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Milagre de Natal: os efeitos econômicos das festividades

Atualizado: 13 de abr. de 2021



Assim como eu, você deve ter esperado ansiosamente por essa data. E não é para menos, o natal é, segundo especialistas sobre economia comportamental, a época em que estamos mais propensos aos gastos discricionários, ou seja, aqueles que dependem das nossas vontades, não necessidades. É desse contexto efervescente que diversas economias e empresas dependem para aumentar sua dinâmica econômica. Para entender esse acontecimento, é preciso, antes de tudo, fazer uma análise temporal completa da narrativa empregada tanto do que era e também do que se tornou esse período festivo.


A história não contada

Roma, século II, 25 de dezembro. A população está em festa para celebrar o nascimento daquele que traria sabedoria, benevolência e solidariedade aos homens. Diversos cultos religiosos celebram o ícone naquela que era considerada a data mais importante do ano.


Mas não. Não é do natal que estamos falando. Na contramão do que acreditamos, o natal não foi criado pela Igreja Católica Romana. Tratou-se de uma mudança cultural, segundo o especialista em antiguidade André Chevitarese da UFRJ, patrocinada pelos fiéis do cristianismo — religião que vinha em grande ascensão.


Através de uma busca permanente por aquilo que seria uma identidade do culto, os seguidores incorporaram hábitos de outras festividades que antecederam essa mudança. O que antes era singular de uma região, veio a se tornar uma miscigenação de cultura capaz de angariar admiradores para a nova comemoração. Um caso a se destacar, indubitavelmente, foi a contribuição do norte da Europa com a sua criatividade. A colaboração se traduz na decoração colorida das casas, no presunto da ceia, na cultura de presentear não somente as crianças, mas toda a família e o principal, a árvore de natal.


Ainda na esteira do que seria a aglutinação de culturas, a expansão do cristianismo pela Europa e seu sucesso fizeram com que a identificação com essa festividade fosse tamanha que começaram a surgir os colecionadores de artigos religiosos. E é aqui que encontramos a relação natal e economia.


O capitalismo pagão

Após perceber o crescente interesse por essa festividade em particular, alguns comerciantes viram uma oportunidade para poder lucrar. Alguns especialistas, como por exemplo Pedro Paulo Funari da Unicamp, consideram que seja no século IV o início do processo de comercialização nessa data que, até então, era estritamente religiosa. Tendo em vista uma boa relação de oferta e demanda sazonal, começaram a se programar para atender esse novo mercado.


Com o tempo e a consolidação desse comércio, alguns artesãos e comerciantes começaram a direcionar toda sua atenção e esforços para esse período do ano. Principalmente aqueles que não vendiam produtos necessários à subsistência - como por exemplo, presentes. Como consequência, aos poucos, as pequenas feiras comerciais foram se tornando perfeitamente sazonais, fazendo com que as economias locais dependessem, quase que intrinsecamente, dessas datas comemorativas com cunho religioso.


No panorama atual

Os comerciantes são como as empresas. E as economias locais como nações. Após fazer essa analogia, é possível traçar um paralelo entre a história e os dias atuais a fim de que consigamos perceber que a realidade possui várias características do passado.


Olhando mais a fundo, a relação de dependência dessa data para alguns países e instituições começa a ficar clara. Primeiro como país, todos os aspectos macroeconômicos são relevantes — o aumento do consumo das famílias, quanto de emprego vai ser gerado, como a inflação se comporta diante do aumento da demanda, entre outros. No que diz respeito às empresas, a chegada do fim do ano pode significar a salvação dos lucros naquele ano, sinalizando que o natal é capaz de injetar uma quantidade de receita vital para a sua oxigenação, permitindo muitas vezes a manutenção da empresa no mercado. Dentre todos os casos, falaremos de dois que se destacam no sentido de representar de forma completa como se comportam tanto os países como as empresas nessas épocas festivas. O caso Brasil e o Magazine Luiza.


Brasil, pátria natalina?

Diante do cenário econômico adverso que o país atravessa desde 2013 com uma grave recessão, os gastos discricionários estavam completamente comprometidos. Isto é, houve uma redução e um direcionamento significativo no consumo das famílias que visou enquadrá-las à realidade brasileira. Um dos indicadores que podem ser usados para medir como a variação dos gastos pode se comportar é analisar a variação do PIB per capita.


Fonte: Gazeta do Povo.

A métrica ajuda a entender como está a produção de riqueza de um país dado o tamanho da sua população. Olhando com outros olhos, como a variação de PIB per capita foi negativa, consequentemente a variação dos gastos também deve se reduzir e além, significa, teoricamente, o quanto cada pessoa perdeu de capital disponível para realizar as despesas. Vale ressaltar que os gastos essenciais - por exemplo, contas de água e luz — são os últimos a serem afetados, enquanto os desembolsos discricionários são os primeiros. Nesse caso, é possível perceber que quanto menos necessário é o produto, mais prejudicado pelo redimensionamento dos custos das famílias ele será, como pode ser visto no estudo de microeconomia. Tendo em vista essa medição e os dados mostrados na tabela, é possível perceber que a economia estava indo mal e que as empresas, principalmente aquelas situadas no varejo, certamente seriam impactadas.


Pensando no monitoramento de um dos setores mais importantes para a economia, a CIELO (uma empresa que atua na captura, transmissão e liquidação financeira de transações com cartões de crédito e débito) criou um índice chamado ICVA (Índice Cielo do Varejo Ampliado). Funciona basicamente como um modelo de acompanhamento mensal da evolução do varejo brasileiro de acordo com a sua receita de vendas, com base em um grupo de mais de 20 setores mapeados pela Cielo.


Fonte: Blog CIELO.

O cálculo do índice é feito através de um sistema de pesos delegados em relação a sua importância na receita do varejo. Nesse sentido, são analisadas de duas formas: Nominal e Deflacionado. O primeiro é o crescimento real de vendas que acontecem no mês após analisar as empresas. Já o deflacionado é calculado com base no IPCA (Inflação oficial do país) e é descontado o valor nominal desse aumento de preços. Para analisar de forma igualitária, a CIELO projeta o ICVA com ajuste de calendário, isso ocorre porque, em relação ao mesmo mês do ano passado, setembro de 2018 apresentou um domingo a mais e uma sexta-feira a menos, que geralmente é um dos dias da semana mais fortes do varejo — o que certamente contribuiu para o valor do índice.


Nesse contexto, é possível perceber que, no Brasil, existe uma recuperação do varejo no período indicado, principalmente no 4º trimestre, devido ao aumento do consumo como mostrado no gráfico. Entretanto, existe outra peculiaridade sazonal que influencia esse setor da economia.


Jabuticabas brasileiras

Sim, estamos falando do 13º salário. Normalmente efetuado no fim do ano — e aqui que vemos a relação com o natal. Em um primeiro momento, isso pode parecer ruim e penoso para a produtividade do país. No entanto a adequação a cultura do salário “bônus” fez com que as pessoas e as empresas esperassem por essa injeção de recursos que deverá movimentar suas finanças.


A disposição das famílias a promover as despesas discricionárias em conjunto com a oxigenação promovida pelo 13º fez com que em 2017, segundo projeções da Serasa Experian ( marca brasileira de análises e informações para decisões de crédito e apoio a negócios), o natal correspondesse por 30% da receita anual de todo o comércio. Este resultado é maior do que a arrecadação das quatro principais datas comemorativas juntas — os dias das Mães, dos Pais, dos Namorados e das Crianças. Nesse contexto, estão inseridas as empresas que necessitam adaptar a maior parte do seu planejamento estratégico e operacional em função do Natal em um cenário de crise. Dessa forma, mesmo que o volume de vendas dessa época diminua em relação a anos anteriores, a margem de lucro da empresa se mantém devido à estratégia adotada. Um caso a se destacar é a Magazine Luiza.


MGLU

Durante a recessão, o varejo de bens duráveis é o primeiro a sentir a retração do país. Para explicar esse fator, usarei o brasileiro como exemplo. Imagine que estamos em uma recessão e que antes você comprava eletrônicos — tendo em vista que esses são artigos de luxo. Por falta de poder de compra ou falta de dinheiro em si, você vai optar por não comprar esse bem durável e migrar seu consumo para pequenos artigos de luxo, como por exemplo chocolates. Portanto, essa transição foi extremamente prejudicial para a empresa de eletrônicos tendo em vista que o termômetro do mercado varejista é o consumo.


Nesse sentido, é possível perceber a importância que a oxigenação no consumo pode trazer para as finanças das empresa. Essa afirmação pode ser comprovada através do gráfico que a própria MGLU — fazendo uma referência à abertura de capital (IPO) — disponibiliza no site do RI.


Fonte: Site RI da MAGLU.


De fato é possível destacar a importância do 4º trimestre tanto em 2016 quanto em 2017 para a receita da empresa. Soma-se a isso um crescimento das vendas nas mesmas lojas físicas de 6,8% e 20,1% para o mesmo período — aumentos consistentes dado o cenário benigno de recessão. Mas nem sempre foi assim. A Magazine Luiza, precisou de uma transformação para conseguir um grande volume de vendas nessas datas festivas e assim como o Brasil — e aqui que justifico sua escolha para o texto - possui peculiaridades.


Um exemplo de reestruturação

Com o grande crescimento da sua dívida em 2015, a empresa passou por uma grande reestruturação mudando o seu core business, isto é, a alma do negócio, incorporando o grande conceito que para o varejo mundial poderia ser uma grande revolução: omni-channel. Idealizando-se como um marketplace, a empresa deu um salto competitivo que no primeiro semestre de 2018 rendeu elogios do Credit Suisse, classificando-a como uma das 7 empresas no mundo capaz de resistir a um apocalipse global do varejo. E os frutos não pararam por aí.


Após integrar de forma completa seus canais, a empresa não ficou mais sujeita a perdas de receitas que acontecem devido a sazonalidade das demandas, principalmente quando se trata do natal. Atualmente, a empresa atua em diversos canais que se complementam, fazendo com que seus esforços sejam divididos tanto no decorrer do ano, como também nas épocas festivas.


Não só atualmente, mas pro futuro, tanto a Magazine Luiza quanto o Brasil têm boas projeções. Para a gigante do varejo, estima-se que o ticket médio esteja em torno de R$ 116,00 e que 20% dos 110 milhões de brasileiros que irão a compra estão indecisos, isto significa que, em um cenário ideal a empresa ainda pode angariar 22 milhões de novos consumos para a sua plataforma. Para o Brasil, esse avalanche de compras injetará R$53,5 bilhões na economia, gerando 30% a mais de contratações temporárias nesse ano com igual período em 2017.


Nessa perspectiva, são diversos os fatores que comprovam a importância do natal para a economia. Seja ela relacionada aos países ou às empresas. Eles vão desde a própria concepção da data e toda a história envolta do movimento de mudança cultural até os dias atuais, tendo a plena noção de que as práticas são atemporais, isto é, todas as ações realizadas por causa da dependência sazonal da data, nada mais são do que uma cópia do que já aconteceu.


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