Sem dúvidas, existe uma grande divisão de opiniões quando se trata de privatizações. Colocar a administração de uma empresa, antes estatal, que atravessa dificuldades econômicas, nas mãos de um grupo seleto de pessoas, com interesses próprios e não necessariamente alinhados com as necessidades do país, é o melhor caminho a se seguir para resolver a situação? Há quem use essa justificativa para dizer que não. Contudo, essa é uma visão deturpada do setor privado, que ainda é bastante forte no Brasil, de que os principais agentes desse setor apenas visam ao lucro de forma indefinida, mesmo que a custo da saúde econômica de um país. Essa interpretação ignora, porém, o elevadíssimo nível de performance e administração de excelência que as principais empresas privadas do mercado possuem. Isso ocorre porque, caso uma empresa privada não consiga se adaptar à competição, aumentar sua eficiência e oferecer serviços melhores, ela será engolida pelo mercado e se verá forçada a encerrar suas atividades, ou ser comprada por outra, que soube lidar bem com tais desafios.
Sendo assim, por que não fazer o mesmo com empresas estatais? No setor público, uma empresa que venha apresentando rendimentos mais baixos não está sujeita a tantos perigos quanto uma no setor privado, visto que sua falência é praticamente impossível, estando ela atrelada ao próprio Estado. Isso dá o aval para que ela siga operando abaixo de seu máximo potencial, podendo até gerar massivos prejuízos ao orçamento do país. É aí que entram as privatizações, para trazer essa competitividade, esse perigo de que, caso não haja uma administração no mesmo nível dos grandes players do mercado, a empresa não irá se sustentar, garantindo assim a máxima eficiência da mesma.
O Brasil não é estranho às privatizações. Na década de 90, o país passou por um intenso processo de privatização com o PND (Programa Nacional de Desestatização), no qual empresas que eram consideradas as principais representantes da economia brasileira, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), e a Vale do Rio Doce deixaram de ser estatais, sendo compradas por Benjamin Steinbruch, do Grupo Vicunha. Depois de anos apresentando prejuízos, entre 1985 e 1992, após a privatização, a CSN passou a exibir lucros anuais da ordem de R$ 208 milhões. O principal objetivo do programa era aumentar a produtividade da economia, oferecendo melhor infraestrutura e serviços mais acessíveis e de maior qualidade para a população, principalmente no setor de telecomunicações, além de gerar capital para o governo – estima-se que o programa tenha gerado um total de R$ 78,6 bilhões aos cofres públicos, durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, um apoiador ferrenho da iniciativa. Tudo tendo como ponto principal a desestatização das companhias.
Recentemente, no dia 21/08, foi feito um anúncio que remonta a esse cenário de duas décadas atrás, a desestatização da Eletrobras. O processo consiste no seguinte: o governo reduz sua participação no capital da estatal, não sendo mais o acionista majoritário. O que antes era de 60%, agora, com a mudança, a porcentagem de ações da empresa em poder do Estado é de aproximadamente 47%, ou seja, ele ainda tem um grande poder de decisão dentro dela, mas a administração efetiva fica por conta do setor privado. Essa participação minoritária normalmente é feita, no caso de privatizações, a partir de uma única ação, que garante a ele poder de veto em decisões estratégicas e na administração, recurso conhecido como Golden Share. Porém, esse método, considerado já obsoleto, já não é a intenção do governo. O problema é que não há clareza em como o valor de mercado das golden shares seria calculado, o que faz como que sua utilização seja mal vista aos olhos dos investidores. Por isso, o governo, além de não querer utilizá-las para a privatização da Eletrobras, ele também pretende remover suas golden shares nas outras empresas privatizadas nas quais elas foram utilizadas, como a Vale e a Embraer. Esse processo, entretanto, nunca foi feito, e por isso foi encaminhado ao Tribunal de Contas da União (TCU) um pedido, feito pelo Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para que seja estudada e apresentada uma forma de acabar com esse tipo de ação, sem prejudicar os interesses da União. De acordo com o advogado Mauro Penteado, sócio do escritório Machado Meyer, o controle do ativo privatizado pode ser feito simplesmente a partir do contrato, sem a necessidade dessas ações especiais.
Esse anúncio gera um grande otimismo por parte dos investidores e no mercado como um todo, pois mostra o compromisso do governo em melhorar a gestão dessas companhias, procurando aproveitar os recursos de uma maneira mais eficiente, o que revela uma expectativa por melhores resultados. Esse otimismo ficou bem claro com a variação no preço das ações da Eletrobras na bolsa de valores, no dia seguinte, o qual sofreu um aumento de 50% do seu valor original, levando o principal indicador da bolsa, o Ibovespa, a atingir seu maior valor desde 2011, acima dos 70 mil pontos. A partir do impacto no mercado de ações, chega-se a outra consequência importantíssima desse processo. É estimado que ele resulte em uma arrecadação de R$ 20 bilhões com a venda de ações, valor que trará um certo alívio às contas públicas, o que por sua vez resulta na diminuição da aversão ao risco no país. Isso significa que, com esse capital entrando para dar maior estabilidade à economia brasileira, torna-se menos arriscado investir no país, o que leva a uma diminuição dos valores do dólar e dos Juros DI diários, uma das principais referências do mercado para definir a expectativa do comportamento dos juros no Brasil. Isso acontece, pois a quantia de dinheiro necessária para atrair os investidores é proporcional ao risco de se investir em um país. Quanto mais arriscado, maior deve ser o retorno esperado para se colocar dinheiro naquela economia, e vice-versa.
Subsequentemente, seguindo esse mesmo caminho, foi anunciado no dia 23/08, um pacote de privatizações denominado de PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), que envolve, ao todo, 57 ativos do governo para serem vendidos ou privatizados, que vão desde rodovias, portos e aeroportos – inclusive o de Congonhas, segundo maior terminal brasileiro –, passando por outras hidrelétricas hoje operadas pela Eletrobras, até empresas estatais como a Casa da Moeda, que emite as notas do Real e os passaportes, hoje vinculada ao Ministério da Fazenda.
Há diversas interpretações e previsões para os desdobramentos que se seguirão desse pacote, tanto positivas quanto negativas. Certamente, se efetivamente finalizado e feito da maneira correta, trará enormes benefícios ao país, como foram as iniciativas passadas de cunho semelhante. Com a nova injeção de capital, estimada em um valor próximo a R$ 50 bilhões, o governo tem uma grande ajuda financeira para que possa cumprir a meta fiscal – uma estimativa entre a expectativa de receitas e gastos no orçamento da União – para 2017 e 2018. Em outras palavras, estaria mais próximo de atingir a previsão feita da gestão das contas públicas, que atualmente é de um déficit de R$ 159 bilhões. Além disso, outros possíveis benefícios seriam: a mesma melhora de infraestrutura e serviços oferecidos à população em geral experimentada durante a década de 90, com o PND, e a diminuição, ou até eliminação, do risco de aumento dos impostos pelo governo, como dito pelo próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Entretanto, sempre há perigos envolvidos em operações de grande porte, que necessitam de um grande comprometimento para que sejam levadas à frente e efetivamente concluídas, possuindo um impacto enorme na economia e no futuro do país. Alguns economistas de renome, como Eduardo Giannetti e Gustavo Franco – ex-presidente do Banco Central e um dos principais envolvidos na elaboração do Plano Real –, alertam, durante o Congresso Internacional de Mercados Financeiros e de Capitais, para os fatores de risco presentes nessa iniciativa. Os principais perigos avaliados por eles dizem respeito à possibilidade de que esse pacote tenha sido apenas uma forma de gerar um ânimo artificial no mercado, sem gerar algo de concreto, “algo de cunho de intenção, e não a realidade em si” – como dito por Franco. Alertaram para o perigo de não haver tempo de dar continuidade aos planos de desestatização anunciados pelo governo até a próxima gestão, tendo eles a função primária de fazer caixa para cobrir déficits fiscais de gastos recorrentes, ou seja, apenas como forma de conseguir dinheiro para diminuir a dívida do país e atingir a meta fiscal, o que faria sentido, considerando o ponto explicitado no parágrafo anterior. O ex-presidente do Banco Central, antes de encerrar sua fala, deixou o questionamento a respeito do lote de privatizações: “Por que o governo não fez antes se acreditava nisso? ”.
Contudo, não existem apenas duas possibilidades, dois extremos, pública ou privada. Existe ainda o meio termo. Uma alternativa que funciona mais como uma parceria do que como uma mudança radical na gestão. São as chamadas Parcerias Público-Privadas (PPP), que, apesar de serem um empreendimento desafiador, são extremamente bem-sucedidas, quando há compatibilidade entre os interesses dos envolvidos. Normalmente, o maior obstáculo que elas enfrentam é o de conciliar tais interesses. Isso ocorre, pois, de um lado, a iniciativa privada normalmente age com um foco maior em gerar lucros no curto e médio prazo, podendo determinar os preços dos produtos com base nesse objetivo, resultando em preços mais altos, além da possibilidade de que o empreendimento não seja financeiramente viável para os investidores. Do outro, a iniciativa pública geralmente está alinhada no sentido contrário, pensa mais no longo prazo, de forma a resguardar os interesses públicos que tem com a população e o país, utilizando-se, muitas vezes, de um preço menor para atingir mais pessoas. Além dos interesses, um grande fator negativo é o nível da burocracia e legislação, que pode agir de forma contrária à fluidez e dinamicidade que essa iniciativa busca atingir, ainda mais se considerarmos um país como o Brasil, onde isso é um grande problema na vida de todos os cidadãos.
Caso todos esses empecilhos sejam superados, e ambas as partes cheguem a um consenso, o resultado é uma redução no custo de uma infraestrutura de qualidade, através de um bom planejamento e gerenciamento, com uma forte inovação e uso de novas tecnologias. E é exatamente disso que muitos países necessitam hoje, incluindo o Brasil, que tem na infraestrutura um de seus principais gargalos. De acordo com um estudo feito pelo Boston Consulting Group, uma das maiores empresas de consultoria estratégica do mundo, há uma defasagem entre demanda e investimento em infraestrutura que fica entre U$ 1 trilhão e U$1,5 trilhão por ano, mundialmente. Com a ajuda do setor privado, o desafio de suprir essa demanda pode efetivamente ser cumprido.
No Brasil, esse fenômeno ocorre em menor escala, não havendo muitos casos de grande notoriedade para serem mencionados. Entretanto, isso está mudando com a gestão do prefeito de São Paulo, João Doria, que tem como uma das premissas de seu governo a união entre os espectros público e privado da economia, para garantir à população a melhor qualidade de serviços e infraestrutura da cidade. Além de criar uma Secretaria Municipal de Desestatização, para gerir o processo de criação de PPPs e privatizações feitas no estado de São Paulo, a gestão de Doria trouxe, a partir de parcerias com diversas empresas, diversas realizações e planos para o futuro: a diminuição em 67% das filas de espera em hospitais, utilizando horários ociosos da rede privada de hospitais para tratar de pedidos da rede pública, o recebimento de mais de 380 milhões de comprimidos de medicamentos, para suprir o déficit de medicamentos na cidade, doações de veículos para serem usados na segurança do trânsito, bem como o reparo de veículos da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) que estavam abandonados e necessitando de manutenção, revitalização e manutenção de praças públicas e ciclovias, melhora na qualidade dos mais de 6.400 semáforos da cidade, implementando novas tecnologias para dar mais fluidez ao trânsito, reforma de abrigos municipais destinados a pessoas em situação de rua, para citar alguns dos diversos exemplos. Todos eles contribuem, não só para uma enorme poupança dos gastos públicos, com uma melhor infraestrutura e oferta de serviços de qualidade, como também para gerar uma renda para o orçamento do governo que antes não existia, a partir das concessões feitas às empresas.
Entretanto, é preciso tomar cuidado ao analisar tais parcerias e contribuições, por parte das empresas privadas. Enquanto, em alguns casos, como o das ciclovias e praças, o motivo é facilmente esclarecido – o de poder fazer publicidade no local -, em outros isso não fica tão claro, como é o exemplo da doação de veículos, feita por empresas como Fiat e Honda. De acordo com o prefeito, muitas dessas doações foram feitas “em nome da cidadania”, e nem sempre há a necessidade de uma compensação por parte de quem recebe algum produto ou serviço. Isso é algo perigoso de se dizer com relação a empresas privadas, que dificilmente vão tomar alguma atitude que não resulte em algum lucro para elas. Apesar de que possa ser difícil acreditar que realmente seja esse o motivo das doações, o programa de PPPs e privatizações de Doria tem atraído bastante atenção positiva da população e da mídia, então não é impossível que empresas queiram ter seus nomes atrelados a esse processo, que pode vir a definir uma nova cidade de São Paulo, mesmo que sem uma contrapartida por parte do poder público.
No cenário atual de crise que o Brasil enfrenta, muitas são as fontes de prejuízo que podem dificultar a recuperação da economia nacional, entre elas empresas estatais que apresentam resultados muito negativos no orçamento do país, graças a uma má gestão de recursos e força de trabalho. Por isso são necessárias iniciativas como as expostas neste artigo, à semelhança de alguns exemplos em que elas foram bem-sucedidas, para que seja possível que essa recuperação, tão esperada desde o início da década, tome lugar.
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