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Boas e más gestões no futebol: o verdadeiro critério de desempate


Já parou para pensar em como são definidos os critérios de desempate no esporte mais famoso do mundo? A verdade é que já existiram e ainda existem diferentes modos de desempatar uma partida. Nesse sentido, quando o futebol foi institucionalizado no Brasil em meados dos anos 40, caso o resultado das duas finais (jogo de ida e volta) terminasse igualado, era realizada uma terceira partida em campo neutro¹ para definir o verdadeiro campeão. Contudo, hoje os critérios já não são mais como antes, as normas precisaram se adaptar, assim como todo o gerenciamento por trás desses clubes, uma vez que o mercado esportivo se reformulou por completo. Nesse contexto, times com boas e más gestões disputam posições na elite do esporte brasileiro e, muitas vezes, devido à imprevisibilidade do jogo, o regulamento do torneio nem sempre premia os melhores trabalhos.


Esse fato se prova verdadeiro quando analisada a tabela do campeonato brasileiro de 2020 e a atuação efetiva de uma das regras de desempate para a afirmação do último rebaixado: o saldo de gols. No caso de um empate como esse, no qual o número de pontos conquistados durante o torneio foi idêntico, é cabível pensar que havia uma equiparação entre ambas as equipes. Contudo, o Clube de Regatas Vasco da Gama e o Fortaleza Esporte Clube - times que terminaram a edição do torneio empatados - estavam completamente díspares naquele momento em termos de gestão e finanças, haja vista que o primeiro se encontrava extremamente endividado, enquanto o outro se via bem gerenciado e equilibrado patrimonialmente.


A premiação das boas gestões: o caso do Fortaleza E.C.


Levando em conta o longo retrospecto do futebol brasileiro, o imaginário popular sempre construiu uma imagem de que existem doze grandes clubes, o que criou uma falsa ilusão de que há uma competitividade igualitária. Porém, ao comparar desempenho, gestão financeira e administração, conclui-se que esse número é muito mais restrito. Sob esse viés, pode-se observar uma liderança clara no país por mais de 5 anos, tanto em conquistas quanto em faturamento apenas de duas equipes: o Clube de Regatas do Flamengo e a Sociedade Esportiva Palmeiras.



Acerca dessa dominância, vale ressaltar que um dos principais aspectos que diferenciam esses 12 times dos demais é o tamanho de suas torcidas. Como são clubes das cidades mais populosas do país e que constantemente têm ganhado competições, milhões de brasileiros criaram simpatia por essas equipes. Assim, foram criadas as gigantes nações de torcedores, fazendo dessas instituições do eixo² potenciais máquinas de produzir dinheiro, uma vez que a grande torcida é uma importante e estável fonte de arrecadação. Nesse cenário, mesmo com a grande disparidade entre Palmeiras, Flamengo e os outros dez clubes, existem poucas exceções de instituições no Brasil que possuem a mesma magnitude financeira que o grupo.



Nesse contexto, apesar da hegemonia de certos clubes, times de menor expressão bem administrados, equilibrados financeiramente e eficientes em suas contratações, vêm surgindo como surpresas nas diversas competições do país, como é o caso do Ceará Sporting Club e do Fortaleza EC. As duas equipes do futebol cearense, a partir de 2016, começaram um processo de reformulação e se reestruturaram internamente, por meio da ampliação de novas fontes de receitas e alterações em seus estatutos, redefinindo totalmente o planejamento estratégico de ambos os clubes.


No caso do Leão do Pici ( apelido do Fortaleza EC), em 2017, com a chegada de seu atual presidente, Marcelo Paz, contratou-se uma consultoria para estipular metas de planejamento para cada área da parte administrativa do clube, como a meta de superávit localizada, que consiste na geração de renda por parte de todos os setores de gestão, inclusive o jurídico. Nesse cenário, se distinguindo de outros times consolidados, formou-se uma diretoria e optou-se por escolher profissionais capacitados e especializados em suas áreas de atuação, ou seja, o vice-presidente de finanças era necessariamente um profissional formado em economia e não apenas uma indicação do conselho vigente. Outro diferencial da gestão de Marcelo Paz foi a remuneração dos dirigentes do clube, o que não é prática comum no futebol brasileiro, mas que, segundo ele, torna o ambiente da instituição muito mais profissional e eficiente. No mais, junto com uma política de responsabilidade financeira, com a geração e o aumento de receitas, o Fortaleza EC viu seu faturamento crescer mais que o dobro no intervalo de um ano.



Sob esse prisma, em 2016 surgiu a Leão 1918, marca própria de camisas do clube nordestino, que inicialmente parecia uma proposta arriscada, uma vez que poderiam perder qualidade no material, já que comprariam diretamente das fábricas e não estariam mais vinculados à Kappa, grande marca do ramo. Apesar disso, a empreitada foi um grande sucesso, faturando em 2019 quase 16 milhões de reais de receita bruta com vendas nas lojas do Fortaleza EC, montante duas vezes maior que o gerado por todos os patrocinadores nesse mesmo ano, que foi cerca de 7,5 milhões de reais.


Frente a essa conjuntura, o Fortaleza, por ter sua própria marca, possui também controle total de suas vendas, agilizando o poder de decisão dos lançamentos e aumentando seu faturamento por camisa adquirida. Nesse contexto, se em um contrato com a empresa de artigos esportivos Pênalti, por exemplo, o clube recebia 8% de royalties³ em cima das vendas, hoje o Fortaleza fica com cerca de 50% do valor de cada uniforme vendido, desconsiderando impostos. Desse modo, o clube não depende da aprovação de grandes empresas e faz do torcedor seu maior patrocinador.


Não obstante, outra ação que a instituição nordestina tomou e que reverberou de forma positiva no orçamento do clube foi a ampliação do número de sócios torcedores. Acerca disso, foi criado o programa Leão do Interior, no qual semanalmente a equipe de sócios, a diretoria e o mascote Juba viajavam pelo interior do estado do Ceará, a fim de criar uma maior aproximação com esta torcida interiorana mais humilde e uma aplicação de um plano financeiramente mais acessível para quem quisesse ajudar o orçamento do clube. Nesse âmbito, veio também o lançamento de camisas populares produzidas pela loja do Fortaleza EC, tornando-se possível comprar com 60 reais um produto oficial do time de coração em vez de optar por um uniforme falsificado. Portanto, uma vestimenta que anteriormente era avaliada em torno de R$ 250, agora passa a ser acessível também para outro nicho de torcedores.


Enquanto tudo isso acontecia, os resultados em campo também eram positivos e um time que se encontrava no pior momento de sua história, amargando 8 anos na terceira divisão do campeonato brasileiro, conseguiu seu acesso à Série B em 2017, foi campeão da segunda divisão em 2018 (ano de seu centenário), e logo em seguida, teve a melhor campanha de um clube cearense na história do campeonato brasileiro Série A, além de participar de seu primeiro torneio internacional em 2020. Junto a isso, vieram outros títulos como a Copa do Nordeste e o tricampeonato cearense, conquistado no primeiro semestre de 2021. Além da taça estadual, hoje, o Fortaleza EC faz história no Brasil e disputa posições no topo da tabela, roubando pontos de instituições endinheiradas como Palmeiras e Atlético-MG e chegando de forma inédita em uma semifinal da Copa do Brasil.


Desse modo, um clube com menos alcance de pessoas, mas bem assessorado e com resultados dentro de campo, teve um boom em seus números nas mídias sociais, chegando a marca de pouco menos que 200 mil inscritos no Youtube em outubro de 2021, consolidando a TV Leão como o maior canal de um clube nordestino na plataforma e o Fortaleza como um clube respeitado em território nacional. Logo, é evidente que a instituição Fortaleza Esporte Clube vem demonstrando uma boa administração e um grande processo de evolução ao decorrer dos anos.


No entanto, com esse trabalho de reformulação muito recente e faturamento menor em comparação aos gigantes, acabou que o futebol, por sua imprevisibilidade, pôs em xeque a permanência na Série A de clubes bem geridos. Em 2020, por exemplo, mesmo com o desempenho bom em outras competições, o Leão se viu salvo do rebaixamento no Brasileirão⁴ principalmente graças a dois fatores: o critério de desempate e o caos na gestão do Clube de Regatas Vasco da Gama.


A decadência das más gestões: o caso do Vasco da Gama


Ao contrário do Fortaleza EC, o Clube de Regatas Vasco da Gama se encontra em uma grande crise política e orçamentária há mais de uma década, ainda mais no momento atual, que foi rebaixado da primeira divisão do campeonato brasileiro, permitindo a permanência do clube nordestino. Diante disso, é possível observar práticas, números e ocorridos que escancaram a má gestão e o despreparo da instituição carioca, fazendo de uma instituição tradicional um mero coadjuvante em um cenário futebolístico no qual a receita e a administração erguem taças.


Cabe comentar, primeiramente, que um dos grandes empecilhos para uma reestruturação do clube é a configuração política interna atual. Nesse sentido, muitas gestões se pautaram em um imediatismo irracional, no qual eram feitas contratações mal planejadas, recebidos indevidos e desvios monetários. Acerca disso, algo recorrente era o pedido de antecipação do pagamento das patrocinadoras, a fim de quitar dívidas e pagar salários atrasados. Contudo, com esse pagamento adiantado, gestões futuras se viam presas a cumprir contratos totalmente desvantajosos e pouco lucrativos. Como exemplo, é possível citar a antecipação das verbas por transmissão dos jogos pela televisão. Sob esse prisma, segundo dados do balanço, o mandato do então presidente Eurico Miranda comprometeu não só o primeiro ano do sucessor, mas os próximos quatro, o que extrapola, inclusive, o tempo de 3 anos do mandato de Alexandre Campello (2018-2020). Ainda em 2017 com Eurico em vigor, 2019 já tinha 63,4% de suas cotas televisivas antecipadas. 2020, 32,4% e 2021, em 18,4%.


Dessa forma, o Vasco não tem perspectiva de melhora, uma vez que os dirigentes têm pensado mais em suas perpetuações na gestão e do que no equilíbrio financeiro do clube, fazendo, assim, com que a instituição se afunde cada vez mais e mais em dívidas e anos seguidos de déficit.



Assim, dado esse cenário de decadência financeira, vinham os salários atrasados e, consequentemente, o baixo desempenho da equipe nas competições, o que acarretou, em 2020, no quarto rebaixamento do clube em apenas 13 anos. Nesse sentido, nada foi feito para ampliar as receitas, pelo contrário, os faturamentos ficaram estagnados ou se reduziram. A respeito disso, segundo seus orçamentos e balancetes, o clube, em 2020, arrecadou apenas 191 milhões de reais e ficou com um déficit de mais de 64 milhões. Diante disso, o grande questionamento que fica é: como equacionar uma dívida de mais de 832 milhões, sendo uma instituição que arrecada por ano pouco menos de 200 milhões?


Desse modo, com o aspecto financeiro dilacerado e o desempenho nos campos precário, o torcedor acaba diminuindo sua contribuição, e até uma das torcidas mais apaixonadas e engajadas acaba se vendo desolada e sem perspectiva de novos triunfos ao clube. Nesse panorama, devido a uma campanha em massa promovida pelos vascaínos, o Vasco teve uma alta de mais de 1000% no número de seus sócios torcedores no ano de 2018, chegando a figurar o topo do ranking no Brasil e o top 5 do mundo com pouco mais de 174 mil assinantes de algum dos planos. No entanto, o clube hoje se encontra em uma situação de grande queda nessas contribuições, totalizando apenas cerca de um terço do cenário anterior, com quase 60 mil sócios. Logo, apesar da grande possibilidade de faturamento do Vasco, haja vista o imenso número de torcedores, a instituição se vê completamente endividada por fruto de sua desorganização interna.


O apito final


Mesmo o esporte permitindo a imprevisibilidade nos gramados e possibilitando que existam empates e inúmeros critérios de desempate, um trabalho inteligente e uma gestão competente podem garantir não só jogos, mas campeonatos. Assim, clubes tradicionais mal geridos se afundam, enquanto clubes bem equilibrados financeiramente, mesmo com números tímidos de receita e menores alcances, surgem e incomodam os grandes. Portanto, pode-se dizer que o mercado do futebol e todo o negócio por trás do esporte estão muito conectados. A bola nem sempre entra, mas boas gerências, um planejamento inovador a longo prazo podem ser, sim, um golaço.


Glossário


1- Campo neutro: Campo de futebol onde nenhum dos dois times possui o mando, ou seja nenhum deles joga em casa.


2- Eixo: Região que concentra a maior quantidade de dinheiro do país.


3- Royalties: Valor cobrado pelo proprietário de uma patente de produto, processo de produção, marca, entre outros, ou pelo autor de uma obra, para permitir seu uso ou comercialização.


4- Brasileirão: Apelido que remete-se ao nome do campeonato brasileiro de futebol.


BIBLIOGRAFIA


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