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O preço da imprudência: Como o Brasil chegou na hiperinflação

Atualizado: 13 de abr. de 2021


Em 2015, durante o segundo mandato Dilma, a inflação chegou ao patamar de dois dígitos (10,6%) pela primeira vez nesta década, deixando o governo e a população apreensivos. Contudo, isso não é novidade para aqueles que recordam dos períodos de hiperinflação, sobretudo nas décadas de 80 e 90. As corridas ao mercado no dia de pagamento para que os salários recebidos não perdessem seu valor, remarcações diária dos preços e grandes despensas em casa faziam uma inflação de 10% parecer um sonho. Ainda mais quando a média do período era de 233,5% ao ano. Tendo isso em mente, é essencial entendermos o que causou esse caos econômico para evitarmos a repetição desse cenário.


Causas

Existem diferentes formas de definir o fenômeno da inflação, a mais comum seria o aumento generalizado dos preços de bens e serviços que resulta na perda do poder de compra - compra-se menos com a mesma quantidade de dinheiro – e consequente desvalorização da moeda. Entretanto, fazendo uma análise mais profunda, percebemos que essa situação é, geralmente, um sintoma de um desbalanço entre a oferta e demanda , o qual pode ser resultado de vários fatores.


No Brasil, o descontrole dos gastos públicos, dívida interna e externa elevadas, crise internacional, principalmente a do petróleo, e planos econômicos mal sucedidos resultaram em um caos inflacionário nos anos 70 e 80. Esse fato nos confere o título de país que esteve em tal situação por mais tempo na história. Agora, para entendermos como a situação escalou de tal forma que passamos a apelidar os anos 80 de a - “década perdida”, vamos analisar aqueles que os antecederam.


Década de 70

O Regime Militar (1964-1985) foi marcado pela realização de obras faraônicas, desde projetos de grande infraestrutura, como usinas e rodovias, até um crescimento econômico muito acelerado. Por outro lado, o governo da época não tinha caixa para financiar essas medidas, com isso, o capital foi arrecadado por meio de empréstimos feitos no exterior, resultando em um crescente endividamento externo.


No início dos anos 70, o Brasil contraiu empréstimos externos com base em juros flutuantes, ou seja, aqueles que acompanham algum índice e, por isso, podem variar com o tempo. Como consequência, ficamos vulneráveis à taxa de juros internacional. Isso porque, uma vez que ela aumentasse, o juros da dívida também aumentaria. Sendo assim, desde que essa permanecesse em níveis controlados, o desenvolvimento econômico resultaria no aumento da arrecadação e o governo conseguiria cumprir com suas obrigações financeiras e manter seus gastos internos sem a necessidade de expandir a base monetária - em outras palavras, imprimir dinheiro. Isso, na maioria dos casos, resulta no aumento da inflação, uma vez que se eleva o capital circulante na economia. Isto é, a oferta por esse “produto” (dinheiro) sofre uma expansão, enquanto a demanda, que é pautada na produtividade do país, não acompanhava essa expansão. No entanto, o país não conseguiu controlar essa dívida.


Em 1973 houve o primeiro choque do petróleo. A valorização súbita desse commodity gerou um grande impacto nos países desenvolvidos, pois viram seus custos de importação subirem muito. Em razão desse cenário de crise internacional, não só o Brasil passou a exportar menos, como consequência, verificou-se um aumento na inflação e a balança comercial brasileira - diferença entre as importações e exportações de um país - ficou desfavorável.


Já em 1979, para agravar ainda mais a situação, ocorreu o segundo choque do petróleo. Nesse contexto, os EUA elevaram a sua taxa de juros com intenção de estabelecer uma política de valorização do dólar. Isso porque a alta na taxa de juros de um país diminui a circulação de capital local e atrai capital estrangeiro para a economia (torna-se mais atraente investir em títulos desse país, visto que as maiores taxas de juros provavelmente resultarão em um maior retorno). Assim, aumenta-se quantidade de moeda estrangeira em circulação e a local diminui, por conseguinte, valorizando sua moeda. Em razão disso, os bancos internacionais também elevaram suas taxas com intuito de evitar uma fuga de capital para os EUA devido a maior rentabilidade. Isso, por sua vez, ocasionou a subida da taxa de juros internacional, a qual o Brasil estava vulnerável devido a sua alta dívida externa, que foi agravada por esse aumento.


Nesse momento, para reverter esse quadro, o governo lançou uma medida de controle cambial. Com o propósito de reequilibrar a balança comercial, ele promoveu uma maxidesvalorização da moeda em 30%. Com isso, uma vez que o produto brasileiro fica mais barato, há um crescimento das exportações. Então, por consequência, a entrada de capital estrangeiro no mercado interno aumentou (consideravelmente). No entanto, o aumento repentino da circulação de capital na economia, sem o aumento da produtividade inviabilizou o equilíbrio entre a oferta e a demanda de dinheiro, caracterizando a inflação, como havia sido dito anteriormente. Esse cenário elevou a inflação de 55% para 110% ao ano.


Para explicitar melhor o panorama da economia brasileira na década de 70, podemos observar o gráfico abaixo:



Fica evidente o aumento da inflação e dívida externa, ambas em pontos percentuais do PIB. Esse descontrole é perceptível no ano de 1979, momento no qual a segunda já correspondia a 25% do PIB e a primeira alcançou a marca de 77,2%.


Década de 80

Com o início da década de 80, a conta chegou. Em 1982, houve a moratória Mexicana, quando o governo do México declarou que não tinha condições de pagar sua dívida externa. O FMI, então, começou a cobrar os devedores devido ao risco de outros calotes. Além disso, os financiamentos externos estavam escassos graças à crise proveniente do choque do petróleo. Dessa forma, o Brasil recorreu a uma tática “inovadora”: promoveu outra maxidesvalorização da moeda em 1983, enquanto subsidiava as exportações. Como era de se esperar, obteve o mesmo resultado: a inflação mais que dobrou, de 99,7% foi para 211,0%. Isso ocorreu porque a dívida externa do setor público cresceu graças a essa desvalorização. Então, para cumprir com suas obrigações o governo recorreu ao financiamento interno, emitindo títulos públicos com juros e liquidez altíssimos.


Entretanto, a grande desvantagem desse tipo de capitalização é que, em um cenário de incerteza, somente os títulos de curtíssimo prazo e altas taxas de juros são capazes de financiar o governo. Só assim eles são atrativos o suficientes para os agentes econômicos os comprarem, apesar de suas desconfianças. Seguindo essa linha, o título tem que pagar uma taxa de juros que reflete as expectativas de inflação. Como consequência, aumenta-se o encargo financeiro da dívida, elevando o déficit público.


Esse processo acarreta o aumento da dívida pública, a qual, para ser financiada, exige a emissão de novos títulos com altas taxas. Dito isso, como a expectativa era que a inflação continuasse crescendo, os juros acompanharam essa curva e chegaram a níveis estratosféricos. Em resumo, a alta rentabilidade fazia com que outras aplicações também tivessem um rendimento cada vez maior e, em conjunto com a liquidez dos títulos, faziam com que o governo precisasse injetar cada vez mais dinheiro na economia, tanto para pagar os juros dos títulos, quanto aqueles que já venceram. Dessa forma, com mais dinheiro em circulação, o “preço” do dinheiro cai (e a inflação decola).


Somado a isso, o custo de oportunidade do capital fica muito elevado, ou seja, os investimentos escoam do setor privado para o público devido à diferença de lucratividade. Esse fator desestimula a produção que, consequentemente, diminui a oferta de produtos e aumenta o desemprego.


Os anos seguintes foram marcados por tentativas fracassadas do governo de controlar a inflação por meio de sucessivos planos econômicos. O resultado pode ser melhor explicitado por meio dos gráficos abaixo em paralelo com uma análise mais detalhada de cada um desses planos.



Comportamento das contas públicas federais em percentagem do PIB

Plano Cruzado (1986)

Foi nesse contexto que, em 1986, durante o governo Sarney, foi implementado o Plano Cruzado. Dentre suas medidas estavam a mudança da moeda, do Cruzeiro para o Cruzado, seguido de um corte de três zeros nas notas. Além disso, houve a indexação dos salários a uma escala móvel, ou seja, toda vez que a inflação acumulada desde o último reajuste chegasse a 20%, - os salários teriam um aumento de no mínimo 60% da variação da acumulada. Essa era uma forma de evitar que o cenário inflacionário corroesse o poder de compra do consumidor. Por fim, tivemos o tabelamento de preços e congelamento de salários, em conjunto com a criação dos “Fiscais do Sarney”, medida a qual determinava que qualquer cidadão poderia denunciar o estabelecimento que não se adequasse aos preços estipulados pelo governo.


Inicialmente, o plano obteve relativo sucesso: o tabelamento dos preços e salários fez com que a inflação chegasse quase a zero no mês seguinte a sua implementação. Contudo, com preço tabelado e uma inflação estratosférica, o custo de produzir um mesmo produto muitas vezes não era compensado pelo preço de venda determinado pelo governo. Dessa forma, os mais diversos bens deixaram de ser comercializados. Por outro lado, a demanda não mudou. Logo, com a redução drástica da oferta, o público estava disposto a pagar mais por esses produtos, gerando um mercado paralelo com preços ainda mais altos que os anteriores. O tempo em que o tabelamento dos preços se manteve, em termos legais, reflete seu sucesso e eficiência: no mesmo ano o governo extinguiu a medida.




Plano Bresser (1987)

Ainda no mesmo governo, em 1987, o novo ministro da fazenda, Luiz Carlos Bresser, apresentou um novo plano. Entre suas medidas, estava o congelamento de preços e salários, mas, diferente dos outros planos, teve duração limitada a 90 dias. Além disso, houve a fixação das tarifas do setor público, como energia elétrica e telefonia. Somado a isso, o governo mudou a regra de reajuste mensal: agora o cálculo era feito levando em conta a média geométrica da inflação dos últimos três meses. No âmbito fiscal, a equipe econômica tentava evitar a valorização da moeda para não prejudicar as exportações.


Para surpresa de muitos, de imediato, o plano obteve bons resultados: a inflação caiu para 3,1% em julho e a balança comercial alcançou um superávit de 1,4 bilhões de dólares. Entretanto, assim como o plano Cruzado, as medidas eram insustentáveis a longo prazo e não focaram na fonte do problema: o déficit público. Com isso em mente, quando os reajustes nos preços foram autorizados, a inflação voltou a subir. Além disso, a nova forma de reajuste não acompanhava a inflação. Como resultado, o Brasil declarou moratória da dívida externa e houve uma forte pressão no governo em função da perda dos salários reais e aumento da inflação, que chegou a 14% em dezembro, mês que Bresser pediu demissão.


No ano seguinte tivemos a implementação de outro conjunto de medidas, o Plano Verão. Nele, estavam as mesmas medidas paliativas tomadas nos seus antecessores com adicional de providências de controle fiscal (finalmente estavam atacando a raiz do problema). No entanto, 1989 era um ano de eleição. Então, para não perder capital político, as medidas foram suspensas ou “reavaliadas” pouco tempo após sua implementação. Restou apenas o convívio com a inflação até que se assumisse um novo presidente.


Plano Collor (1990-1991)

Na primeira eleição democrática pós regime militar, em 1990, foi eleito o presidente Fernando Collor de Mello que, como era de se esperar, tinha como foco o controle da inflação. Para isso, ele adotou algumas medidas como reforma fiscal, plano de privatizações, diminuição da máquina pública e o bloqueio de contas correntes e poupança. Essa última pegou muitos trabalhadores e empresários de surpresa, resultando em um quadro de desemprego e forte insatisfação popular, o que pressionou o governo a formular o plano Collor II em 1991.


Nesse novo plano, as principais medidas foram, novamente, o congelamento de preços e salários, desindexação e medidas para equilíbrio fiscal. Ao mesmo tempo, começaram a surgir escândalos de corrupção envolvendo ministros e amigos pessoais do presidente. Posteriormente, ele foi acusado de tráfico de influência, lavagem e desvio de dinheiro, o que culminou no movimento dos Caras Pintadas e, em seguida, na protocolização de seu impeachment. O processo, antes de ser aprovado, fez com que o presidente renunciasse ao cargo em dezembro de 1992.




Plano Real (1994)

Nesse momento, em 1994, com Itamar Franco na presidência da República, o então ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso, formou uma equipe econômica com nomes de destaque e conseguiram chegar a um ponto de inflexão. O brasileiro que já estava cansado de ver os preços decolando, finalmente presenciou uma política de controle inflacionário bem sucedida.


Dito isso, primeiramente precisamos observar o panorama econômico daquele ano: vivíamos um cenário mais otimista, as reservas cambiais estavam altas e o PIB fechou o ano anterior com um crescimento de 5%. Vale ressaltar que, nesse ano, o governo suspendeu o estado de moratória, junto a vários outros países e renegociou a dívida externa, abrindo as portas para o financiamento externo novamente.


Foi nesse cenário que Fernando Henrique lançou um conjunto de reformas, como a previdenciária e de componentes administrativos e patrimoniais, promovendo uma campanha de privatizações. A fim de controlar o déficit público, lançou uma moeda virtual na economia, o URV (Unidade Real de Valor) que tinha seu valor indexado à cotação do dólar. Essa é a descrição mais formal do que foi feito, agora vamos entender.


Uma das grandes sacadas do Plano Real foi a URV. Basicamente, fixava-se os preços em Unidades Reais de Valor, que correspondiam a cotação do dólar comercial. Dessa forma, se algo valesse CR$1000 com o dólar a CR$500 aquilo custaria 2 URV. As pessoas continuavam ganhando e realizando trocas em cruzeiro, mas a cotação dos preços e salários eram feitas em URV. Dessa forma, ainda com uma inflação de 40% ao mês, os preços se mantiveram constantes. Afinal, não importava a quantidade de papel moeda que você usava para comprar algo e sim a sua cotação em URV.


Com isso, os preços dos produtos pararam de subir indefinidamente e as famílias começaram a ter noção do seu gasto mensal. O preço começou refletir as condições de oferta e demanda mais claramente. Fato que, em um contexto de hiperinflação, os aumentos sucessivos tornavam essa essa informação mais turva. Tendo isso em mente, recuperou-se algo que há muito tempo não se tinha no Brasil, a percepção relativa dos preços.


Um fato curioso que demonstra a eficiência dessa moeda foi que o próprio mercado começou a converter os produtos em função dela. Em outras palavras, não houve decreto ou imposição estatal que os comerciantes deveriam cotar os produtos em URV ou que as famílias deveriam controlar suas despesas dessa forma. Nesse sentido, o fato de se recuperar a noção de preço fez com que a sociedade brasileira aderisse a moeda de forma natural.


Em junho de 1994 a Unidade Real ganhou uma cédula, virou o Real e a economia foi desvinculada das taxas de inflação. Em adição a isso, o governo se mostrou comprometido em limitar a emissão de novas moedas, o que restringiu a expansão da base monetária. Além disso, elevou o depósito compulsório para 100%. Isso quer dizer que, quando alguém depositasse uma quantia no Banco, o mesmo não poderia converter esse dinheiro na forma de empréstimo para um terceiro (por exemplo, caso o governo tivesse estipulado uma taxa de 50%, ele poderia converter metade desse depósito em crédito, o que colocaria mais dinheiro circulando na economia). Por fim, dado às altas reservas, o Banco Central manteve o real valorizado frente ao dólar para facilitar a implementação da moeda e coibir novos picos de inflação. Estava acabado o problema da hiperinflação brasileira.


Inflação mensal discriminada por plano econômico

No entanto, o desequilíbrio fiscal ainda era uma realidade. As medidas implementadas no Plano Real controlaram o déficit durante um tempo. Contudo, o ajuste fiscal só foi possível com a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) no segundo mandato do governo seguinte, em que Fernando Henrique foi eleito presidente. Essa lei consistia, basicamente, de regras a serem seguidas, passíveis de punições, quando se trata de gestão de verba pública. Com o intuito de prevenir que o governo gaste mais do que possa pagar. Tínhamos, então, regras claras que ajudavam assegurar que o governo conseguiria arcar com seus compromissos financeiros. Um exemplo a ser destacado é que o governo não podia contrair despesas continuadas (com prazo maior que dois anos) sem comprovar uma fonte de receita ou redução de outra despesa. Dessa forma, a implementação da LRF permitiu ao país um ajuste fiscal mais eficiente.


Cenário Atual

Dado nosso histórico inflacionário, podemos afirmar que o brasileiro hoje convive com uma inflação relativamente baixa. Na última década esse índice ultrapassou a marca de 10% anuais apenas em 2 anos: 2002 e 2015. Em contraste aos três dígitos das décadas anteriores.


Inflação de 1997-2017

O controle da inflação, atualmente é feito, principalmente, pela variação na taxa básica de juros (Selic) como mecanismo de desestímulo ao consumo. Isso porque, com sua elevação, os juros a serem pagos para pegar um empréstimo no banco sobe. Sendo assim, o acesso a crédito é reduzido e, por consequência, o consumo diminui. Isso, por sua vez, reduz a demanda, o que pressiona os preços para baixo.


Com isso em mente, percebemos que as medidas adotadas pelo governo atualmente são muito mais prudentes que durante o período analisado no texto. Ainda assim, percebemos a repetição de certas práticas características do período analisado anteriormente. Pode-se analisar algumas delas:


Em 2014, por ser ano eleitoral, as tarifas de água, energia, combustível e transporte público não sofreram reajuste para evitar desgaste político. No entanto, a correção teria que ser feita em algum momento, então, em 2015, a conta de luz, água e gasolina subiram. Em função disso, além do próprio aumento representar uma pressão inflacionária, os preços dos produtos ficaram mais altos. Isso porque, os produtores, lojistas e outro setores produtivos repassaram esse custo adicional para o consumidor final. O resultado final foi uma inflação de 12,53%, a maior desde 2002.


Em conclusão, percebemos que algumas práticas ineficientes de controle inflacionário ainda são usadas. Contudo, o governo Brasileiro, depois de diversas tentativas e frustrações, conseguiu reverter o quadro na hiperinflação, chegando a relativo equilíbrio que vivemos hoje. Dito isso, não devemos cometer o mesmos erros do passado, o ajuste fiscal, então, deve ser prioridade para que possamos encontrar o rumo definitivo para o desenvolvimento.


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