A eficiência total de um mercado ocorreria se todas as informações públicas existentes sobre os ativos negociados fossem refletidas de forma imparcial no preço de mercado desses ativos. Em outras palavras, o mercado é tão mais eficiente quanto mais os preços dos ativos retratam as informações disponíveis sobre os mesmos. Caso contrário, constatam-se distorções, denominadas de vieses, ou erros de julgamento, também chamados de irracionalidade. Depois de várias bolhas de crédito e acionárias, pode-se afirmar com relativa certeza que, por vezes, mercados financeiros são cronicamente ineficientes. A questão é: o quão eficientes são esses mercados?
A importância dessa discussão gira em torno de seus efeitos práticos. Na hipótese de um mercado completamente eficiente, a obtenção de retornos maiores que a média do mercado só ocorreria aleatoriamente, em função de notícias inesperadas, uma vez que todas as informações disponíveis já estariam embutidas na precificação do ativo. Ou seja, as mudanças nos preços seriam completamente imprevisíveis e não seriam possíveis estratégias de investimentos que superassem os ganhos médios do mercado de forma contínua. No outro extremo, se o mercado fosse completamente enviesado, o preço dos ativos nele negociados estaria sistematicamente em discordância com seu valor justo, sem serem corrigidos, um dos fatores principais que conduzem às bolhas de mercado. Na prática, o que se tem são mercados mais ou menos eficientes, seja em comparação a seus pares em outros países, seja em relação a seus preços em uma análise histórica, o que pode ser avaliado matematicamente e qualitativamente, conforme será explorado nesse artigo.
Como medir?
Existem vários modelos matemáticos e estatísticos que têm o objetivo de medir a eficiência de um mercado. Alguns deles buscam estudar as reações do mercado a notícias e eventos - se essas reações são excessivas e parciais, ou se, de fato, refletem eficientemente as novas informações apresentadas ao público. Outros modelos se baseiam em estratégias de investimento frequentemente utilizadas – como análise gráfica e análise por múltiplos de ações (análise comparativa por indicadores de desempenho) – constituindo portfólios de investimentos e acompanhando seus desempenhos para ver o quanto esses retornos excedem à média do mercado.
No caso da análise de reações do mercado a novas informações, os gráficos abaixo oferecem alguns fundamentos acerca desse tipo de análise. O caso do primeiro gráfico representa a reação a uma boa notícia em um mercado 100% eficiente, o que é um cenário utópico. O preço do ativo rapidamente se ajusta ao novo contexto, e se mantém estável no período que segue. O segundo gráfico mostra uma resposta mais realista de um mercado maduro e razoavelmente eficiente, enquanto o terceiro mostra o cenário comum a um mercado com agentes agindo de forma mais enviesada, no qual há uma reação inicial exagerada à notícia, e depois o retorno a um valor mais compatível com o que de fato a informação agregou ao ativo.
Como exemplo real, pode-se analisar a eficiência da New York Stock Exchange, bolsa de ações de Nova York, no período de 1988 a 1992, conforme feito pelo economista indiano Aswath Damodaran, professor de finanças da New York University. Primeiro, foram coletados os índices de (Preço de uma Ação) / (Lucro da Empresa por Ação), apelidados de P/L, de todas as ações listadas na bolsa em 1987. Supostamente, as ações com índices P/L menores que a média do seu setor estariam subvalorizadas, pois, a grosso modo, seus preços estariam baixos em comparação com o lucro que elas geram. A partir desses dados, as empresas foram subdivididas em 5 grupos, do menor ao maior P/L, e seus excessos de retorno – taxa de retorno do investimento subtraído da taxa de retorno dos títulos de dívida do governo americano, considerados sem risco – foram computadas, ano a ano, de 1988 a 1992. As empresas que possuíam P/L negativo (estavam em prejuízo) foram ignoradas, e as que, no meio tempo, faliram, foram consideradas como tendo um retorno de -100%. Os resultados estão visíveis na tabela abaixo.
Como não cabe entrar nos modelos estatísticos da estimativa da eficiência da NYSE nos dados anos, é válido fazer uma análise superficial dos dados acima. Sem a necessidade de realizar cálculos, é possível observar que, em 1991, a bolsa de valores de Nova York se comportou em maior sintonia com a previsão de investidores que optaram por usar a análise da comparação por múltiplos, em especial, pelo múltiplo do P/L. Como pode ser identificado pela tabela, para as empresas com P/L menor, consideradas subvalorizadas, ocorreram maiores valorizações, caso oposto às supervalorizadas, de maior P/L. Assim, nesse ano, houve certa previsibilidade no comportamento do preço das ações, o que indica que o mercado corrigiu ineficiências. Mas, por que em 1991 o mercado teria se comportado dessa forma, enquanto em 1989 ele não parece seguir nenhuma tendência clara? Quais fatores influenciam para torná-lo enviesado, com preços de ações sistematicamente super ou subvalorizados?
Cenários geradores de vieses
Existem algumas questões que contribuem majoritariamente para a eficiência ou ineficiência de um mercado. A primeira delas é a liquidez nesse mercado, ou seja, a facilidade de comercializar seus ativos. Quanto mais fácil for vender ou comprar esses ativos, mais difícil será encontrar ineficiências, uma vez que elas podem ser corrigidas mais facilmente. Por exemplo, o mercado de ações é muito mais aberto que o imobiliário: os preços são em unidades menores (reduzindo as barreiras de entradas para novos investidores) e o ativo por si só não varia de transação a transação (uma ação da Petrobras é idêntica à outra, enquanto imóveis podem variar muito entre si). Por conta disso, é mais propício encontrar ineficiências no mercado imobiliário, como imóveis super ou subvalorizados.
Da mesma forma, medidas que deixam os mercados com menor liquidez, também tendem a deixá-los mais ineficientes, como aumento nos custos de transação e de informação. Com maiores custos de transação, há menos incentivo para explorar eventuais ineficiências do mercado. Grandes fundos de investimento, por exemplo, podem comprar ações em grandes lotes a custos de transação menores, estando mais aptos a explorar essas ineficiências do que pequenos investidores.
Medidas que estimulam a entrada de investidores num mercado de capitais, aumentam sua liquidez, logo, sua capacidade de resolver ineficiências rapidamente. Exemplo de tais medidas seria a atual redução da taxa de juros do Brasil, o que naturalmente estimula a procura por investimentos de maior risco. Ou, ainda, medidas de desburocratização e redução de impostos nas bolsas de valores, como as realizadas ao longo da década de 90 nos EUA pelo Federal Reserve, equivalente ao banco central americano, fator que pode ter contribuído para o cenário da NYSE citado acima.
Por outro lado, a desinformação dos investidores em mercados massificados também tendem a deixá-los mais ineficientes, pois isso significa a entrada de um maior número de pessoas não informadas e propensas a incorrer em vieses. Assim, a famosa frase de Warren Buffet, que diz que quando todos estão investindo na bolsa é porque está na hora de vender suas ações, pode ser interpretada como “fuja, pois a massificação da bolsa pode estar gerando uma bolha!”.
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