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Foto do escritorYasmim Mirella

Caso Saraiva: um alerta para as livrarias




Uma história centenária


A Saraiva foi uma das maiores redes de livrarias do Brasil, em que, durante seus mais de 100 anos de história, desempenhou um papel significativo no cenário cultural. Fundada em 1914, a empresa começou como uma pequena livraria em São Paulo e, com o passar dos anos, cresceu ao ponto de se tornar uma das referências no mercado editorial brasileiro. Em 1970, iniciou sua expansão por meio de uma rede de lojas no estado e, na década seguinte, passou a englobar o território nacional.


A firma era a principal escolha de muitos clientes, desde mães e pais em busca de livros didáticos para seus filhos até amantes da leitura que frequentavam o local por diversos motivos, como eventos literários, lançamentos de livros, sessões de autógrafos com autores, entre outros. Tendo em vista esse cenário, quais são os fatores que levaram a empresa a enfrentar grandes dificuldades financeiras e quais são as consequências?


Dificuldades que o setor de livrarias enfrenta


Inicialmente, é preciso entender o contexto da crise que assola o setor e que contribuiu para a falência da Saraiva. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura, no Brasil, 44% da população não lê e 30% nunca comprou um livro, indicando a grande desvalorização do hábito de leitura no cotidiano do brasileiro. A partir desses dados, é evidente que as livrarias possuem um limitado número de clientes, podendo impactar negativamente em suas vendas. Ademais, em tempos de crise, com o aumento do desemprego, a população tende a priorizar a compra de bens essenciais, optando por deixar os livros de lado.


Outra dificuldade que o setor tem enfrentado foi a mudança no hábito de consumo, devido ao crescente avanço tecnológico nos últimos anos. Visto que, o surgimento e a expansão do comércio eletrônico alteraram drasticamente a forma como as pessoas adquirem livros. Além disso, o aumento da conveniência oferecida pelas plataformas online, aliada à diversidade de títulos disponíveis e do acesso a feedback de outros leitores, têm atraído consumidores que optam por explorar e comprar livros dentro do conforto de seus lares. Juntamente a esse fator, existe uma diferença significativa entre os preços de lojas físicas e onlines, com casos de uma discrepância de mais de 30% entre o site e a loja física, o que colabora para uma diminuição considerável de compras nas livrarias físicas.



Ademais, um fator que agravou ainda mais a mudança dentro do mercado foi a chegada da Amazon no Brasil em 2012. Isso porque as empresas do ramo sempre trabalharam com uma margem de lucro apertada, devido a forma como são operadas, por conta da relação complicada com as editoras e dos gastos necessários em seus centros de comércio, dando pouca possibilidade de contorno de problemas. Entretanto, com a Amazon é diferente por não ter gastos para manter suas lojas, uma vez que não opera de forma física, podendo ter um limite maior no catálogo e remunerar melhor as editoras. Além disso, por já ser uma empresa consolidada, com um grande poder de mercado e não atuando somente em uma área, a multinacional possui uma maior liberdade em relação aos preços, podendo oferecer descontos que as livrarias nacionais não foram capazes de acompanhar. Com a adoção dessas estratégias, é evidente que o número de clientes da Amazon só aumentou, causando uma preocupação nas grandes empresas como a Saraiva e a Livraria Cultura, que precisavam lidar com a situação o mais rápido possível, mas que, com uma administração falha, não tiveram o resultado esperado.

Enfim, a crise 


O setor de livrarias vem sofrendo mudanças significativas, e a má gestão da Saraiva, juntamente com a crise que assolou o país nos últimos anos, contribuiu para o pedido de recuperação judicial em 2018 que, depois de 5 anos, em 2023, acarretou na autodeclaração de falência. Alguns pontos agravantes foram:


  1. Falta de controle do crescimento das lojas: a Saraiva abriu diversas mega lojas em shoppings e locais estratégicos, mesmo enfrentando custos elevados para mantê-las. No entanto, essa abordagem não considerou devidamente as possíveis consequências a longo prazo, especialmente em situações de crise que afetassem as finanças. Isso se torna mais crítico devido à natureza do setor, que tem um público limitado no país.

  2. Grande dependência do governo: o maior comprador de livros no país é o próprio governo, por ter que repor os livros didáticos nas instituições públicas. Nesse sentido, a Saraiva teve um comodismo de que poderia contar com essa venda anual para sanar suas dívidas, mesmo que as vendas para a população diminuíssem. Entretanto, com o período crítico que assolou o Brasil, o governo diminuiu a quantidade comprada de livros, o que gerou um prejuízo inesperado para a companhia.

  3. Controle dos preços: na Saraiva, a discrepância dos preços entre o online e o físico era exorbitante para que fosse possível manter a competição com os concorrentes, de modo que o consumidor não via sentido em fazer compras presencialmente, reduzindo, portanto, as receitas dos estabelecimentos físicos.

  4. Dificuldade de lidar com o avanço digital: a firma teve dificuldades em se adaptar rapidamente a um cenário de grande preferência pelo consumo digital, apresentando estratégias ineficazes, como um canal digital pouco desenvolvido. Em suma, estabelecimentos bem-sucedidos devem antecipar e responder de forma ágil às tendências, para se manterem competitivos no mercado, o que a Saraiva não conseguiu fazer.

  5. Impacto da pandemia: devido à recuperação judicial e aos impactos severos da pandemia de coronavírus, que levou ao fechamento das lojas físicas, a rede de livrarias apresentou um prejuízo líquido de 118,2 milhões no segundo trimestre de 2020. Ao contrário de outras empresas, a Saraiva não conseguiu compensar a redução da receita com as vendas pela internet, com isso a receita via e-commerce somou 23 milhões de reais, uma redução de 56,8% em relação ao segundo trimestre de 2019.


Outro aspecto que contribuiu para a falência de uma das grandes empresas do Brasil foram os problemas econômicos. As altas taxas de juros tiveram um impacto negativo no acesso ao crédito por parte da população, que viu o seu poder de compra diminuir drasticamente. Como consequência, a empresa sofreu um duro golpe em suas vendas, diminuindo a sua receita líquida em 80% e sendo incapaz de cumprir as obrigações de pagamento aos fornecedores, o que colaborou para acumular 674 milhões de reais em dívidas.



Consequências da falência


Quando uma empresa de grande importância, como a Saraiva, enfrenta a perspectiva de falência, os impactos vão além dos proprietários e da própria organização. A amplitude das consequências se estende para outras áreas, como:


  1. Acionistas: com a Saraiva em falência, os acionistas entram em estado de preocupação, devido ao grande prejuízo que irão sofrer com as ações. Isso acontece porque, quando os bens da empresa são liquidados, existe uma ordem de pagamento dos credores, estando os acionistas em último e, por conta disso, a chance de receber algum retorno é baixa. No entanto, mesmo se tiverem essa sorte, os valores vão ser muito inferiores à quantia investida.

  2. Impacto no setor: como a Saraiva desempenhava um papel muito importante dentro do cenário de livrarias, toda a cadeia de distribuidoras e editoras de livros foi prejudicada, devido ao fim das negociações com essa gigante. Ademais, a queda de um grande player pode indicar as grandes mudanças no setor e deixar em alerta outras marcas do mesmo ramo.

  3. Impactos sociais: além dos mais de 500 funcionários que perderam seus empregos, a queda dessa firma resulta em uma perda enorme para as questões culturais e educacionais do país, diminuindo ainda mais o acesso a livros por elas ofertadas, desestimulando o hábito de leitura, tirando o espaço de possíveis eventos comumente realizados por escolas e contribuindo na dificuldade para adquirir livros didáticos. 


Futuro do setor de livrarias


Atualmente, o setor de livrarias enfrenta uma série de desafios que podem impactar sua viabilidade a longo prazo. A ascensão do comércio eletrônico, liderada por grandes plataformas online como a Amazon, tem modificado os padrões de compra, tornando a conveniência  e a diversidade de opções fatores decisivos para os consumidores. Além disso, a transição para o formato digital, com a preferência crescente por e-books e outras formas de conteúdo digital, desafia as livrarias tradicionais. Por fim, a concorrência acirrada de grandes redes online e o impacto da pandemia de COVID-19, que resultou em fechamentos temporários e mudanças nos hábitos de consumo.


A falência de uma marca tão grande como a Saraiva, que apresentava um grande crescimento durante muitos anos, mostrou que nem mesmo aquelas empresas consolidadas estão seguras dos riscos de crises e grandes mudanças no setor. A forma como se encerrou a história da livraria pode ser levada como um aprendizado para outros players do mercado para evitarem o comodismo e sempre buscarem a aderir a novas estratégias.


Bibliografia


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