac, Mike. “Inside Elon Musk’s Big Plans for Twitter“. Disponível em < Inside Elon Musk's Big Plans for Twitter - The New York Times > Acesso em: 12/05/2022.
Constancio, Felipe. “Juntas, Big Techs somam quase US$ 150 bilhões em aquisições“. Disponível em < Juntas, Big Techs somam quase US$ 150 bilhões em aquisições > Acesso em: 12/05/2022.
Pinheiro, Guilherme. “Elon Musk quer quadruplicar o número de usuários do Twitter até 2028“. Disponível em < Musk quer quadruplicar o número de usuários do Twitter até 2028 | Mundo Conectado > Acesso em: 13/05/2022.
Julião, Fabricio. “Ações do Twitter caem 11% após Musk suspender temporariamente compra da empresa“. Disponível em < Ações do Twitter caem 11% após Musk suspender temporariamente compra da empresa | CNN Brasil > Acesso em: 16/05/2022.
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