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La Casa de Papel: a Função do Ouro na Economia

Atualizado: 12 de abr. de 2021



Mais uma vez, a série “La Casa de Papel ” ganhou destaque com o lançamento de sua terceira temporada. O fenômeno da Netflix já foi assunto de um Consulting Post no qual debatemos sobre como a impressão de 2,4 bilhões de euros afetaria a economia global. Dessa vez, a gangue especializada em grandes roubos, que surpreendentemente conquistou o apoio da população, a fim de de ajudar um de seus membros, montou um plano mirabolante para invadir o Banco Central espanhol e roubar 90 toneladas da sua reserva de ouro. Porém, será que você já parou para pensar quais seriam as consequências dessa ação para a economia do país e seus cidadãos


Ouro Como Moeda

Símbolo de poder e riqueza, o ouro sempre foi algo desejado pelo ser humano, sendo a causa de inúmeras guerras e outros conflitos (reais e fictícios) durante a história. Tendo diversas utilidades, desde ser matéria prima para jóias até ser parte fundamental de componentes eletrônicos, ele também possui um atributo que pouquíssimos materiais tem: ser uma moeda.


O metal dourado possui os dois pré-requisitos para ser utilizado como dinheiro. O primeiro é o fato de ser almejado. É necessário que as pessoas queiram esse material para que ele seja utilizado como moeda de troca. O segundo, e não menos importante, é que o item deve ser escasso. Se todos os cidadãos tivessem fácil acesso a ele, a moeda simplesmente ficaria desvalorizada, pois seriam necessários enormes quantidades dela para realizar compras, podendo chegar ao ponto de tornar inviável seu uso. Um exemplo para melhor entendimento é o caso do sal. Na antiguidade, esse material era muito desejado por ser a melhor forma de conservar os alimentos. Além disso, devido a tecnologia pouco desenvolvida da época, não era possível produzi-lo em grandes quantidades. Esses dois fatores somados permitiram que o sal fosse utilizado como dinheiro durante muito tempo. Isso hoje já não é mais possível visto que essa especiaria não atende mais a nenhuma das duas exigências. Desse modo, retomando a análise do metal, o ouro foi utilizado durante séculos como moeda de troca, seja direta ou indiretamente…


É possível que essa última frase tenha causado a seguinte dúvida: como assim indiretamente? A realidade é que, com o passar do tempo, as pessoas foram percebendo que ter que carregar o seu ouro na hora de fazer as compras no mercado não era tão prático. Esse sistema, adotado durante séculos pelas civilizações antigas, como gregos e romanos, começou a entrar em desuso no final do século XV. Nessa época, certas casas bancárias italianas, com o intuito de facilitar os empréstimos, passaram a emitir vales que correspondiam a determinada quantidade de ouro que estava presente no banco, ou seja, possuíam o ouro como seu lastro. Estes vales podem ser considerados, de certa forma, os precursores das cédulas utilizadas atualmente.


Desse modo, por volta dos séculos XVIII e XIX, praticamente todas as nações já utilizavam papel moeda e, as que desejavam ser respeitadas pelo mercado internacional, também lastreavam sua moeda em metais preciosos. Essa ação era bem vista pelos comerciantes, já que o dinheiro que estava em suas mãos poderia ser facilmente convertido em ouro ou prata, por exemplo. A título de ilustração, o próprio nome Libra Esterlina, moeda utilizada no Reino Unido, traduzido, significa uma libra de prata de qualidade, mas logo veremos que isso não condiz com a realidade atual.


Padrão Ouro


Nesse momento, chegamos ao ponto da história da humanidade no qual as principais economias globais possuíam seu dinheiro lastreado. Entretanto, com o crescimento das navegações e do comércio internacional, surgia agora outro problema: o câmbio. A taxa de conversão entre as moedas se tornou mais um desafio a ser resolvido.


O fato de países diferentes usarem lastros distintos era extremamente prejudicial para a economia global, pois tornava difícil definir uma taxa de câmbio. Dado isso, a Inglaterra, que, devido ao seu comércio com a Península Ibérica e países sul-americanos, viu sua reserva de ouro crescer, trocou o lastro da sua moeda de prata para ouro. Somado a isso, por ser a maior potência mundial na época e, consequentemente, a que mais se beneficiaria com a padronização, estabeleceu que os países que comercializavam com ela deveriam também utilizar o lastro em ouro. Dessa forma, definiu-se no mercado mundial, durante a segunda metade do século XIX, o Padrão Ouro.


Tal medida foi um grande facilitador para o comércio internacional, tendo em vista que agora todas as principais moedas do mundo podiam ser convertidas para uma unidade em comum. Além disso, outra clara vantagem da utilização do ouro na economia é que o país devia sempre ter uma reserva em ouro com o respectivo valor da moeda. Dessa forma, impedia-se a impressão indiscriminada de papel, o que desvalorizaria a moeda. A partir de agora a quantidade de dinheiro em circulação dependia diretamente da quantidade de ouro nos bancos.


Felizmente para a Espanha, que teria sua economia inteira arruinada caso o roubo planejado pelo Professor e sua equipe fosse bem sucedido, o Padrão Ouro não perdurou muito tempo. Apesar de ter tido defensores renomados, como o filósofo britânico David Hume, houve um empecilho que nem mesmo eles imaginaram, algo que Alexandre Versignassi, redator-chefe da revista Superinteressante e autor do livro Crash, classificaria como o próprio inferno na terra: a deflação.


O problema do sistema era que, a medida que o tempo passava o PIB dos países crescia, ou seja, havia cada vez mais produtos e serviços sendo oferecidos. Porém, a menos que novas reservas de ouro fossem encontradas, o que não é algo que ocorre frequentemente, as nações permaneciam com a mesma quantidade total de moeda disponível para população. Logo, seguindo a Lei da Oferta e da Procura, se há o aumento do número de produtos ofertados e o dinheiro presente na praça permanece o mesmo, os preços desses produtos tendem a cair. Esse cenário se concretizou no início da década de 1930 nos Estados Unidos e na Grã Bretanha, forçando duas das maiores economias mundiais a abandonarem o padrão que, após isso, nunca foi mais o mesmo.

Ainda sob esse viés, vale ressaltar que o fim do Padrão Ouro nos EUA ocorre na década de 30 por causa do crash da bolsa de 29. Considerada por muitos a principal medida de recuperação econômica americana, ela foi uma forma encontrada de aquecer a economia pós crise. Essa ação permitiu ao Estado imprimir dinheiro para facilitar empréstimos e, principalmente, fazer grandes obras que empregariam muitas pessoas e movimentariam a economia. Mas, se isso deu tão certo, por que os Estados não ficam criando dinheiro incessantemente? Isso não ocorre justamente porque geraria outro grande mal a economia: a inflação. Analogamente à deflação, esse problema se dá quando o dinheiro em circulação na economia aumenta enquanto os bens e serviços oferecidos se mantêm. Dessa forma, seguindo mais uma vez a Lei da Oferta e da Procura, o preço desse itens tende a aumentar.



Oficialmente, o fim do Padrão Ouro se deu apenas em 1946, na conferência de Bretton Woods, quando representantes dos 44 países que venceram a II Guerra Mundial se encontraram e definiram que os Bancos Centrais não precisariam mais ter reservas de ouro em seus cofres. Além disso, acordaram que fariam do dólar o novo ouro, ou seja, que seria a nova unidade comum a qual todas as moedas seriam convertidas, resolvendo, assim, o antigo problema do câmbio internacional. Isso significa que para saber a relação Real x Euro, por exemplo, convertemos as duas moedas para a moeda norte americana e vemos como elas se relacionam.


Esse novo sistema, prova-se muito mais racional que o antigo. Quando paramos para pensar que eram investidos milhões de dólares anualmente apenas para escavar o ouro e depois estocá-lo em um cofre, do qual ele supostamente nunca sairia, podemos perceber a irracionalidade do projeto. Tudo isso era feito para que as pessoas conseguissem enxergar o papel-moeda não apenas como papel, mas como algo realmente valioso.

Atualmente, o lastro das moedas são os próprios itens e serviços oferecidos dentro da nação. Assim, uma pessoa, ou até mesmo uma empresa ou país, só aceita receber a moeda brasileira, por exemplo, porque ela sabe que quando quiser ela pode trocar esse dinheiro pelos bens e serviços oferecidos dentro do Brasil. Além disso, esse novo sistema dá ao Governo o poder de moderar a inflação ou a deflação simplesmente imprimindo moeda ou tirando-a da economia de forma proporcional à variação do PIB, algo antes impossível.


Ouro nos dias atuais e na Espanha

Assim sendo, é verdade que o ouro deixou de ter aquele papel fundamental na economia que outrora teve, porém, isso não muda o fato de que ele continua sendo um dos materiais mais cobiçados existentes na terra e que sua posse continua sendo sinônimo de riqueza e poder.


Ainda hoje, os governos nacionais têm um enorme interesse em possuí-lo. Em momentos de crises econômicas e incertezas geopolíticas, o ouro se torna, para muitos, a primeira opção de investimento devido a estabilidade do seu preço, algo que nenhuma moeda é capaz de oferecer. Desse modo, o metal dourado serve de reserva econômica para os países, garantindo segurança financeira em situações críticas, sejam políticas ou financeiras, especialmente em cenários hiperinflacionários, nos quais as moedas locais ficam completamente desvalorizadas. Não à toa um quinto de todo o ouro descoberto no planeta está dentro de cofres públicos.


Dessa forma, retomando a análise das possíveis consequências que esse grande roubo teria, analisando especificamente o país ibérico, as 90 toneladas de ouro que a gangue da série deseja roubar representam, aproximadamente, um terço da Reserva Nacional da Espanha, algo avaliado atualmente em 4,05 bilhões de dólares. Isso representaria um montante que corresponde a 0,3% do PIB espanhol atual.


Obviamente nenhum Governo gostaria de ter essa quantia retirada dos seus cofres, e, levando em consideração que o objetivo dessa reserva é atuar em momentos de crise, a Espanha passaria a estar significativamente mais exposta caso tivesse que enfrentar alguma turbulência econômica ou política. Vale ressaltar que, tratando-se dos espanhóis, conflitos políticos são relativamente frequentes, especialmente devido aos movimentos separatistas envolvendo o país Basco e a região da Catalunha. Além disso, o fato de o país estar mais desprotegido contra esse tipo de evento também desestimularia o investimento nele.

Sendo assim, diferentemente do primeiro trabalho realizado pelo Professor e sua equipe (o porquê disso é explicado no outro texto sobre a série), esse assalto provocaria consequências indesejáveis para economia espanhola e seus cidadãos. Talvez se a população local, que tanto torce por esses assaltantes, parasse para ler esse Consulting Post, ela deixasse de apoiá-los...


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