É difícil contestar que governos e políticas têm um impacto profundo no mercado financeiro. No entanto, estabelecer uma relação direta entre os ciclos de atividade política e as suas consequências nesse setor da economia não é uma tarefa simples. Às vésperas das eleições, o ambiente de alta volatilidade econômica tende a prevalecer, principalmente em tempos nos quais os candidatos favoritos apresentam planos de governo tão polarizados. Qual é, então, o impacto que as pessoas em cargos altos de poder político exercem nas engrenagens de mercado e, mais especificamente, como isso deve influenciar o cenário econômico com as eleições de 2018?
Antes que possamos analisar as eleições brasileiras, vejamos um caso recente, de repercussão internacional, que pode revelar aspectos importantes para a compreensão do peso das eleições no mercado financeiro. Em 2016, foi feito um referendo por cidadãos do Reino Unido, cujo resultado foi uma vitória para os que eram a favor do Brexit, saída unilateral dessas nações da União Europeia. Como você deve se lembrar, no dia 24 de junho, com a notícia de que o resultado do referendo havia sido favorável à saída, bolsas do mundo inteiro desabaram, com algumas fechando com queda de até 12%. As consequências desse evento nos mercados mundiais foram tão grandes, que as semanas seguintes foram marcadas por discussões sobre a saúde da União Europeia como um todo e, inclusive, sobre uma possível anulação do referendo. Veja:
Queda das bolsas após o Brexit - G1
A partir do contexto do Brexit e da reação que provocou no mundo, podemos entender dois pontos que revelam o comportamento do mercado financeiro em tempos de incerteza política:
O primeiro é a especulação dos capitais em bolsas do mundo inteiro quando há um acontecimento político de grande impacto. Uma mudança geopolítica dessa magnitude pode significar uma nova perspectiva a longo prazo para um país ou região. Em 2017, por exemplo, a eleição do centrista francês Emannuel Macron, representou uma vitória para o mercado, que temia a eleição de candidatos de extrema esquerda e direita. Já no caso do Brexit, os riscos atrelados a essa decisão tornaram as movimentações financeiras extremamente incertas. A escolha favorável a esse referendo implicaria na anulação de tratados comerciais em vigor há décadas, que desde então regiam a circulação de mercadorias e pessoas, bem como grande parte da atividade empresarial britânica. Esse resultado inesperado e a resposta imediata do mercado fez com que, já no dia seguinte, muitos tentassem traçar novas perspectivas para o futuro do Reino Unido. A verdade é que nenhum analista poderia dizer, com precisão, como seria o desenrolar desses acontecimentos nos anos que seguiriam. Por esse e outros motivos, milhares de players (investidores, bancos, corporações) se sentiram inseguros com o novo cenário econômico e político — afinal, a operação de milhares de empresas é baseada nessas legislações — o que ocasionou num grande volume de venda de ações, provocando a queda das bolsas.
O segundo ponto mostra como o Brexit é um ótimo exemplo para entender a forma como mudanças políticas impactam o mercado. A evolução desse evento revela que apesar das bruscas reações e do pânico inicial, o Reino Unido não colapsou — pelo contrário, veja o gráfico abaixo — e Londres vai continuar sendo um dos mais importantes polos financeiros do mundo. Isso pode não ser uma surpresa, afinal, as instituições estabelecidas ao longo de séculos não devem ser descartadas da noite para o dia e, como foi visto, conforme tudo se acalmou, novas projeções de cenários econômicos foram traçadas nas quais o Brexit não era, de fato, um desastre, e a conjuntura econômica britânica retornou ao patamar anterior. A chave aqui é entender que a volatilidade e o “medo” dos investidores não estão, necessariamente, relacionados ao que está realmente acontecendo, mas sim com o risco e a incerteza de o que vem pela frente.
Bolsa de Londres (Brexit até hoje)
A natureza dos investimentos - risco
Para entender esse comportamento dos investidores, deve-se compreender um conceito básico: todo investimento é uma especulação. Quando um fazendeiro compra suas máquinas de colheita, está especulando que terá uma grande safra. Quando você faz uma viagem ao interior, está esperando ter uma semana de descanso da vida usual. Até mesmo em investimentos mais seguros, como quando você se muda para um apartamento um pouco maior, porque pode estar planejando adicionar um membro à sua família. Para cada um desses exemplos existem também riscos associados: a plantação do fazendeiro pode sofrer com uma praga, a sua viagem para o interior pode coincidir com os planos de um grupo de jovens que irão se hospedar no mesmo lugar que você, ou pior, você pode ter trigêmeos e descobrir que aquela casa não é grande suficiente.
Investimentos financeiros, nesse caso internacionais, também têm riscos associados, já que não apenas deve-se acompanhar o desempenho do investimento em si, mas também a conjuntura econômica do país em questão. Quando um investidor americano reserva seu capital para investir, digamos, numa empresa argentina, ele espera que essa empresa gere ganhos no futuro. Para isso, ele deve avaliar, em geral, o risco da empresa não atender às suas expectativas, seja pela sua estagnação, ou simplesmente falência. E quanto maior for o risco, ou a incerteza entorno desse investimento, mais sensíveis estarão esses negócios a flutuações de mercado, já que eles serão os primeiros a serem vendidos em uma eventual crise ou retração. Se esse investidor tivesse realmente aplicado seu dinheiro nessa empresa argentina, as chances de ele estar frustrado com a sua decisão hoje provavelmente seriam altas, dado que a economia do país se encontra hoje em um de seus piores estados.
Mas, então, como esse fator risco se materializa no Brasil, e como isso deve afetar o cenário financeiro nos anos pós-eleição?
O Risco-Brasil
O Brasil, assim como a Argentina, é um país que tem uma longa história de planos políticos populistas, marcados pelo pensamento a curto prazo, e, em geral, voltados para a perpetuação nos cargos públicos, o que gera um impacto direto na economia. Tantas vezes isso já culminou nos famosos vôos de galinha, expressão usada para quando há (I) um breve e artificial crescimento por dada política econômica — incentivos fiscais, crédito subsidiado, protecionismo — e que se revela impossível de ser gerida, é seguido por (II) um longo período de ajuste fiscal e desaceleração. Geralmente, quando tudo isso acaba, já está no início de um novo ciclo e um novo plano econômico é lançado, o sucessor não dá continuidade à política anterior (II) e retorna àquelas práticas insustentáveis (I) .
Existe ainda mais um aspecto que acentua a insegurança de se fazer negócios no Brasil: a imagem externa que o país mantém no quadro econômico global. Isso pode se passar muitas vezes como um fator secundário, mas de fato carrega um grande peso na decisão de investidores. Os não tão recentes escândalos de corrupção, fraude e a incapacidade de realizar reformas fiscais prejudicam as relações exteriores que o Brasil busca manter com seus principais parceiros comerciais, e isso contribui para a fragilidade da reputação do país às vistas de investidores internacionais.
Em decorrência desses fatores, as agências de classificação de risco (S&P, Fitch e Moody’s), amplamente consultadas por investidores que buscam entrar em mercados exteriores, rebaixaram a nota do Brasil no início deste ano (2018). Além de representar um fator limitante para o futuro de investimentos internacionais, uma linha de risco mais alta implica a entrada de investidores que visam ao retorno a curto prazo, buscando lucrar com a volatilidade da bolsa, mas seus investimentos de fato não geram crescimento econômico real.
Do ponto de vista de um investidor, a incerteza sobre qual será a próxima política econômica, ou a próxima “ideia salvadora” para a economia brasileira, somada à ausência de um ambiente realmente propício e seguro para a geração de riqueza, com leis que virtualmente impedem o enriquecimento, é o que forma o risco-Brasil.
Mas o que esse alto grau de incerteza em 2018 significa na prática para o país no cenário financeiro? Bem, isso basicamente significa que o mercado de ações e cambial brasileiro tende a ser mais sensível em comparação a outros.
Como chegamos até aqui?
Para entender a conjuntura de especulação atual, basta voltar um pouco e olhar para as eleições de 2002. Muito se parecia com a situação de hoje, com uma população polarizada e um candidato forte propondo mudanças na ordem econômica do país. Às vésperas das eleições, com tudo indicando que Lula venceria e botaria adiante um grande plano de estatização e de redistribuição de riqueza, isso representava um grande risco para os investidores internacionais, que certamente não queriam ter seu dinheiro ameaçado, como já havia acontecido em diferentes momentos na América Latina. Tudo isso gerou um grande clima de incerteza, e os efeitos foram sentidos:
Evolução do Dólar - 2002
Queda do Ibovespa - 2002
Para se protegerem da inflação e da desvalorização cambial esperada, muitos compraram dólares, o que aumentou de imediato o seu preço. A queda da bolsa foi sentida, já que as perspectivas futuras para o mercado de ações eram extremamente negativas, e ninguém queria ser o último a vender suas ações. Veja agora mais esses dois gráficos:
Evolução do dólar - 2018
Queda do Ibovespa - 2018
Notou alguma coisa? Pois os efeitos de 2002 são os mesmos que estão sendo sentidos nesse período pré-eleição. Acontece que, assim como o Brexit, o cenário apocalíptico que o mercado temia antes da eleição de Lula em última análise se provou falso, a política econômica implantada não foi a radical que se prometera, o mercado lentamente retornou ao normal, e os analistas que perceberam que o medo do mercado em relação à presidência era desproporcional ao seu impacto, conseguiram lucrar nessa recuperação.
Será que estamos caminhando nesse sentido?
Bem, o quadro fiscal piorou desde 2002: ao contrário de 16 anos atrás, hoje temos rombos históricos nos balanços públicos, com déficits orçamentários que têm pouca perspectiva de diminuição. Além disso, a movimentação do mercado no sentido de compra de dólares — alguns apostam que o valor dessa moeda chegue em até R$4,25 nas semanas que antecedem a eleição — indica um cenário altamente arriscado, com a percepção de investidores que o segundo turno não terá candidatos dispostos a propor grandes reformas fiscais.
A chance da reação positiva do mercado financeiro vai depender tanto das intenções do próximo presidente de realizar as reformas estruturais e fiscais julgadas necessárias pelo mercado, quanto da capacidade política de execução desse plano.
Em geral, esse quadro costuma se definir já nos primeiros meses de mandato, visto que, já no início que o novo presidente deve montar a sua equipe e começar a botar em prática o plano de ação do governo.
Resta saber se os candidatos que temos irão se enquadrar nesse perfil esperado. É difícil prever, mas tudo indica que quanto maior for a confiança do mercado de que o novo presidente irá conseguir aprovar as devidas reformas, bem como facilitar a atividade empresarial, mais positiva deve ser a resposta dos investidores. Se por um lado o mercado reage, por via de regra, negativamente a candidatos considerados “de esquerda”, por outro as expectativas dos investidores para um candidato “de direita” que se posicione de forma nacionalista, desfavorável à sua atividade, ainda são de um certo receio.
Por fim, é importante lembrar que a relação entre o mercado de ações e os ciclos eleitorais é geralmente vista como incerta e difícil de ser mensurada. Não é sensato, é claro, ignorar os efeitos que os diferentes cenários políticos provocam nos países — e nas empresas que estão muito ligadas à atividade estatal — mas o impacto financeiro imediato na mudança de um ciclo político raramente irá refletir o desempenho real das empresas desse país nos próximos anos. Pelo contrário, as pessoas que conseguem ter ganhos consistentes a longo prazo e ser bem sucedidas no mercado de ações, seguem os fundamentos básicos de investimento, como entendimento de riscos, value investing, diversificação e timing do mercado.
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