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As eleições americanas são um dos eventos políticos mais observados no mundo, não apenas definindo quem será o próximo líder da maior economia global, mas também moldando estratégias que impactam diretamente o crescimento econômico mundial, tornando-se fundamental entender como essa questão pode influenciar a economia global. No entanto, apesar de sua importância e visibilidade, o funcionamento desse processo eleitoral pode ser complexo e, portanto, confuso para quem não está familiarizado com seus detalhes. Sob esse viés, faz-se necessário explorar como as eleições nos Estados Unidos são estruturadas, como o sistema de colégio eleitoral funciona e por que os resultados desse processo têm repercussões que ultrapassam as fronteiras americanas.
270 para vencer
As eleições são um longo processo que se inicia aproximadamente dois anos antes da votação em si. Durante esse período, são formados comitês que dialogam com eleitores e possíveis financiadores de campanhas em todo o país, visando avaliar quais candidatos teriam chance de vencer. Assim, diferentemente do que acontece no processo eleitoral brasileiro, no qual os candidatos são escolhidos pelos partidos, os participantes à presidência dos EUA são eleitos pela população nas chamadas primárias — também conhecidas como prévias.
No sistema estadunidense, as primárias ocorrem de janeiro a junho, iniciando-se, tradicionalmente, no estado de Iowa, mas geralmente nos primeiros meses já se sabe qual será o vencedor de cada partido, pois quem se sobressai nas votações costuma conseguir maior apoio de eleitores e financiadores, gerando maior eficiência na campanha. Na maioria dos estados americanos, o eleitorado escolhe o seu candidato secretamente por meio de uma cédula depositada na urna eleitoral. Assim, também vale ressaltar que, nessa fase, candidatos do mesmo partido estão competindo entre si e, posteriormente, o vencedor desse ponto é quem efetivamente concorrerá na eleição presidencial realizada em novembro.
Ao longo da história americana, dois partidos dominaram os resultados das eleições presidenciais, são eles: o Democrata e o Republicano. O primeiro é geralmente associado a ideais liberais no âmbito social, enquanto adota uma abordagem um pouco mais conservadora na economia, defendendo um papel mais ativo do governo na regulação do sistema econômico e na provisão de serviços sociais, como saúde e educação. Já o partido republicano é associado a princípios relacionados ao conservadorismo social e ao liberalismo econômico, enfatizando o individualismo e um Estado mínimo, permitindo o mercado atuar livremente e reduzindo a influência governamental em questões sócio-econômicas.
Além disso, em muitas democracias, o processo de escolha do presidente é direto: os eleitores votam diretamente no candidato que desejam ver como chefe de Estado. Entretanto, isso não acontece com os americanos, pois os seus votos são direcionados aos delegados — pessoas que votarão por eles em cada estado da federação. Conforme a quantidade de votos que cada presidenciável obtém dos eleitores em cada estado, ele recebe uma quantidade proporcional de delegados que correspondem à sua região. Dessa forma, estes votam para a presidência em seus respectivos estados, essa sistemática ocorre tanto nas primeira, quanto na segunda etapa — o Colégio Eleitoral. Este, basicamente, é o conjunto de todos os delegados do país, totalizando 538 delegados em todo o território americano. Portanto, para que o presidente seja eleito, ele precisa conquistar os votos de 270 delegados.
Winner takes all e a importância dos swing states
Dos 50 estados americanos, 48 utilizam o sistema conhecido como “winner takes-all” (ou “o vencedor leva tudo”) na contagem dos votos. De forma simplificada, isso significa que o candidato que obtém a maioria dos votos populares em um estado leva todos os delegados do colégio eleitoral daquela região. Assim, não importa se essa maioria é pouco mais que a metade ou se é uma diferença expressiva em relação ao seu concorrente, desconsiderando completamente a margem de vitória. Essa forma de eleição abre a possibilidade de que um presidenciável vença o pleito mesmo sem conquistar a maioria absoluta dos votos, algo que já ocorreu cinco vezes ao longo da história eleitoral americana, sendo a última em 2016, na qual a democrata Hillary Clinton obteve quase três milhões de votos diretos a mais do que o republicano Donald Trump. No entanto, ela conquistou somente 227 delegados, contra 304 de Trump.
Com isso, a conquista dos votos dos estados, independentemente do tamanho, pode ser decisiva na corrida presidencial, tornando-a extremamente estratégica. Por conta disso, os partidos dedicam grande atenção aos chamados swing states: estados que não seguem uma tendência de viés de uma eleição para outra. Nesses locais, a disputa acirrada se torna um verdadeiro campo de batalha político, devido ao impacto dos resultados no desfecho da balança eleitoral, fazendo com que sejam cruciais para a vitória.
Dentre os swing states, destaca-se, principalmente, o estado da Pensilvânia, não só por sua quantidade de delegados, mas também pela sua forte influência nos outros swing states, que, historicamente, costumam seguir o mesmo caminho desse estado. Isso porque, desde 2008, todos os candidatos presidenciais que ganharam na Pensilvânia conquistaram a presidência.
Panorama atual
Em julho de 2024, o atual presidente Joe Biden surpreendeu ao anunciar sua retirada da corrida presidencial, endossando a vice-presidente Kamala Harris como a candidata do Partido Democrata para as eleições de 2024. Biden, que inicialmente planejava buscar a reeleição, enfrentou uma crescente pressão de líderes do partido e grandes doadores após uma performance abaixo do esperado em debates anteriores. Tal decisão foi vista como uma tentativa de unificar o partido e aumentar as chances de vencer o candidato republicano Donald Trump, que já havia garantido a nomeação de seu partido.
Representando visões opostas sobre o papel do governo, os valores sociais e o futuro do país, a disputa entre Kamala Harris e Donald Trump vem sendo uma das mais acirradas e definidoras da história recente dos Estados Unidos. Dessa forma, podemos entender seus principais ideais a respeito de governança.
Kamala Harris (Democrata)
Ideologia e Valores:
Harris é uma figura progressista, representando uma visão de governo ativo em áreas como saúde, educação e justiça social. Ela defende a importância de proteger os direitos civis, fortalecer a democracia e promover maior inclusão social e econômica.
Política Externa:
Sua campanha enfatiza a importância de manter e reforçar alianças internacionais, acreditando que os EUA devem assumir um papel de liderança global em questões como direitos humanos, mudanças climáticas e segurança.
Economia:
Harris propõe investimentos na classe média americana, buscando ampliar o acesso a programas sociais e infraestrutura, além de lutar por aumentos no salário mínimo e acesso universal à saúde.
Donald Trump (Republicano)
Ideologia e Valores:
Trump adota uma postura conservadora, com foco em um governo mais limitado e voltado para a liberdade individual. Ele promove uma agenda que questiona o establishment político e defende uma "América em primeiro lugar" tanto em questões internas quanto externas.
Política Externa:
O ex-presidente defende uma política externa mais isolacionista, com ênfase em acordos bilaterais e restrições a organizações internacionais. Ele é conhecido por priorizar interesses nacionais, defendendo a renegociação de tratados e medidas protecionistas.
Economia:
Sua abordagem econômica é centrada em cortes de impostos, desregulamentação e apoio a empresas privadas como motor do crescimento econômico. Ele também defende políticas de imigração restritivas para proteger empregos americanos e reduzir custos sociais.
Ao examinar as diferenças entre os candidatos, fica claro que suas abordagens econômicas refletem suas visões contrastantes de governo. A principal estratégia do plano econômico do ex-presidente Donald Trump pode ser resumida na seguinte receita: reduzir os impostos e financiar esta redução fiscal com um aumento geral das tarifas sobre todos os produtos que entram nos Estados Unidos. Para Trump, um “grande defensor” das tarifas alfandegárias, esses impostos podem permitir o combate a “países que tentam tirar vantagem” dos Estados Unidos, como a China. Dessa forma, analistas esperam que, caso eleito, o candidato republicano suspenda a atual lei de cortes de impostos (TCJA), o que geraria um impacto positivo no PIB americano.
Desse modo, as tarifas alfandegárias sobre todos os produtos importados aumentariam 10% e, no caso de alguns deles, especialmente chineses, poderiam chegar a 60%. De acordo com o Departamento de Comércio americano, os Estados Unidos importaram mais de US$ 3,8 bilhões em bens e serviços em 2023. Com o dinheiro obtido, Trump afirma que financiaria um amplo corte de impostos para todas as classes sociais e que tal redução compensaria o aumento do preço de alguns bens afetados por tarifas mais altas, especialmente produtos de consumo de massa.
Contrastando com a abordagem de Trump, especialistas alertam que essa política pode não ser suficiente para controlar a inflação, já que o aumento dos custos dos produtos importados seria sentido mais rapidamente do que os benefícios fiscais, o que poderia elevar a inflação no curto prazo, ao invés de controlá-la. Quando o preço de bens importados sobe, o custo final ao consumidor aumenta, pressionando os preços para cima. Além disso, a experiência das tarifas implementadas durante seu primeiro mandato mostrou que o impacto no crescimento do emprego nos setores industriais visados foi limitado, enquanto os efeitos inflacionários foram mais significativos do que os ganhos econômicos esperados. Isso se deve ao fato de que, embora as tarifas reduzam o consumo de importados, as indústrias locais muitas vezes não conseguem compensar essa perda com um aumento na produção interna, o que mantém a pressão inflacionária elevada.
Por outro lado, a Democrata Kamala Harris tem como principal ponto de desenvolvimento econômico uma das maiores dores no território americano: tornar o custo de moradia mais acessível. Nesse sentido, o seu plano para lidar com o alto custo habitacional foca em oferecer alívio para compradores de primeira viagem e estimular a construção de novas casas, por meio de uma proposta que inclui um crédito de imposto de US$ 10 mil para ajudar esses compradores, incentivos fiscais para construtores e a eliminação de benefícios tributários para investidores que compram grandes quantidades de imóveis para aluguel. Logo, a ideia é tornar a moradia mais acessível e ajudar a combater a especulação imobiliária, que contribui bastante para a alta dos preços.
Todavia, algumas críticas sugerem que essas medidas podem ter efeitos indesejados. Por exemplo, o crédito de imposto e os incentivos fiscais podem aumentar a demanda por imóveis, o que, paradoxalmente, poderia elevar ainda mais os preços das casas, agravando o problema para aqueles que já enfrentam dificuldades para encontrar moradia acessível. Economistas como Lanhee Chen, diretor de estudos de política doméstica do Instituto Hoover, alertam que essas políticas podem acabar exacerbando os desafios do mercado imobiliário ao criar uma demanda que supera a oferta existente. Logo, o principal desafio desse planejamento é encontrar um equilíbrio entre suprir a necessidade das classes mais baixas e não tensionar exageradamente o mercado.
Volatilidade do Mercado
Além dos planos econômicos, outro ponto que tem gerado incertezas em relação aos analistas é a imprevisibilidade da atual disputa, o que levanta a dúvida: como a incerteza da eleição pode afetar os retornos e a volatilidade do mercado de ações? Até agora, os mercados têm estado relativamente otimistas sobre as implicações das eleições dos EUA, até o mês de setembro, o S&P 500 já havia atingido 38 novas máximas históricas com um retorno de 19,5% no acumulado do ano.
As duas últimas eleições presidenciais são ótimos exemplos de como o timing do mercado pode ser perigoso nessa época. Nas primeiras horas de 9 de novembro de 2016, o índice despencou conforme os resultados das eleições chegaram, mas o mercado fechou 1,1% mais alto após a sessão regular de negociação daquele dia, quando os resultados foram finalizados, e o mercado se recuperou fortemente após a eleição de 2020. Em ambos os casos, houve um rali pré-eleitoral de 3% entre a sexta-feira anterior e o próprio dia da eleição, então o mercado mudou antes mesmo de muitos votos serem lançados. Alguns investidores estão ansiosos para ficar de fora até que a incerteza eleitoral passe, mas correm o risco de perder recuperações subsequentes que normalmente ocorrem mais rápido do que os investidores conseguem voltar ao mercado. Dessa forma, o recomendado por diversos bancos e investidores de renome é uma maior cautela nesse período, dado que costuma-se ter boas projeções ao fim do período de eleições.
Impactos Externos
Sendo a maior do mundo, a economia dos Estados Unidos serve como um barômetro essencial para o desempenho econômico global. Decisões políticas e econômicas tomadas pela administração americana afetam diretamente o comércio internacional, a estabilidade financeira e o fluxo de capitais. O Brasil, como economia emergente, é particularmente sensível às mudanças nas políticas americanas devido a diversos fatores.
Primeiramente, os Estados Unidos são um dos principais parceiros comerciais do Brasil, sendo destino de exportações cruciais, como soja e petróleo. A eleição de um presidente americano com postura protecionista pode resultar na criação de barreiras comerciais, prejudicando essas exportações e, consequentemente, afetando setores chave da economia brasileira. Além disso, as políticas monetárias adotadas pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, desempenham um papel fundamental no cenário global. A regulação da taxa de juros americana pelo Fed é observada de perto, pois mudanças nessas taxas influenciam diretamente o fluxo de capitais para mercados emergentes como o Brasil.
Esse impacto é intensificado pela dinâmica entre o Banco Central do Brasil e o Fed. Uma das razões para o Banco Central brasileiro manter taxas de juros mais altas que as americanas é o fato de o governo dos EUA emitir títulos em dólar, uma moeda globalmente estável, sem histórico de inadimplências e, portanto, altamente confiável. Como o dólar é uma moeda forte e amplamente utilizada em transações internacionais, os títulos americanos são considerados uma opção segura para investidores. Se as taxas de juros nos EUA e no Brasil fossem semelhantes, muitos investidores optariam por investir em títulos americanos, já que os EUA oferecem maior estabilidade financeira e menor risco de golpes ou default.
Para evitar essa fuga de capitais para os EUA, o Brasil precisa manter uma taxa de juros mais elevada. Isso assegura que o país continue atraente para os investidores internacionais, compensando o maior risco associado a investir em um mercado emergente. Assim, embora as políticas monetárias do Banco Central brasileiro sigam as mudanças do Fed, elas precisam ser ajustadas para refletir as características de um mercado que lida com uma maior volatilidade e risco econômico.
Além das questões monetárias, o relacionamento diplomático entre Brasil e Estados Unidos é outro fator importante. A aproximação ou o distanciamento entre as nações pode influenciar desde os investimentos estrangeiros até a cooperação em áreas como tecnologia, segurança e comércio. Mudanças na presidência americana podem redefinir essa dinâmica, trazendo tanto novas oportunidades quanto desafios.
Portanto, as eleições nos Estados Unidos têm implicações que vão muito além das fronteiras americanas, refletindo não apenas nas divisões internas dos EUA em aspectos econômicos, sociais e culturais, mas também têm impacto significativo na economia global. Para o Brasil, esses eventos podem trazer consequências diretas, especialmente na área comercial, financeira e diplomática, tornando as eleições americanas um momento crucial para se observar com atenção.
Glossário:
Establishment: autoridade institucional que constitui uma sociedade, grupo social dominante.
Default: em termos financeiros, refere-se à falha de uma entidade — que pode ser um indivíduo, empresa ou governo — em cumprir suas obrigações financeiras, como o pagamento de dívidas.
Rali: expressão utilizada no mercado acionário quando a Bolsa sobe de forma abrupta, normalmente após um período de declínio ou estagnação.
Bibliografia:
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Eleições Americanas e Seus Impactos nas Economias Globais e Brasileira. Disponível em: <https://exame.com/colunistas/panorama-economico/eleicoes-americanas-e-seus-impactos-nas-economias-globais-e-brasileira/>.
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Election 2024: Market Outlooks and Insights | Morgan Stanley. Disponível em: <https://www.morganstanley.com/Themes/2024-elections>. Acesso em: 12 set. 2024.
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