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Oscar: a ascensão e queda da premiação cinematográfica



Mundialmente conhecido, o Oscar é visto como um sinônimo de qualidade e de referência na sétima arte¹. O simples fato de ser indicado a uma edição do evento pode elevar o patamar da carreira de um ator ou, até mesmo, alavancar a bilheteria de um filme. Nesse sentido, um caso recente que é possível destacar é o do filme “Parasita” (2019) que, até antes de sua indicação e vitória no Oscar de 2020, era pouco conhecido. No entanto, imediatamente após a sua conquista, o longa-metragem² viu a sua venda de ingressos nos Estados Unidos subir 234% na primeira semana e ainda mais nas semanas seguintes, chegando a um máximo de 443% e finalizando seu período em cartaz com mais de 263 milhões de dólares no mundo.



Contudo, ao longo dos últimos 20 anos, a Academia³ cinematográfica viu sua relevância e audiência despencarem. Mas, afinal, o que fez a premiação adquirir tamanha importância e, sobretudo, o que atualmente vem fazendo esse status se perder?


ORIGEM DA PREMIAÇÃO


Inicialmente, com a crescente popularização do cinema norte-americano na década de 20 do século passado, Louis B. Mayer, um dos fundadores e, até então, presidente do estúdio Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), teve a ideia de prestigiar os melhores longas-metragens³ da época. A partir de então, o interesse no reconhecimento dos filmes evoluiu cada vez mais, até que, em 1929, 36 profissionais de distintas áreas da indústria cinematográfica se juntaram e organizaram a primeira edição do evento para cerca de 270 convidados no hotel “The Hollywood Roosevelt”.


Nesse período, o prêmio tampouco era reconhecido como Oscar. Na verdade, até hoje esse não é o título oficial da estatueta, cujo nome é Academy Award of Merit, ou, em português, Prêmio da Academia ao Mérito, assim chamado por ser organizado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPA), instituição profissional voltada para a área. Quanto ao apelido, há diversas versões para a sua existência, mas a mais famosa é a de que, certa vez, uma bibliotecária da Academia viu o troféu e disse que a lembrava de seu tio Oscar, nomeando assim a estatueta.


A ASCENSÃO DO PRÊMIO DA ACADEMIA


Após o primeiro ano, o Oscar tornou-se anual, crescendo gradativamente a cada edição. Um dos grandes destaques da Academia foi o fato de ela ter sido uma das pioneiras no setor, sendo, atualmente, a premiação cinematográfica ativa mais duradoura, evidenciando o crescimento da premiação em conjunto à popularização do cinema. Assim, aos poucos, o cinema foi se tornando uma carreira cada vez mais ampla, com a atuação de profissionais em diferentes áreas para a confecção de uma produção cinematográfica. Acompanhando essa tendência, o evento passou a inaugurar mais premiações relacionadas às diversas funções desempenhadas, contemplando, também, diferentes tipos de conteúdo, como documentários, animações e curta-metragens. Com isso, o número de categorias dobrou nos primeiros vinte anos. Além disso, a premiação a cada ano aumentava seu número de votantes, de indicados e de convidados.



Posteriormente, com o início e a popularização das transmissões ao vivo na televisão, além da crescente acessibilidade tecnológica, o evento pôde ser televisionado, adquirindo um novo alcance. Em paralelo ao crescimento da audiência da Academia, aumentava-se também o interesse dos anunciantes na premiação. Com isso, impulsionava-se o valor vendido por anúncios, elevando a receita em cerca de 408% entre os anos de 1983 e 1999.



Contudo, após um período marcado por uma vasta extensão, com a virada do milênio, o cenário começou a mudar. Isso porque, a premiação passou a sofrer duras críticas em aspectos como diversidade e parcialidade, o que se traduziu em uma audiência despencando ao longo dos próximos anos, e, com isso, uma redução de receita de 12,3% entre 2015 e 2021. Em 2021, o prêmio atingiu seu mínimo: uma audiência total de 9.8 milhões de espectadores, representando uma queda de 78,83% no século, algo que pôs em cheque toda a sua relevância e credibilidade.




GLAMOUR HOLLYWOODIANO PASSA POR POLÊMICAS


Com a chegada do novo século e a difusão da internet, as tendências e as dinâmicas socioculturais passaram por alterações, abrindo-se um diálogo muito maior para aspectos de diversidade. Dessa maneira, passaram a ser apontadas diversas problemáticas da premiação em relação à falta de diversidade. Foi nessa discussão que, em 2015, surgiu a corrente “Oscars so white”, relatando a baixa frequência de indicações de profissionais não brancos, evidenciado pela nomeação de apenas 22 atores negros na sua história. No mesmo ano, a premiação passou por polêmicas quanto à equidade de gêneros, tendo, até então, sido indicadas apenas 5 mulheres para a categoria de direção em todas as edições. Outra crítica sofrida pela Academia foi a baixa internacionalização do prêmio em uma sociedade globalizada.



Como resultado, esses debates se fortaleceram muito na internet e fizeram com que diversas pessoas, insatisfeitas com a premiação, a boicotassem. Assim, embora a Academia venha tentando reverter essa situação, o descontentamento e a impopularidade provenientes dessas polêmicas demonstraram impactos negativos, fazendo com que, tanto profissionais deixassem de ir no evento, quanto parte do público deixasse de assisti-lo. Com isso, evidenciou-se, entre os anos de 2014 e 2015, uma queda de 14,81%, passando de 43.74 para 37.26 milhões de telespectadores, sendo uma das maiores quedas já vistas pelo evento.


Paralelamente a esse quadro, há um público que se desinteressou pela cerimônia devido ao excesso de discursos e de campanhas políticas envolvendo participantes e indicados ao Oscar, algo que polarizou as opiniões de uma parte do público.


MUDANÇAS NA SÉTIMA ARTE


Se um dos motivos para o estabelecimento do Oscar como referência no meio audiovisual foi o crescimento em conjunto ao cinema, hoje em dia a Academia não tem se mostrado compatível com as tendências do setor. Isso porque, a premiação vem se tornando um evento que não conversa com os filmes mais populares e que arrecadam as maiores bilheterias, o que fomenta um desinteresse por parte do grande público, que desconhece a maior parte dos filmes indicados. Enquanto, até o início do século, os filmes que venciam a categoria principal estavam, em geral, entre os 20 mais populares do ano, desde 2010, 8 dos 13 longas sequer estavam entre os 50 do ano. Sendo assim, os filmes contemplados com a estatueta tinham uma arrecadação cada vez menor em relação aos principais filmes do ano, destacando-se, em 2010, o filme “Guerra ao Terror”, que foi o principal vencedor da cerimônia, apesar de ser apenas o 116º filme mais popular do ano, com uma receita de 17 milhões de dólares, enquanto, no mesmo ano, “Avatar” chegava aos 750 milhões.



Ademais, nos últimos anos, o setor de filmes e séries vem passando por outra grande mudança: o aparecimento e crescimento das plataformas de streaming.


Porém, o Oscar nem ao menos abriu a possibilidade de filmes produzidos pelas plataformas concorrerem, a não ser que fossem lançados no cinema, ressaltando o caráter conservador da premiação. Assim, ele dificultou a inclusão de filmes do streaming, sendo ainda acusado de imparcialidade quando filmes das plataformas passaram a concorrer, impedindo que fossem contemplados alguns dos maiores filmes dos últimos anos, como “Roma (2018)” ou “O Irlandês (2019)”. Tal fato, além de gerar descontentamento do público, desagradava as produtoras, que passavam a ser importantes players⁴ no setor. Essas, que aumentaram em 31% seus investimentos em conteúdo audiovisual, chegando a um total de 112 bilhões de dólares em 2021, representando uma substancial parcela do setor suprida por plataformas. Além disso, passaram a ser um alvo cada vez maior da preferência dos consumidores, tendo crescido em 140%, entre 2018 e 2020, o número de pessoas que prefere assistir a um lançamento cinematográfico por meio de um streaming ao invés do cinema convencional.



Dessa forma, foi somente após instaurada a pandemia que, com a dificuldade do lançamento de filmes no cinema, a premiação se viu na necessidade de se adaptar, condecorando pela primeira vez na categoria principal um lançamento de um streaming, o filme “Coda - no ritmo do coração (2021)” da Apple Tv Plus.


A DECADÊNCIA DE MÁ GESTÕES


As polêmicas envolvendo diversidade, streamings, assim como diversos outros fatores externos, embora prejudiciais à imagem da Academia, não foram a única causa das dificuldades recentes, que vem tomando uma série de decisões estratégicas questionáveis ao longo dos últimos anos.


Como casos recentes, pode-se citar a decisão estrutural de trocar a ordem das categorias em 2021, que tornou a de melhor ator como a final, desprestigiando o vencedor de melhor filme, prejudicando a popularidade do mesmo e também da cerimônia. Outro exemplo de má gestão pôde ser visto no ano seguinte, 2022, no qual, tendo o Oscar recebido críticas por sua extensa duração, optou-se por não transmitir 8 de suas categorias. Todavia, no final, a decisão foi, mais uma vez, mal vista pelo público, por retirar o prestígio dos indicados dessas categorias, que após todo o trabalho, não tiveram espaço na exibição do prêmio. No final, notou-se pouca influência na duração do evento, similar à dos outros anos.


O QUE ESPERAR DO FUTURO DA PREMIAÇÃO?


Na edição de 2022, a cerimônia teve uma pequena alta na audiência, chegando a 13.6 milhões de espectadores. Porém, além de ser a segunda audiência mais baixa da premiação, ela ainda teve uma influência muito grande vinda de um momento específico, quando o ator Will Smith deu um tapa no ator Chris Rock. Esse acontecimento gerou cerca de 25 vezes mais pesquisas na internet do que o próprio ganhador da premiação, o filme “Coda - no ritmo do coração (2021)”, sendo responsável por um aumento de 40% em relação ao público do ano anterior. Nesse cenário, em um intervalo de apenas 15 minutos entre o ocorrido, houve um aumento de cerca de 511 mil telespectadores, enquanto, no momento do discurso de Will Smith após vencer a sua estatueta, mais 614 mil telespectadores.


Além disso, apesar das más decisões, a Academia vem tentando tomar atitudes para combater a baixa audiência. Quanto à diversidade, destaca-se o aumento das indicações de atores não brancos, que, por exemplo, nos últimos dois anos somaram 9 atores e atrizes nomeados. Além disso, mais mulheres foram indicadas à categorias técnicas, havendo duas mulheres conquistando a categoria de direção nos últimos dois anos, enquanto até então só havia uma na história do prêmio. Por fim, é válido ressaltar o aumento de filmes internacionais indicados na categoria principal, destacando-se a vitória de “Parasita” em 2020.


Para os próximos anos, discute-se uma série de possíveis alterações e adições para aumentar o engajamento do público. Um exemplo de adaptação amplamente discutida internamente na Academia, é a criação de uma categoria de “Melhor filme popular”, que premiaria filmes com altas bilheterias para atrair uma maior audiência. Trata-se de uma opção vista como oportunidade de alcance de um novo público.

Portanto, será que o Oscar retomará o seu valor e glamour na indústria da sétima arte ou será que perderá ainda mais a sua relevância? Ambos tratam-se de cenários possíveis, norteados pelo recente desejo da Academia de mudar e melhorar a sua situação, passando a correr novos riscos. A questão é quais decisões serão tomadas e se elas conseguirão reverter a recente imagem criada ou contribuirão ainda mais negativamente.


Glossário:


1- Sétima Arte: O termo “sétima arte” é usado para designar o cinema. Surgiu de uma ideia de enumerar as artes, sendo uma forma simples de designar as diferentes manifestações artísticas.


2- Academia: A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPA), é uma organização profissional voltada para o ramo cinematográfico, sendo essa a responsável pelo Oscar. Por isso, comumente usa-se “Academia” para se referir à premiação.


3- Longas-metragens: Também conhecido como apenas “longa”, tratam-se de filmes com duração maior que 70 minutos. Analogamente, usa-se o termo “curtas-metragens” para filmes, em geral, de até 15 minutos e média-metragens para filmes entre 15 e 70 minutos.


4- Players: São empresas que atuam de forma relevante no mercado no qual estão inseridas. Ou seja, são negócios capazes de mudar a perspectiva do ramo de atuação e região em que decidiram investir



Referências:


Alol, Rafael. “Oscar foi entregue para negros apenas 44 vezes na história

“. Disponível em < https://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-151831/ >Acesso em: 27/04/2022.


LISTA DE AFRO-AMERICANOS INDICADOS AO OSCAR. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2022. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Lista_de_afro americanos_indicados_ao_Oscar&oldid=63280302>. Acesso em: 28/04/2022.


Clark, Travis. “Best-picture winner 'Parasite' dominated the Oscars and is also a box-office hit”. Disponível em < https://www.businessinsider.com/how-much-best-picture-winner-parasite-has-made-box-office-2020-2 > Acesso em: 27/04/2022.


Epstein, Adam. “Thanks to “Parasite,” we know what it takes for Americans to see an international film in theaters”. Disponível em < https://qz.com/1804271/the-us-box-office-success-of-parasite-provides-a-blueprint-for-foreign-language-films/ > Acesso em: 30/04/2022.


ACADEMY AWARDS. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2022. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Academy_Awards#Television_ratings_and_advertisement_prices. Acesso em: 29/04/2022.


Sousa, Jaqueline. “OSCAR: COMO SURGIU O PRÊMIO E POR QUE ELE É TÃO RELEVANTE PARA O CINEMA?”. Disponível em < https://www.legiaodosherois.com.br/2022/oscar-como-surgiu-relevante.html#title-item-1 > Acesso em: 27/04/2022.


Fernandes, Guilherme. “Qual a importância de um Oscar®?”. Disponível em < https://medium.com/@guilherme.sf/qual-a-import%C3%A2ncia-de-um-oscar-a85250c90482 > Acesso em: 27/04/200


Medeiros, Wilker. “O tapa de Will Smith gerou 25 VEZES mais buscas no Google do que o vencedor do Oscar”. Disponível em < https://cinepop.com.br/o-tapa-de-will-smith-gerou-25-vezes-mais-buscas-no-google-do-que-o-vencedor-do-oscar-338998/ > Acesso em: 27/04/2022.


Redação. “Oscar 2022: o ‘efeito Viagra’ do tapa de Will Smith no ibope do prêmio”. Disponível em < https://veja.abril.com.br/cultura/oscar-2022-o-efeito-viagra-do-tapa-de-will-smith-no-ibope-do-premio/ > Acesso em: 28/04/2022.



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