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WeWork: o IPO bilionário que nunca aconteceu


Uma companhia promissora em um mercado capaz de revolucionar as relações pré-existentes dentro de seu setor. Esse é considerado um cenário comum para as startups, que cada vez mais ganham destaque no mundo dos negócios, e passam por sucessivas rodadas de investimento até chegarem a patamares bilionários de valor de mercado, sem, muitas vezes, uma prova concreta de consistência financeira ou até mesmo de uma garantia de demanda duradoura por parte dos consumidores. Dentre os vários setores afetados por esse fenômeno, podemos citar o mundo do coworking¹, em especial uma de suas empresas de maior destaque global: a WeWork.


Chegando a valer US$ 47 bilhões em seu auge, bem mais do que o necessário para ser nomeada um unicórnio², a companhia, junto a seus principais investidores - sobretudo o homem mais rico do Japão, Masayoshi Son - obteve um rápido e significativo crescimento em seus primeiros anos de existência. Porém, as crises internas e o horizonte de prosperidade financeira cada vez mais questionável atrapalharam os planos da companhia quanto à realização de um IPO. Portanto, assim como a empresa ascendeu rapidamente a tais valores, sua queda transfigurou-se em um ritmo igualmente veloz.


Um futuro esperançoso


Antes de falar sobre a WeWork e seu setor, é necessário dar um passo atrás e retornar à Crise dos Subprimes, em 2008. Durante esse período, impactos negativos abalaram não somente os EUA, mas o mundo todo, levando ao desemprego milhões de pessoas. Em um cenário de desespero, essa parcela da população passou a procurar por novas oportunidades por meio de carreiras autônomas, principalmente no ramo do empreendedorismo, em busca de uma chance de se reerguer financeiramente. Porém, muitos não possuíam capital para abrir um escritório, o que mostrou-se como uma oportunidade originada por meio de uma demanda não suprida pelo mercado. Sendo assim, alguns começaram a perceber essa brecha, levando à abertura das primeiras empresas voltadas ao coworking, cujo modelo de negócios baseava-se em alugar prédios e transformá-los em escritórios, estes sublocados por outros indivíduos ou empresas.


É nesse contexto, portanto, que Adam Neumann, ex-militar israelense, e Miguel McKelvey, arquiteto americano, resolvem criar a WeWork em 2011, a segunda empresa de coworking fundada pela dupla. Com diferenciais baseados principalmente na proposta de atração de empreendedores e com foco em startups - cujo crescimento estava em tendência na época, de mais de 60% em 2011 frente a 2010 - a WeWork conseguiu converter esse contexto em um progresso exponencial não só em Nova York, sua sede, como também no restante dos Estados Unidos e, posteriormente, em escala mundial. Para tal, o empreendimento contou com fortes rodadas de investimentos, com a participação de renomadas instituições, como o JP Morgan e o SoftBank, capazes de impulsionar financeiramente a empresa.


Em um ritmo de crescimento ainda mais acelerado, a companhia foi capaz de se expandir internacionalmente em 2014, apenas quatro anos após sua fundação, refletindo diretamente em suas receitas, com um crescimento médio de 100% ao ano no período entre 2015 e 2017, captando cada vez mais um olhar otimista do mercado. Além disso, a forte cultura voltada a auxiliar startups em estágios iniciais e crescer com as mesmas, no sentido de reajustar os contratos e espaços sublocados conforme seu crescimento ocorria, também caracterizava-se como um diferencial da companhia, que passava a ser cada vez mais vista com bons olhos pelo mercado.



Portanto, a partir de todo o suporte financeiro e uma operação em crescimento rápido, a empresa atingia rapidamente marcos históricos, como o caso de sua expansão internacional, e que a levaram a atingir a marca de mais de 500 escritórios em cerca de 100 cidades espalhadas por mais de 30 países. Dada toda a sua estrutura, as expectativas eram crescentes, levando a um valor de mercado estipulado em US$ 47 bilhões, após uma nova rodada de investimentos no início de 2019 de US$ 5 bilhões liderada por seu principal investidor, o SoftBank.

A companhia, que passou no início de 2019 por uma mudança de nome, para The We Company, devido à criação da WeGrow, uma escola privada de empreendedorismo, e da WeLive, um projeto de co-living³, dava cada vez mais certeza de seu sucesso. A partir disso, começavam a ser abertas conversas quanto a um possível IPO da empresa, tendo em vista uma maior arrecadação de recursos para financiar sua operação. Tal processo era visto como algo tão promissor pelo mercado que, segundo o banco Morgan Stanley, a WeWork conseguiria mais do que dobrar seu valor, atingindo a marca de US$ 104 bilhões.


O balde de água fria


No entanto, apesar das projeções ainda mais positivas, esse processo acabou não ocorrendo, devido a dois grandes aspectos que envolviam a WeWork e sua capacidade de gerar lucro a longo prazo.


O primeiro de todos os pontos responsáveis por criar um ambiente de dúvida em torno da companhia foram seus resultados financeiros. Em um cenário parecido ao de algumas startups e companhias já consolidadas dentro do mercado e atualmente abertas na bolsa de valores americana, como Uber, Tesla e Lyft, a WeWork nunca deu lucro. Para uma empresa que desejava abrir seu capital isso não era algo tão atrativo, tendo em vista uma possível estrutura de custos além do ideal da empresa. Além disso, seguindo a insegurança gerada por empresas que não davam lucro, o mercado já tinha como grandes exemplos a Uber e a Lyft, ambas que abriram capital antes da WeWork e que até o momento registravam altas perdas no valor de mercado.

No entanto, o problema da WeWork em relação ao aspecto financeiro se dava em escalas bilionárias, segundo as próprias projeções da empresa. Somente em contratos de aluguéis, por exemplo, que constituíam grande parte das obrigações financeiras da companhia, o relatório lançado pela mesma antes do pedido de IPO revelava tais obrigações como um somatório de mais de US$ 47,2 bilhões. Além disso, os prazos impostos com os inquilinos dos prédios que alugava era de em média 15 anos, enquanto outras empresas do mercado imobiliário tinham contratos em um prazo médio de 6,8 anos, segundo o Morgan Stanley. Aliado a isso, havia ainda a facilidade de cancelamento das assinaturas por parte dos clientes, com exigência de apenas um mês de sobreaviso. Portanto, em caso de uma possível recessão econômica ou social que levasse a uma evasão de clientes do negócio, a WeWork continuaria pagando aluguéis expressivos devido a contratos feitos a longo prazo com os estabelecimentos, sem possibilidade de renegociação e com uma multa a ser paga para cancelamento.


Observando pelo aspecto externo do mercado e o poder de comparação frente a outras concorrentes, a principal é a IWG, dona do coworking Regus, cujo IPO foi realizado em 2000 e hoje a empresa é avaliada em £ 3.5 bilhões. Frente à WeWork, as vantagens são inúmeras observando os riscos financeiros e operacionais da companhia durante a época de seu IPO, em 2019. Geograficamente, a maior diversificação na localização de escritórios, presentes em mais de mil cidades ao redor do mundo, frente às 111 cidades com presença da WeWork, previnem a Regus de alta exposição à volatilidade econômica dos lugares. Além disso, as obrigações com aluguéis em 2018 eram de apenas £ 6,6 bilhões, seguidas por 62% de seus contratos com prazos com duração de até cinco anos. Portanto, ao observar um concorrente direto cuja operação é mais consistente e com claras vantagens operacionais e financeiras frente à WeWork, o mercado também observou uma certa deposição exagerada de expectativas, e que pode-se concluir como fatores também agravantes à possibilidade de um IPO por parte da companhia.

Paralelamente ao panorama financeiro da companhia, o mercado também passou a depositar sua atenção no então CEO e fundador da WeWork, Adam Neumann, e seus constantes escândalos éticos e financeiros diretamente relacionados à operação da empresa, os quais culminaram em sua saída forçada do cargo, em setembro de 2019. No início do mesmo ano, um dos estopins para tal ocorrência foi referente à nomeação da companhia - The We Company - cujo processo levou a mesma a pagar cerca de US$ 6 milhões pelo uso da marca We a seu fundador, devido a burocracias de registro de tal trademark⁴.


Nesse mesmo contexto de utilização do dinheiro da empresa para benefício próprio, Neumann também era proprietário de alguns dos prédios que a WeWork alugava, demonstrando um conflito de interesses, além de levar a companhia a fazer empréstimos pessoais a ele, com juros abaixo de 1%, para a compra de novos imóveis que seriam alugados para a WeWork. Por fim, Neumann também era acusado de promover festas com álcool e drogas por dias no escritório, além de demitir funcionários sem razão prévia.

Portanto, torna-se evidente que esses dois pilares foram fundamentais para o adiamento do IPO e o fracasso da então valorizada WeWork: a insustentabilidade de seu modelo de negócios - baseado em contratos de longo prazo com assinaturas de curto-prazo - e a instabilidade em seu corpo administrativo, demonstrando a importância da governança corporativa para a análise de uma empresa que deseja abrir seu capital. Portanto, a partir do panorama gerado, o IPO da companhia foi cancelado em outubro de 2019, de forma que o SoftBank - em uma transação bilionária - comprou as ações de Neumann da companhia e oficializou seu processo de tomada do controle da WeWork, que neste momento passava a ser avaliada em US$ 5 bilhões. Tal negociação foi feita a fim de já eliminar seu problema administrativo, com a saída de Neumann, e, por meio de cortes de gastos, reestruturar a startup que, desde o início, contava com o apoio - principalmente financeiro - do banco, já que um dos “padrinhos” da companhia é Masayoshi Son, dono do SoftBank.

O recomeço

Agora sob nova liderança e tendo a história manchada por um dos pedidos de IPO mais vergonhosos dos últimos tempos, a WeWork foi obrigada a se reinventar. Suspendendo contratos de locação e desfazendo-se de certos bens, como jatos, a companhia adotou uma posição entre o fim de 2019 e o início de 2020 de corte nos gastos, que também culminou na demissão de mais de 10.000 funcionários durante tal período. Porém, um novo obstáculo inesperado surgiu para a companhia: o isolamento social gerado pela crise da COVID-19, que fez com que os índices de vacância subissem ainda mais. Por consequência disso, também houve um forte cancelamento de assinaturas, com uma redução de 11% no terceiro trimestre de 2020 frente ao mesmo período de 2019, causando uma diminuição no seu valuation, que passou a ser de US$ 2.9 bilhões, 58% dos US$ 5 bilhões atribuídos pelo SoftBank após a tomada de controle.

A nova estratégia financeira adotada pelo SoftBank foi capaz de reduzir drasticamente os custos da companhia, levando à redução dos prejuízos em 2020 quando comparado a 2019. Tal cenário gerou, principalmente por parte da própria companhia, novas esperanças de que a mesma passaria a ser lucrativa até o fim de 2021, principalmente devido à reabertura dos escritórios e do novo crescimento de assinaturas pós-COVID-19. Com isso, expectativas positivas voltam a surgir, e a WeWork planeja novamente fazer um IPO, porém em um contexto bastante diferente de 2019.

Com um valor de mercado 18 vezes menor e sob um novo comando, a companhia planeja se inserir de fato no mercado como empresa de capital público por meio de uma SPAC (Special Purpose Acquisition Company), ou seja, por meio de uma holding⁵ constituída com a finalidade de levantar fundos via IPO para uma futura aquisição de outra empresa, e que então abriria capital oficialmente pela bolsa.

Segundo o jornal americano The Wall Street Journal, a principal candidata para fazer tal abertura de capital junto à WeWork, que passa a ter um valor de US$ 10 bilhões com tal medida, é a Bow Capital Management, atual dona do time de basquete Sacramento Kings.

Com uma nova e positiva perspectiva e sem muitos dos obstáculos que foram os principais impeditivos à realização do IPO da companhia em 2019, a WeWork novamente é vista com bons olhos por grande parte do mercado, apesar de projetar seu IPO por um método não-tradicional e pouco conhecido pela indústria. Resta saber, no entanto, se essa nova tentativa de abertura do capital resultará em um novo vexame à WeWork, que certamente culminaria em sua falência, ou se de fato haverá um turnaround por parte da mesma, provando se startups que não dão lucro e passam por fortes escândalos realmente conseguem se reconfigurar a postos de domínio do mercado e a uma consistência financeira ainda maior.


Glossário:

  1. Coworking: Modelo de trabalho colaborativo que se baseia no compartilhamento de espaço e recursos de escritório.

  2. Unicórnio: Startup que possui avaliação de preço de mercado no valor de mais de US$ 1 bilhão.

  3. Co-living: Modelo de moradia onde diversas pessoas dividem o mesmo imóvel, sob pagamento de taxas, onde há quartos separados e espaços comuns para todos.

  4. Trademark: Qualquer nome ou símbolo utilizado para identificar uma empresa, produto, serviço ou comércio e que está registrada, tornando-se uma propriedade intelectual cujo uso depende de autorização prévia por parte do detentor.

  5. Holding: Empresa criada com o objetivo de administrar as outras empresas do mesmo grupo.


Referências Bibliográficas:

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ALECRIM, Emerson. “A crise da WeWork: como uma IPO de US$ 47 bilhões virou um fiasco”. Tecnoblog, 2020. Disponível em <https://tecnoblog.net/310699/wework-coworking-47-bilhoes-fracasso-ipo/>. Acesso em 7 de fevereiro de 2021.


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“Após mau desempenho de Uber e Lyft na bolsa, WeWork pode reduzir valor de mercado após IPO”. Seu Dinheiro, 2019. Disponível em <https://www.seudinheiro.com/2019/uber/wework-valor-de-mercado-ipo-lyft-uber/>. Acesso em 14 de janeiro de 2021.


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