“Banking is essential, banks are not”. Em 1994, Bill Gates deu seu emblemático discurso sobre a forma como via os bancos tradicionais: dinossauros obsoletos. O antigo modelo de instituições financeiras está se transformando neste novo mundo digital com o surgimento das fintechs – combinação das palavras financial e technology –, que vieram a fim de se diferenciar por meio da inovação tecnológica nos serviços oferecidos. Esse fenômeno movimentou mais de US$40bi até então; contudo, significaria isso a extinção dos bancos nos moldes atuais?
Como as fintechs funcionam na prática?
De forma geral, essas empresas direcionam seus esforços a fim de cobrir as maiores deficiências dos serviços financeiros tradicionais. No entanto, como elas fazem isso? Por serem, em sua maioria, startups de tecnologia, elas identificam oportunidades, sejam elas demandas não atendidas ou um diferencial no mercado, e exploram esses gaps com o uso da tecnologia. Como exemplo, temos os chamados Bancos Digitais. Eles surgiram no mercado com uma proposta diferenciada, buscando oferecer serviços mais práticos, como maior facilidade de uso e redução da burocracia, e de menor custo, tendo em vista as altas taxas cobradas pelas grandes instituições. O gráfico abaixo mostra que essa tendência tem se concretizado no mundo de forma acelerada; principalmente, entre jovens de até 25 anos.
Como exemplo dessa tendência, temos o Nubank. Essa empresa brasileira surgiu com a proposta de oferecer um cartão de crédito controlado totalmente por um aplicativo, sem a existência de bancos físicos, o que é algo visto como bastante inovador – tudo livre de tarifas e anuidade. Todas essas vantagens geraram resultados: em 2018, Nubank se tornou a terceira empresa brasileira a adquirir o status de startup unicórnio, título dado a startups que atingem a marca de US$1bi de valor de mercado. Além dela, existem outras empresas (cada uma com o seu diferencial) que tentam tomar cada vez mais pedaços do disputado mercado monetário, como o Banco Inter e o Agibank. De acordo com a Finnovista, consultora especializada na área, os bancos digitais são as startups que mais crescem no setor financeiro. Contudo, não é apenas neles que as fintechs se encaixam. O escopo de atuação delas é enorme, passando de Crowdfunding (uma tradução mais próxima seria “financiamento coletivo”, recurso muito utilizado a fim de arrecadar fundos de forma fácil para realizar projetos, apoiar causas sociais, realizar eventos, entre outros) até Gestão Financeira Pessoal, como pode ser visto no mapa abaixo:
É interessante notar, no radar levantado, dois setores que chamam bastante atenção: Trading & Markets e Wealth Management, ambos relacionados à área de investimentos. A forma como esse tipo de operação é feita no Brasil está longe de ser a ideal. O segmento é controlado pelos cinco maiores bancos tradicionais, que concentram mais de 80% do dinheiro em circulação no sistema bancário do país. Apesar da grande preferência pela utilização desses bancos, a experiência dos clientes e os benefícios fornecidos por essas instituições estão longe de serem ótimos. O grande inchaço na estrutura dos bancos de varejo, normalmente, é um empecilho à boa relação com o cliente, que acaba sendo travada em burocracias processuais. Além disso, o grande escopo de atuação dessas empresas dificulta a especialização em uma determinada área, podendo torná-la menos eficiente que empresas menores focadas em resolver problemas pontuais do cliente. O contexto é, evidentemente, propício para explicar o crescimento desses novos bancos tecnológicos.
Quais são os riscos envolvidos?
Se os retornos financeiros são maiores, e haverá melhor experiência de usuário, por que ainda existiriam bancos tradicionais? Bom, como todo trade-off, também existe um lado negativo: lidar com dinheiro é complicado; ainda mais para quem é novo no mercado. É comum que, para começar suas operações, fintechs se alavanquem de forma demasiada. No mercado financeiro, alavancagem significa usar mais capital do que você realmente tem, resultando em despesas fixas adicionais.
1. Por que as empresas se alavancam?
Elas fazem para aumentar seus lucros sem que suas despesas financeiras cresçam na mesma proporção. Por exemplo, imagine que uma empresa queira entrar em uma nova região brasileira. Ela irá captar recursos, já que não possui dinheiro para isso apenas com o seu patrimônio, e esperar um retorno maior que o custo do endividamento. As fintechs precisam fazer esse tipo de operação para manter seu funcionamento eficiente a curto prazo, afinal, é necessário ter dinheiro para poder emprestar dinheiro.
2. Como a alavancagem é feita?
Para que ocorra, é necessário que as empresas busquem recursos de ações preferenciais, debêntures ou empréstimos.
3. Alavancar-se é arriscado?
Imagine que uma determinada empresa possua R$100.000,00 para o investimento em uma nova unidade. No entanto, ela resolve alavancar em cinco vezes o patrimônio e faz operações de R$500.000,00. Se o novo investimento render 10%, significa um aumento de R$50.000,00, o que representa 50% de lucro sobre o capital próprio, um valor extremamente significativo! Agora, vamos inverter o processo. Imagine uma desvalorização de 20%: o empresário teria perdido todo o seu capital próprio, indo a caminho da falência.
A alavancagem intensifica o risco atrelado ao investimento em fintechs muito novas, o que tenta ser compensado com taxas de juros mais baixas, por exemplo.
Além disso, a alta regulamentação obriga uma fintech a estar aliada a um banco. Dessa forma, capital, carteira de clientes, entre outras burocracias pertencem aos bancos que estão atrelados a elas. Recentemente, houve o caso de liquidação extrajudicial do banco comercial Neon, parceiro da fintech de mesmo nome. Embora só o banco comercial tenha sido alvo da liquidação, segundo o Banco Central, o banco digital também foi afetado, já que ele precisa ter as contas dos clientes gerenciadas por um banco comercial tradicional. Nesse caso, todas as contas eram gerenciadas pelo banco comercial Neon e, portanto, foram bloqueadas, o que aumentou a instabilidade e desconfiança nesse mercado emergente.
Outro ponto negativo desse novo modelo de negócios é algo intrínseco a seu diferencial: a própria tecnologia. Problemas nos servidores, ciberataques, sinal de internet debilitado, entre inúmeros problemas virtuais são ameaças constantes. Isso já foi visto na prática: três dias depois de começar a negociar suas ações na Bolsa, o Banco Inter, conhecido por ser totalmente digital, foi alvo de uma tentativa de extorsão feita por hackers. O caso envolve um suposto vazamento de dados de milhares de clientes do banco, criando ainda mais receios na população – principalmente a mais velha.
Afinal, o que será dos bancos tradicionais?
Será que acontecerá com os bancos a mesma coisa que aconteceu com a Blockbuster depois do surgimento do Netflix?
A resposta é: por enquanto, dificilmente. De fato, as fintechs revolucionaram e vão continuar transformando o setor financeiro. É inegável sua qualidade e vantagem sobre inúmeros serviços fornecidos pelos poderosos bancos de varejo. Um padeiro que está precisando de dinheiro para um novo forno não precisa mais ir a uma instituição financeira tradicional com altas taxas de juros. Ao invés disso, ele pode se conectar peer-to-peer (modelo que permite a conexão entre duas pessoas de forma direta, sem a dependência de um servidor) com o seu smartphone e conseguir o dinheiro instantaneamente com taxas menores. Isso coloca uma pressão enorme nos bancos.
Contudo, por mais que essa pressão importune, ela está longe de ser o estopim de uma falência em massa. Inclusive, ela faz com que os bancos melhorem seu serviço, tentando oferecer facilidades que antes não ofereciam. Ademais, embora possuam um crescimento acelerado, as fintechs ainda são muito pequenas. A maior financiadora mundial do tipo, Lending Club, conseguiu US$9bi em empréstimos desde seu nascimento, em 2007. Apenas as dívidas de cartão de crédito dos Estados Unidos somam US$885bi. Algumas fintechs conseguem chegar na casa dos bilhões, enquanto existem bancos negociando trilhões. Além disso, existem atividades que os bancos tradicionais fazem extremamente bem, como a Conta Corrente, que permite que as pessoas armazenem dinheiro de uma forma que o mantenha seguro e permanentemente acessível.
Outro ponto, desta vez um pouco mais complicado, é a regulação do Estado e como ela favorece oligopólios já estabelecidos no mercado. Novos players possuem barreiras de entrada muito acentuadas, principalmente no nosso país, o que dificulta a livre concorrência. O poder que grandes bancos possuem para barganhar com o governo também é um forte empecilho, já que ter seus concorrentes próximos de quem controla as leis pode ser uma pedra no caminho.
O futuro ainda é incerto. No entanto, uma tendência tem se revelado em nossas vidas: a revolução digital. É ingênuo esperar que um meteoro extingua de vez esses dinossauros. Porém, como em tudo na natureza, a evolução, inevitavelmente, acontecerá.
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