Introdução
Cultura do Cancelamento. Fake news1. Novas diretrizes. Esses foram os principais pilares para que o Twitter, uma plataforma já estabelecida no ecossistema de redes sociais há mais de 10 anos, tivesse a sua base de usuários fortemente afetada pelo surgimento do mais novo aplicativo desenvolvido por Mark Zuckerberg2, o Threads. Apesar do software criado pela Meta3 não ser o primeiro a adotar uma proposta semelhante ao do Twitter, a nova plataforma foi a concorrente mais impactante em termos competitivos, acumulando mais de 100 milhões de usuários nos seus primeiros dias de lançamento. Nesse sentido, a seguinte dúvida se estabelece: como o Threads conseguiu tantos números diante de um mercado completamente dominado pela empresa de Elon Musk4?
O (in)sucesso do Twitter
Lançado em 15 de julho de 2006 pelos desenvolvedores Jack Dorsey, Evan Williams, Biz Stone e Noah Glass, o Twitter tinha como principal objetivo ser uma plataforma voltada para a publicação de mensagens curtas, que permitisse aos usuários o compartilhamento de seus pensamentos, atualizações e notícias. A princípio, essa era uma ideia simples, mas com um aspecto ambicioso e inovador, já que foi uma das primeiras plataformas a aplicar o conceito microblogging5, além de conectar pessoas de diversos lugares do mundo de forma quase instantânea.
Devido à euforia estabelecida pelo desenvolvimento constante da internet e, acima de tudo, pelos lançamentos dos primeiros celulares sensíveis ao toque durante os anos 2000, o Twitter foi um sucesso imediato. A sensação de estar sempre conectado através de apenas alguns cliques fomentava cada vez mais o uso da plataforma, corroborando, assim, para o desenvolvimento de uma nova forma de comunicação entre as pessoas. Dessa forma, a rede social do passarinho azul foi, de fato, uma ferramenta revolucionária no âmbito das relações interpessoais e do compartilhamento de informações.
Apesar da evolução no número de usuários, os desenvolvedores ainda compartilhavam certa frustração em relação à rentabilidade. Isso acontecia porque o diretor geral da empresa na época, Evan Williams, insistia em fazer apenas tweets promovidos6 ao invés de aceitar propostas de publicidades tradicionais, como anúncios em vídeo, que as marcas desejavam fazer dentro do aplicativo.
Nesses casos, uma possível solução para aumentar a receita seria implementar uma nova filosofia dentro da companhia e isso, por sua vez, poderia ser conquistado a partir de uma nova direção. Partindo desse pressuposto, os fundadores da marca começaram a contratar um número expressivo de diretores em um curto espaço de tempo, isso porque, como queriam algo imediato, não havia hesitação em mudar a estratégia da companhia. Portanto, devido a essa troca excessiva de direção, o Twitter começou a apresentar uma identidade pouco consistente, estabelecendo uma instabilidade de curto e longo prazo.
A rentabilidade de uma firma é, sem dúvidas, algo muito importante para o seu próprio funcionamento, porém é necessário priorizar, também, a sua essência. Por não ter planos estratégicos bem definidos para reter o público-alvo e o bem-estar da rede social, o Twitter falhou em filtrar e banir comentários de cunho ofensivo e/ou falacioso, o que favoreceu a criação gradual de um ambiente hostil na internet. Com isso, a banalização da agressividade dentro da rede fez com que grande parte dos indivíduos a considerasse tóxica e desproporcional em comparação com a realidade. Aos poucos, a imagem pública da marca foi sendo associada a um retrocesso comunicativo, já que permitia que as fake news fossem amplamente divulgadas e que tweets casuais virassem um grande desentendimento desnecessário entre os usuários.
Então, apesar do Twitter ter adquirido um grande sucesso como uma plataforma inovadora, até hoje a rede social apresenta um insucesso na construção de um ambiente saudável para os indivíduos. Além disso, aos olhos do público, a situação se intensificou ainda mais após uma grande figura dos negócios ter comprado a marca: o bilionário Elon Musk.
A Era Elon Musk
“O Twitter poderia morrer”. Em uma reunião de equipe, Elon Musk, ao justificar a aquisição da rede social, que foi feita no dia 27 de outubro de 2022, transmitiu essa mensagem, despertando certa curiosidade nas pessoas sobre como o empresário iria gerir a companhia, tendo em vista seu perfil de empreendedor imprevisível. O dono da Tesla7 assumiu esse posicionamento sobre o futuro do aplicativo, pois, por ser um usuário extremamente ativo, ele havia ficado descontente com a forma pela qual a liberdade de expressão estava sendo exercida na plataforma. Então, a partir dessa premissa, o bilionário imergiu na missão de “ajudar a humanidade”, ao tornar o Twitter um ambiente propício e correto com o intuito de discutir assuntos essenciais para o futuro da população mundial.
Entretanto, o mais novo CEO anunciou propostas que, para o público geral, não correspondem com o que havia sido prometido para o futuro da rede social, sendo elas:
1. Enfraquecimento da moderação em nome de uma “maior liberdade de expressão”
Umas das principais propostas do empreendedor era tornar o Twitter um lugar mais livre para que os usuários compartilhassem suas opiniões e crenças, mas tal pronunciamento não falava sobre punir contas que se aproveitassem da situação para destilar comentários de ódio na plataforma. Isso porque há uma linha tênue entre liberdade de expressão e discurso de ódio. Dessa forma, quando o empresário não deixou clara a diferença entre esses dois conceitos, alguns usuários se avaliaram no direito de atacar diferentes grupos étnicos, como a população negra.
Mesmo após essa grande movimentação na rede social, Elon Musk apenas compartilhou um tweet afirmando que as contas que publicaram esse tipo de comentário eram, em sua maioria, “inautênticas”, eximindo-se de sua responsabilidade de coibir práticas de cunho criminoso na comunidade.
2. Demissão em massa
Assim que assumiu a liderança da companhia, o bilionário teve que lidar com o fato de que a firma estava operando em prejuízo, com uma perda diária de, aproximadamente, US$ 3 milhões, considerando todos os gastos e receitas. Pelas estimativas, o Twitter, caso não fizesse um corte de gastos, só teria mais quatro meses de operação antes de enfrentar uma possível falência. A fim de diminuir esse déficit no curto prazo, foi decidido que uma demissão em massa aconteceria. De acordo com o portal estadunidense The Verge, a marca, que contava com 7.500 empregados, passou a ter apenas 2.000 colaboradores, ou seja, 73% foi exonerada. A grande problemática disso é que uma quantidade expressiva da mão de obra especializada também foi demitida, o que instaurou grandes incertezas acerca de como a rede social seria mantida na ausência desses profissionais.
Além da decisão comprometer a manutenção da plataforma, a marca teve que lidar com a perda de diversos anunciantes, como General Motors e Volkswagen devido à carência de funcionários responsáveis pelas áreas de monitoramento de publicações com discurso de ódio e desinformação. Isso se mostrou evidente, haja vista que, a fim de evitar danos à imagem, os patrocinadores não querem ter, de maneira geral, suas publicidades próximas às postagens polêmicas. Então, apesar da empresa do pássaro azul ter economizado no curto prazo, a estratégia acabou não sendo muito positiva.
3. Comercialização do selo de verificação
O selo de verificação tinha o papel fundamental de confirmar a autenticidade e a identidade de uma conta de interesse público. Entretanto, com as novas diretrizes do Twitter, a função do selo foi ressignificada: apenas os assinantes do Twitter Blue podem obter a função de verificado. Tal recurso consiste em uma assinatura paga mensalmente que oferece verificação azul às contas assinantes e acesso antecipado para selecionar novos recursos, como, por exemplo, o carregamento de vídeos mais longos. Essa decisão gerou uma grande confusão na rede social, já que diversos usuários conseguiram se passar por famosos ou influenciadores, provocando consequências negativas para a imagem das reais figuras públicas, sejam elas pessoas físicas ou jurídicas.
4. Limitação de leitura de tweets
Com o discurso de que seria necessário "lidar com níveis extremos de extração de dados e manipulação do sistema", Elon Musk decidiu limitar, temporariamente, a quantidade de tweets lidos pelos usuários. O empresário havia anunciado que as contas verificadas poderiam ler até 10.000 posts por dia, enquanto as contas não verificadas poderiam ler 1.000 posts por dia e as contas novas não verificadas, apenas 300 posts por dia. Apesar de ser uma medida provisória, os usuários acabaram ficando bastante descontentes, já que limitava ainda mais as funções da rede social.
Devido a esses quatro fatores, o Twitter foi perdendo gradativamente o seu propósito, o que fez com que os usuários usassem cada vez menos a plataforma. A premissa “O Twitter poderia morrer”, que havia motivado Elon Musk a tomar as rédeas da firma, acabou ganhando uma nova interpretação: o Twitter teria que morrer para alguns para conseguir viver para outros. Com isso, fica evidente que sua fala sobre ajudar a humanidade não está acima da sua busca pelo lucro.
Threads: uma tentativa de concorrente para o Twitter
Lançado em outubro de 2019, o Threads surgiu como uma rede social com o mesmo propósito do Twitter, sendo tratado como um complemento para o Instagram. Contudo, a extensão não obteve sucesso, sendo descontinuada em 2021. Isso aconteceu principalmente porque o Twitter, apesar de nunca ter tido uma administração satisfatória, sempre preservou uma grande base de usuários. Nesse sentido, para que o Threads fosse capaz de desbancá-lo, seria preciso apresentar uma proposta mais atraente para, justamente, tirar a atenção da plataforma concorrente, o que não aconteceu na época. No entanto, com o recente enfraquecimento do Twitter, Mark Zuckerberg enxergou uma grande oportunidade para finalmente conseguir emplacar o seu projeto descartado. Foi dessa maneira que, no dia 5 de julho de 2023, o Threads foi relançado.
A nova rede social apresenta um mecanismo bastante similar ao do Twitter, sem muitas novidades de navegação. Porém, diferente do primeiro lançamento, a plataforma desenvolvida pela Meta conseguiu levantar grandes preocupações para o seu principal concorrente: o Threads foi denominado como o maior lançamento na história dos aplicativos de tecnologia, pois conseguiu atingir a marca de mais de 100 milhões de usuários em menos de 5 dias. A explicação para essa reviravolta ter acontecido é que, além de ser um enorme lançamento promovido pelo maior conglomerado de redes sociais da atualidade, as pessoas viram a oportunidade de se comunicarem novamente entre si sem muitas restrições e em um ambiente mais saudável, já que apresenta uma equipe de moderação maior.
Entretanto, o entusiasmo em torno do Threads diminuiu de maneira expressiva. De acordo com o portal de notícias Mint, a nova rede social tinha, aproximadamente, 49 milhões de usuários ativos diariamente no começo de julho, porém, em menos de duas semanas desde seu lançamento, esse número caiu pela metade. Essa segunda reviravolta no portfólio da plataforma aconteceu por três principais motivos:
1. Ausência do anonimato
Um dos pontos que mais chamou atenção no lançamento do Threads foi a sincronização automática da conta de um usuário com o seu Instagram, dispensando a necessidade de criar uma nova conta. Em uma primeira análise, esse aspecto é visto como algo positivo, já que consegue apresentar certa praticidade. Contudo, o Twitter permite que os usuários operem anonimamente, uma característica que não é possível no Threads devido a essa integração direta com o Instagram. O Twitter afirma que uma parte significativa de sua base de usuários permanece anônima, e o Threads claramente não atende a esse segmento de usuários.
2. Notícias em tempo real não sendo um foco
Segundo o CEO do Instagram, Adam Mosseri, o Threads não priorizaria conteúdo de notícias. Em poucas palavras, isso significa que os usuários estão limitados a interagir com pessoas dentro de sua rede de contatos existente, e eles precisariam começar a seguir todas as outras pessoas a partir do zero. Em contrapartida, o Twitter construiu sua reputação em torno de notícias de última hora, tornando-se a plataforma principal para milhões de pessoas se manterem informadas durante eventos, tanto de cunho político quanto de entretenimento, o que se mostra uma grande vantagem frente à plataforma da Meta.
3. Nada de novo
Apesar de ser uma novidade no ecossistema das redes sociais, o Threads não apresenta nenhuma novidade consistente frente ao seu principal concorrente. Tal fato acaba sempre deixando-o em desvantagem, pois ele necessita que usuários do Twitter migrem para a sua base de usuários.
Portanto, apesar do Twitter apresentar diversos pontos negativos, o Threads não apresenta características suficientemente atrativas para manter um número de usuários satisfatório no longo prazo, não sendo capaz de desbancar o seu maior concorrente.
Twitter ou Threads: concorrentes até quando?
Apesar de seu incontestável sucesso imediato, o Threads possui um caminho repleto de incertezas para conquistar a sua consolidação no mercado. Enquanto isso, o Twitter ainda detém uma influência notória na vida das pessoas, afinal faz parte do cotidiano da população há mais de 10 anos. Dessa forma, a rede social de Zuckerberg precisa lidar com dificuldades que nem o próprio Twitter conseguiu resolver: a amenização da cultura do cancelamento, a diminuição de conversas hostis entre usuários, a definição de formas consistentes de lucrar com propagandas dentro da plataforma para evitar operar no prejuízo, além de ter que criar uma imagem original, e não apenas o status de “um Twitter alternativo”. Sabendo desses obstáculos, será que a mudança de plataforma é a solução para a melhora da comunicação virtual?
Glossário
1. Fake News: também conhecidas como notícias falsas, são informações enganosas, imprecisas ou completamente inventadas, apresentadas como notícias legítimas.
2. Mark Zuckerberg: é um empresário e programador norte-americano, nascido em 14 de maio de 1984. É conhecido principalmente por ser o cofundador e CEO do Facebook, a maior rede social do mundo.
3. Meta: Meta Platforms, Inc. é um conglomerado estadunidense de tecnologia e mídia social fundado por Mark Zuckerberg. A Meta controla, atualmente, o Facebook, o Messenger, o WhatsApp, o Instagram e o Threads.
4. Elon Musk: é um empresário e visionário sul-africano-americano nascido em 28 de junho de 1971. Ele é conhecido por ser o CEO e fundador de várias empresas inovadoras e influentes no campo da tecnologia.
5. Microblogging: é uma forma de comunicação online que permite aos usuários compartilhar mensagens curtas, geralmente com um limite de caracteres pré-definido, em plataformas de mídia social. Essas mensagens são chamadas de "microblogs" e são usadas para transmitir informações de forma rápida e concisa.
6. Tweets promovidos: forma de publicidade dentro do próprio Twitter, no qual o usuário, ao elaborar um tweet, que é o nome dado a uma mensagem curta publicada na plataforma, tem a opção de impulsioná-lo mediante a um valor pré-estabelecido pela plataforma. É uma maneira que as empresas consideram interessante de alcançar um público mais amplo.
7. Tesla: é uma empresa estadunidense de tecnologia automotiva e energia, fundada em 2003 por Martin Eberhard e Marc Tarpenning, com Elon Musk, JB Straubel e Ian Wright se juntando posteriormente como co-fundadores e investidores. Elon Musk tornou-se uma figura central na empresa e desempenhou um papel fundamental em sua trajetória de sucesso.
Referências Bibliográficas
A ESTRATÉGIA DO THREADS, DE MARK ZUCKERBERG, PARA ROUBAR ESPAÇO DO TWITTER, DE ELON MUSK. BBC News Brasil. Youtube. 7 jul. de 2023. 6min09s. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=l64Y01ABlbg>. Acesso em: 16 jul. de 2023.
CONTEÚDO, E. Elon Musk faz demissão em massa no Twitter, inclusive no Brasil. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/carreira/elon-musk-faz-demissao-em-massa-no-twitter-inclusive-no-brasil/>. Acesso em: 17 jul. 2023.
CHOTINER, Isaac. Why Elon Musk Bought Twitter. Disponível em: <https://www.newyorker.com/news/q-and-a/why-elon-musk-bought-twitter>. Acesso em: 17 jul. 2023.
DEAN, Brian. How Many People Use Twitter in 2023? [New Twitter Stats]. Disponível em: <https://backlinko.com/twitter-users>. Acesso em: 21 jul. de 2023.
EXAME. Threads ultrapassa ChatGPT e se torna lançamento de maior sucesso na história dos apps. Disponível em: <https://exame.com/tecnologia/threads-ultrapassa-chatgpt-e-se-torna-lancamento-de-maior-sucesso-na-historia-dos-apps/>. Acesso em: 17 jul. 2023.
IQBAL, Mansoor. Twitter Revenue and Usage Statistics (2023). Disponível em: <https://www.businessofapps.com/data/twitter-statistics/>. Acesso em: 17 jul. 2023.
LIVEMINT. Meta's Twitter rival 'Threads' loses half its daily users in just 10 days. Disponível em: <https://www.livemint.com/technology/tech-news/metas-twitter-rival-threads-loses-half-its-daily-users-in-just-10-days-11689676549968.html>. Acesso em: 23 jul. 2023.
O LADO OBSCURO DO TWITTER…Elementar. Youtube. 7 fev. de 2023. 18min32s. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=PsGNciulblE&pp=ygUUY3JpYcOnw6NvIGRvIHR3aXR0ZXI%3D> Acesso em: 17 jul. de 2023.
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THREADS VAI ENTERRAR O TWITTER? | DE TÉDIO A GENTE NÃO MORRE. Meio. Youtube. 6 jul. de 2023. 14min11s. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=sJyYRImgIn8> Acesso em: 16 jul. de 2023.
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