Big Brother. Uma entidade que tudo vê, vigiando todos por meio de uma tela. Na obra 1984 de George Orwell, o Big Brother é um ser carismático, porém manipulador, que acompanha a vida das pessoas, controlando-as. Nesse sentido, o Big Brother captou essa essência, montando um reality show que preza pela transparência, permitindo que o público assista aos acontecimentos dentro do programa 24 horas por dia. O Big Brother Brasil (BBB), ao longo das edições, conseguiu moldar a sua estrutura, originalmente visionada por John de Mol - criador do reality -, para gerar grande sucesso na televisão brasileira. Apesar da popularidade obtida em sua estreia, ao longo da última década ficou cada vez mais difícil mantê-la, com o BBB correndo o risco de ser cancelado em alguns momentos. Com o seu sucesso atrelado à audiência, é preciso entender o porquê do programa ter tido essas perdas e de que forma eles utilizaram uma pandemia global a seu favor, trazendo a ele uma nova fase.
BBB e suas estalecas
Os reality shows, em sua maioria, dependem de patrocinadores, seja por product placement¹ ou por comerciais, para gerar receita ao programa. O Big Brother Brasil, seguindo essa tendência, tem uma fonte de receita baseada em dois grandes pilares: patrocinadores - estando presentes ao longo de toda a edição do programa - ou merchandising - patrocínio em momentos pontuais, como uma festa temática. Ambos podem estar presentes na forma de comerciais, vinhetas, aparições e dinâmicas dentro da casa e toque de cinco segundos², entre diversos outros.
Dessa forma, os patrocinadores realizam grandes investimentos no BBB por meio da compra de cotas de patrocínio³ - valores pré-estabelecidos para levar a representação da marca para dentro da estrutura do reality show - disponibilizadas antes do início do programa. A quantidade de cotas é limitada, já que é necessário fazer um planejamento para anunciar as marcas ao longo dos 3 meses, sem transmitir a sensação de propaganda em excesso. Essas cotas, que na edição de 2021 chegaram a custar R$ 78 milhões, geram maior visibilidade às marcas, tornando-as parte da rotina dos participantes em troca de exposição para os telespectadores. Um dos mais famosos cases relacionados ao BBB é o PicPay, plataforma de pagamentos que, por meio da obtenção de 2 cotas de patrocínio, implementou a sua ideia central de facilitar transações dentro do reality, sendo o canal pelo qual os participantes usam para fazer pagamentos. E, para darmos um exemplo do retorno que isso pode trazer à empresa, durante uma prova do líder em 2021 patrocinada pela PicPay, o aplicativo viu 3 mil novos cadastros por minuto e teve, ao todo, cerca de 110 mil acessos simultâneos.
O merchandising, por sua vez, possui um viés mais pontual por ser limitado a eventos singulares na casa, como uma prova do líder ou uma festa temática. Com isso, a equipe do Big Brother Brasil possui uma grande gama de funcionários para desenvolver essas dinâmicas, de maneira a introduzir tais comerciais da melhor forma possível, mantendo um alto nível de entretenimento para os espectadores ao mesmo tempo e, que se expõe os participantes a situações desafiadoras. A partir dessas estratégias de marketing, ao longo dos anos surgiram algumas das provas memoráveis na história do programa, como na edição de 2009, em que os participantes ficaram suspensos por uma estrutura colada com Super Bonder, a qual procurou demonstrar a força e qualidade da cola, valorizando a imagem da marca aos espectadores.
Mais recentemente, o McDonalds realizou uma festa dentro da casa para os participantes, fazendo delivery de produtos direto no gramado da casa do reality show. Simultaneamente, a empresa ofereceu, por tempo limitado, o Méqui BBBox Festa do Pijama - um combo de produtos da marca -, aumentando o volume de vendas do produto em 80% em comparação com a semana anterior. Para vias comparativas, essa oferta foi capaz de arrecadar mais do que a promoção da Black Friday de 2020, um dos picos de venda da marca ao longo do ano. Por fim, uma terceira maneira, porém financeiramente menos significativa, do BBB gerar receita é por meio de subprodutos. Toda edição, o Big Brother Brasil lança, a partir de colaborações com outras marcas, uma linha de produtos que os participantes usam dentro da casa. Na edição de 2021, por exemplo, o programa está oferecendo os produtos BBB pela Artex - uma marca de produtos de cama, mesa e banho -, vendendo jogos de cama, toalhas e roupões vistos dentro do programa.
Ademais, um outro subproduto do BBB seria o Pay-Per-View (PPV), plataforma que permite aos assinantes o acesso às câmeras do programa 24 horas por dia. No entanto, ele vem perdendo popularidade após a introdução do GloboPlay. O PPV já chegou a custar R$127,00 ao longo dos anos mas atualmente tem o mesmo valor que o GloboPlay, de R$22,90, o que está o tornando cada vez menos atraente para o público. O GloboPlay, junto das outras plataformas da Globo, do GShow, da Multishow e da TV Globo, consegue captar um grande escopo de espectadores para o Big Brother Brasil, batendo, em 2020, um recorde de 4,5 milhões de horas consumidas dentro de 1 dia.
O Paredão
O programa, contudo, não conseguiu manter os níveis de audiência com o passar de suas edições. O formato de qualquer reality show se torna repetitivo após algumas temporadas, dificultando cada vez mais manter a audiência atingida nas primeiras edições, mesmo tentando introduzir novas dinâmicas no programa para mantê-lo inovador. Nesse sentido, apesar dos momentos de baixa, o Big Brother Brasil surpreende ao continuar em alta na televisão brasileira 19 anos após estreia, pois ele ainda consegue arrecadar valores consideráveis de receita para arcar com os custos de criação e manutenção de uma edição. Principalmente por ser exibido em meses de baixo faturamento para a emissora, decorrente da ausência de grandes eventos como o Campeonato Brasileiro, que só começa por volta de maio, e as novelas, que raramente terminam ou começam nos primeiros meses do ano, o Big Brother Brasil continua se apresentando como uma ótima oportunidade para a Globo em termos de entretenimento.
Dentro dessa realidade, contudo, o programa viu a popularidade despencar após uma dezena de edições e, independente das inovações preparadas pela a equipe do reality, não encontrou uma solução para reverter o cenário. Dessa forma, o BBB viu-se obrigado a controlar o aumento das cotas para continuar captando um volume considerável de patrocinadores e merchandising, visto que, assim como a audiência caiu, o retorno monetário aos anunciantes também diminuiu.
Chegou em um momento, antes do início da edição de 2018, que a emissora começou a considerar a aposentadoria do programa caso eles não conseguissem reverter o cenário negativo em que estavam inseridos. Dessa forma, a equipe do Big Brother Brasil tomou um risco ao renovar o contrato com a Endemol, proprietária dos direitos do reality show, na esperança de reverter esse desinteresse do público visto nos últimos anos.
Votação Acirrada
No entanto, esse cenário foi completamente virado de cabeça para baixo na edição de 2020, que trouxe uma proposta de metade dos participantes serem celebridades. Essa inovação conseguiu transformar os próprios fãs das celebridades em telespectadores, em uma jogada que buscou aumentar a presença do reality show nas plataformas digitais, tornando-o um assunto discutido e comentado fervorosamente nas redes sociais, como o Twitter. Esse sistema cria um ciclo vicioso, trazendo sempre novos indivíduos a assistir o programa após o primeiro contato, que ocorreria por meio dessas redes sociais. A edição de 2020, segundo análises da Globo, teve um total de 3,5 bilhões de interações nas redes sociais, considerando o Facebook, Twitter e Instagram. Porém, o fator principal que conseguiu alavancar a popularidade do Big Brother Brasil e, consequentemente, também dos patrocinadores e merchandising, foi impossível de prever: uma pandemia.
Da noite para o dia, os brasileiros viram as suas rotinas, antes cheias de atividades sociais, se restringirem às 4 paredes de suas casas, tornando atrativo resgatar o hábito de assistir televisão, que tem sido abandonado cada vez mais com o crescimento da internet. Outrossim, na busca por novos meios de entretenimento, o Big Brother Brasil se encaixou perfeitamente nesse ‘novo’ normal, tomando proveito de plataformas já existentes do GloboPlay e GShow.
Diante disso, os níveis de audiência cresceram exponencialmente e, junto, novas oportunidades de merchandising dentro do programa. Os patrocinadores passaram a ver o Big Brother Brasil, principalmente com o envolvimento social intensificado pela pandemia - com celebridades como Neymar discutindo fervorosamente o tópico nas redes sociais - como um poderoso canal de marketing, divulgando o produto a milhões de brasileiros ‘presos’ em casa. A audiência se tornou mais suscetível às recomendações de produtos divulgados pelos canais da Rede Globo, pois houve um aumento expressivo no envolvimento do público com o reality. Com isso, o engajamento do telespectador com o programa disparou, quebrando diversos recordes ao longo do programa, com destaque ao paredão entre Manu Gavassi, Felipe Prior e Mari Gonzalez, que acumulou no total 1.5 bilhão de votos, um recorde mundial entre reality shows.
Com isso, a edição do BBB 20, que teve dificuldade em completar as 6 cotas no início do programa, terminou a edição com mais de 25 patrocinadores principais, sendo considerada a edição de maior sucesso na história do programa.
Em virtude da popularidade do ano anterior, a edição de 2021 projetou, em dezembro de 2020, dois meses antes de seu início, uma receita superior a R$ 529 milhões proveniente dos patrocinadores, divididos em subcategorias para identificar diferentes tipos de investimentos por cota. Essa projeção foi possível por meio de 3 patrocinadores com cotas ’Big’ - Picpay, Avon e Americanas - , custando R$ 78 milhões cada, e 5 cotas ‘Anjo’ - C&A, Amstel, P&G, Seara e o McDonald's -, rendendo ao programa mais R$59 milhões cada, além de oferecer outras posições ‘fixas’ de patrocínio, como o fornecedor dos produtos de mercado, posição das Lojas Americanas.
Quem ganhou o prêmio de 1 milhão e meio?
O Big Brother Brasil, desde o início, se mostrou como um investimento muito rentável para a Globo, com baixos custos e alto potencial de geração de receita a partir do sucesso junto ao patrocínio de diversas marcas. A popularidade dos reality shows, contudo, continua a ser suscetível ao gosto do público, capaz de mudar de opinião sem aviso prévio. Com isso, o Big Brother Brasil pode - e deve - continuar tirando proveito do cenário singular em que vivemos: das realidades trocadas. Enquanto o programa aproveita uma espécie de liberdade, podendo dar festas sem preocupações de contaminação, a audiência vive confinada em suas casas e esperando o toque do Big Fone para finalmente sair desse programa chamado realidade.
Glossário:
¹Product Placement: uma estratégia de marketing que insere de forma natural produtos e menções de marcas no programa de entretenimento.
²Toque de cinco segundos: contagem regressiva feita antes do início do programa para sincronizar a transmissão com emissoras afiliadas e retransmissoras sem perda de tempo ou atrasos. Feito em transmissões que terão alto índice de audiência.
³Cotas de Patrocínio: são valores pré-estabelecidos para levar a representação da marca para dentro da estrutura do reality show.
Referências:
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