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Quando só “crise” não basta: 90 anos desde a Grande Depressão

Atualizado: 19 de nov. de 2020


Imagine a seguinte situação: você viaja para uma cidade onde os preços dos produtos não param de cair. Se você deixou para comer no restaurante mais caro no final da semana, terá pago um preço menor que teria no seu início. Melhor ainda, você deixou para pagar as diárias do hotel no checkout e pagou menos do que pagaria no check in. Quem não gostaria de morar em um lugar como esse? Todo mês o seu dinheiro passa a valer mais do que antes, em termos de poder de compra, sem nem precisar do esforço de tirá-lo debaixo do colchão. Parece o paraíso, certo? Bem, era essa a realidade dos EUA no início da década de 30, durante o período que ficou conhecido como a Grande Depressão. Esse nome não remete tanto a ideia de um lugar ideal como vimos anteriormente e, para entendermos a razão disso, precisamos começar compreendendo as causas e consequências desse marco histórico que, em 2019, completa 90 anos.


A EUFORIA ANTES DO DESASTRE

Quem observava os anos que antecederam a Grande Depressão via um país completamente diferente daquele que se tornou na década seguinte. Os Estados Unidos viviam no futuro quando comparado aos outros países do primeiro mundo. A chegada do rádio e do transporte rodoviário resultaram na empolgação geral dos mercados, respaldada pelo crescimento do lucro das empresas em cerca de 10% ao ano em 1926 - 1927. Paralelo a isso, o crescimento da bolsa - soma do valor de mercado das empresas americanas - foi ainda mais expressivo, alcançando 30% nesse mesmo período, o que ainda não é irreal. Afinal, a expectativa do mercado era que essas novas tecnologias conseguiriam impactar ainda mais os ganhos das empresas no futuro e, pensando nisso, a procura por esses ativos aumentava e, consequentemente, seu preço também.


No entanto, essa valorização começou a sair do controle entre 1928 e 1929, quando a bolsa cresceu 100%. Isso equivale a dizer que as empresas ficaram duas vezes mais caras mesmo sem sair do seu crescimento de 10% ao ano. Dessa forma, ainda que as tecnologias pudessem impactar a performance desses empreendimentos, o entusiasmo com a compra de ações foi tanto que seus preços começaram a descolar da realidade. Esse foi o início da bolha. A euforia tomou conta. Ninguém queria ficar de fora das subidas da bolsa, desde as classes mais baixas até as mais altas e até mesmo os bancos , que não só começaram a facilitar os empréstimos, mas também passaram a aceitar ações como garantia para financiamentos. Caso houvesse calote, bastava vender essas ações que o banco estaria coberto. Todo mundo ganhava, contanto que o mercado continuasse crescendo. Além disso, os bancos começaram a investir o dinheiro dos correntistas no mercado acionário, se expondo ainda mais a perdas derivadas de uma possível queda da bolsa. Isso se reflete no índice Dow Jones Industrial - métrica usada para acompanhar a performance da bolsa - que mais que quadruplicou durante essa década.



QUINTA-FEIRA NEGRA

E onde estava o governo no meio disso tudo? Bem, naquele ponto, o próprio FED - Banco Central Americano - já estava ciente que existia uma bolha no mercado de ações. Diante disso, foi adotada uma medida clássica para desacelerar a economia: o aumento agressivo da taxa básica de juros. Com os juros altos, pessoas e instituições pegariam menos empréstimos e, assim, teriam mais dificuldade em se alavancar para comprar mais ações. Além disso, essa alta faria com que os títulos públicos - empréstimos feitos ao governo que são rentabilizados conforme a taxa básica de juros do país - se tornassem mais atrativos, o que enxugaria parte do dinheiro alocado no mercado acionário. Pouco tempo depois, o mercado começou a perceber que os preços estavam irreais e a venda de ações foi generalizada. No dia 24 de outubro, o nervosismo já estava no limite com as quedas nos dias anteriores e o mercado presenciou uma expressiva redução de 11% no índice Dow Jones Industrial, mas fechou com um queda de apenas 2% devido a compra de ações por parte dos bancos. Contudo, na segunda e na terça feira seguintes, o mercado fechou em quedas de 12% e 10%, representando a 2ª e a 3ª maiores quedas percentuais em um dia na história, até então. Era o estouro da bolha.



Com muitos querendo vender e poucas querendo comprar, muitas famílias e instituições viram seu patrimônio desvalorizar dia após dia. A população, frente a isso, ficou mais receosa e passou a consumir menos. Consequentemente, menos dinheiro circulava na economia, o que gerou uma redução de 10% da atividade industrial em um período de 3 meses.


Essa situação estimulou o desemprego e a população passou a perder renda, o que não era nada bom depois de uma época em que o crédito era facilitado e, ainda por cima, eram garantidos por ações (que passaram a não valer nem um terço do que valiam antes da quebra). O resultado? Os bancos começaram a tomar vários calotes e alguns faliram. Isso foi o suficiente para as pessoas perderem a confiança no sistema bancário e começarem a querer sacar seu dinheiro com medo que seu banco quebrasse também. O problema é: os bancos trabalham emprestando dinheiro e, por isso, eles não possuem todo o capital dos correntistas em caixa, já que esse está espalhado na economia na forma de crédito. Desse modo, quando todos os clientes tentam sacar seu dinheiro de uma vez só, o banco não tem outra opção a não ser decretar falência. Esses fatores fizeram com que mais de 30% dos bancos existentes antes da crise fechassem suas portas e, com eles, o dinheiro que as pessoas não conseguiram sacar também foi apagado da economia.


O resultado dessa conjuntura se traduziu em um desemprego de quase 25% e uma redução de mais de um quarto do PIB americano em três anos. Nesse momento, a população ficou ainda mais aflita quanto ao andar da economia. A desconfiança nos bancos e a expectativa de que o desemprego só iria aumentar fizeram com que as pessoas deixassem de gastar. Além disso, fez com que passassem a poupar em ouro, pensando que esse seria um ativo mais estável em comparação ao dólar. Isso porque a moeda de um país tende a oscilar com a saúde econômica do mesmo, enquanto o preço do ouro, tende a ser mais estável.


Entramos assim, no paraíso da deflação, descrito no início do artigo. Os preços dos produtos começaram a cair, o que era bom para as pessoas empregadas que viam seu salário valer mais todo mês, mas era ruim para os negócios. Com menos consumo as empresas baixavam desesperadamente os seus preços, mas, nesse ritmo, acabavam falindo e aumentando o desemprego. Criou-se um ciclo vicioso.




A SOLUÇÃO?

Com uma mudança de mandato, o novo presidente Franklin Roosevelt, em 1933, utilizou a seguinte lógica para tentar reverter o quadro deflacionário: se os preços estão caindo, basta termos uma escassez de produtos que as pessoas estariam dispostas a pagar mais por aquele bem, seguindo os princípios da lei da oferta e demanda. Agora, qual produto as pessoas não deixam de consumir, mesmo tendo que pagar a mais por eea? Comida. Baseando-se nisso, o governo aumentou os impostos sobre os alimentos e recompensou, com isenções, os fazendeiros que diminuíssem sua produção. Essas medidas afetaram as classes mais pobres, que já estavam desempregadas e sem reserva financeiras para suportar uma alta nos preços. Seu efeito prático, portanto, foi um só: a nova dieta do cidadão virou sopa e pão.


No entanto, outras medidas foram mais felizes que essa última. Uma das coisas que impedia o governo de injetar mais dinheiro na economia era o padrão ouro. Antes, vamos entender como ele funcionava. Basicamente, todo o papel moeda circulando pela economia era garantido por uma quantidade de ouro estocada no Banco Central, sendo, portanto, o lastro da moeda. Isso faz com que o governo não possa imprimir dinheiro sem nenhum critério, o que não é necessariamente ruim. Entretanto, nesse caso deflacionário, poderia ser interessante ao governo imprimir dinheiro e deixar uma quantia maior na economia. Afinal, se tem mais dinheiro circulando para uma mesma quantidade de produtos, é natural que os preços subam.


Dessa forma, Roosevelt resolveu adotar essas medidas e quebrar o padrão-ouro. Só que, para isso, ele precisava fazer com que o ouro que as pessoas estavam guardando, virasse dinheiro e voltasse a circular na economia. Nesse contexto, foi sancionada a lei que proibia a posse dessa commodity nos Estados Unidos. Caso alguém a tivesse, o Estado pagaria 0,75 dólares a grama e, passado alguns meses, ele passou a pagar 1,25 dólares. Era uma das formas de injetar o dinheiro na economia, até porque, com as famílias recebendo mais pelo ouro estocado, elas iriam gastar esse dinheiro em algum lugar. Outra frente dessa cruzada foi a criação de empregos via obras públicas, tudo como forma de aumentar o capital circulante na economia.


No entanto, existia uma linha tênue entre imprimir dinheiro para evitar a deflação e desencadear uma hiperinflação que poderia ser tão ruim quanto o quadro original. A medida que esse novo dinheiro era injetado na economia, era necessário que a produção de bens acompanhasse essa crescente, já que, dessa forma, os preços retornariam a patamares saudáveis de forma gradual e não tenderiam a gerar um aumento súbito e descontrolado. Para sorte (ou azar) do país, existia um evento que garantia que isso acontecesse: a Segunda Guerra Mundial. Toda fabricação de caminhões, armas, navios e aviões, faziam o dinheiro circular cada vez mais na economia e gerava novos empregos.


“O que pôs fim a Grande Depressão foi um programa massivo de obras públicas chamado Segunda Guerra Mundial”

- Paul Krugman


DIAS MELHORES

Eventualmente, a economia americana se reergueu e o terror deflacionário voltou a ser controlado. Os índices de emprego e renda voltaram a patamares saudáveis e o país viveu mais alguns anos de bonança após uma década de depressão. Hoje, mesmo depois de 90 anos do ocorrido, mesmo com a queda na bolsa, falência dos bancos e depressão econômica, os Estados Unidos já passaram por outras grandes crises, como a Segunda-Feira Negra (1987), Bolha da Internet (2000) e Crise do Subprime (2008). Todas elas possuem características comuns: alta presença de capital especulativo, descolamento dos preços dos ativos, aumento significativo do desemprego e destruição de valor na economia. Dito isso, a grande lição que tiramos desse emblemático acontecimento é a importância do ponderamento quando alguém nos fala sobre uma cidade maravilhosa, na qual o dinheiro rende mesmo debaixo do colchão e os preços do mercado caem todo mês. Afinal, ao contrário do que parece, não desejamos cometer o mesmo erro mais de uma vez.

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