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Sistema de Preços: Tomando Decisões Economicamente Racionais

Suponha que você é responsável pela produção em uma fábrica. Há duas formas de se produzir o produto principal da sua empresa: utilizando a matéria prima A, ou a matéria prima B, e ambas as formas agregam o mesmo valor no produto final. Você provavelmente quer escolher a opção mais barata, tendo isso em mente, quais fatores você levaria em consideração ao escolher entre uma das duas?


Poderíamos levar em conta a quantidade existente da matéria prima disponível. Isso provavelmente depende da facilidade de extração dela da natureza, e da facilidade com que são feitos os processos de tratamento. Podemos considerar também a dificuldade de trazer cada uma delas até a nossa fábrica, ou seja, a distância talvez importe, assim como o meio de transporte a ser utilizado. Se a quantidade disponível dessas matérias primas é, de fato, limitada, temos de analisar também a demanda. Quantas outras fábricas também possuem interesse nessas matérias primas? Será que elas também possuem outras opções?


Fica claro que, para tomar a melhor decisão, precisamos dispor de informação e analisá-la, a fim de comparar as possibilidades. No entanto, ainda que você disponha de todos essas dados, e consiga equacionar todas essas variáveis, isso levaria muito tempo, o que nos leva ao questionamento: como é possível que estejamos tomando decisões economicamente racionais todos os dias? Para os economistas, a resposta para essa questão é o sistema de preços. É somente por meio dele que é possível ir ao mercado e comprar um saco de arroz sem ter de saber sobre as condições da chuva na China ou a produção de fertilizantes nos Estados Unidos; todas essas informações estão embutidas no único valor que vemos na prateleira. Por mais simplório que isso possa parecer, desde a Crise de 29 até a queda da União Soviética, são muitos os eventos históricos que demonstram a importância desse sistema.


As Crises Econômicas

A Grande Depressão, em 1929. A crise do Subprime, em 2008. A atual crise brasileira. Por que tantas crises acontecem? Aparentemente, as recessões existem porque pessoas e empresas tomam decisões econômicas ruins, como a superprodução em 1929, investimentos em hipotecas de alto risco em 2008, por exemplo. Portanto, a pergunta por trás das recessões é: o que faz com que tantas pessoas tomem decisões economicamente erradas de uma só vez, e na mesma direção? E por que os melhores investidores e CEO’s do mundo continuam cometendo esses mesmos erros de tempos em tempos?


Vamos analisar o problema pela ótica que estamos adotando no artigo: agentes econômicos (pessoas, empresas ou governos) tomam decisões econômicas (financiar um imóvel, comprar algo com o cartão de crédito, construir uma nova fábrica) com base nas informações disponíveis sobre os bens. Se o sistema de preços é a melhor informação disponível para essas decisões, podemos supor que existe algo de errado com ele que tenha levado tantas pessoas na direção errada em todos esses crashs.


No entanto, o fato é que, quando examinamos o sistema de preços, pelo menos em seu conceito teórico, o que temos é um sistema extremamente balanceado entre, literalmente, bilhões de agentes econômicos, cada um responsável pelas suas próprias decisões, ajudando a definir os preços. Em sistemas como esse, em que o risco é tomado de maneira dispersa, todos os dias, por diferentes pessoas, deveria ser impossível que todos errem juntos, na mesma direção e ao mesmo tempo.


A resposta para essa pergunta é: alguns players possuem uma força econômica tão grande que, seus erros, sozinhos, são capazes de causar distorções muito grandes no sistema de preços, ou, pelo menos, de arrastar outros players menores junto, e, aí sim, distorcer as informações na economia. Grandes corporações, bancos de investimento e agências de rating conseguem, muitas vezes, causar distorções grandes, mas nada se compara ao poder do Governo.


Suponha uma política de incentivo ao crédito por parte do governo, ou seja, uma redução artificial na taxa de juros. A taxa de juros pode ser entendida simplesmente como o preço do dinheiro, ou seja, carrega em si a informação da oferta de dinheiro guardado (disponível para empréstimo e consumo futuro) e da demanda por empréstimos na economia. Uma taxa de juros baixa significa que há muito dinheiro para ser emprestado, o que, naturalmente, torna os investimentos mais atrativos. Se existe dinheiro guardado (a final, algum dinheiro precisa ter sido poupado para ser então emprestado), as pessoas terão dinheiro para comprar os produtos que foram criados a partir desses investimentos feitos.


Uma taxa de juros alta, por outro lado, é o resultado de uma menor oferta de dinheiro para ser emprestado, e tornará os investimentos menos atrativos, o que é bom, pois não existe dinheiro poupado para pagar pelos bens que serão produzidos pelos possíveis investimentos. Entretanto, quando temos uma redução artificial da taxa de juros, está sendo transmitido um sinal falso de que existirá demanda por consumo no futuro, o que não pode ser verdade pois não houve poupança prévia.


Apesar disso, os investimentos serão feitos, pois o investidor está se guiando pelo preço do dinheiro (juros), que está baixo. Futuramente, percebe-se que tais empreendimentos eram ruins, pois a população não possui riqueza real para consumir novos produtos. Inicia-se, então, a fase de quebra dos investimentos ruins e de retração econômica. Por fim, vale observar que, por pior que seja viver esse período de retração, ele é, na verdade, uma correção no mercado, que traz de volta a racionalidade nos investimentos; o verdadeiro problema encontra-se na expansão descabida e artificial.


A fome na URSS

Dimitri é o funcionário do governo socialista responsável por distribuir a produção de trigo da União Soviética entre as diferentes regiões do país. O trigo é um recurso escasso, ou seja, sua disponibilidade é limitada, de forma que a quantidade total de trigo demandada pela população da URSS, muito provavelmente, será maior do que a quantidade total disponível.


Ao determinar como um bem deve ser distribuído, Dimitri precisa ser capaz de analisar em quais cidades a demanda por trigo é maior (que, nesse cenário, se resume a identificar qual cidade possui mais fome), e direcionar a produção de trigo para essas cidades. Como não dispõe de um sistema de preços, pois não há diferentes produtores e compradores demandando e ofertando trigo simultaneamente, a produção precisa ser distribuída de forma “arbitrária”.


A população da União Soviética era de 291 milhões de pessoas em 1991 (o Brasil atualmente tem 200 milhões), de forma que é impossível “perguntar” para as pessoas quem mais precisa de trigo ou está passando fome. Ainda que isso fosse possível, como iríamos definir numericamente o valor da necessidade de cada um? Joãozinho acaba distribuindo o trigo da melhor maneira possível de acordo com as informações que possui, mas, uma vez que são extremamente limitadas frente à complexidade do problema, a alocação não é economicamente racional, ou seja, temos quantidades insuficientes sendo direcionadas para algumas cidades, e quantidades em excesso para outras.


De fato, estima-se que mais de 5 milhões de pessoas morreram de fome entre 1920 e 1923, logo após a Revolução Russa. Outros 5 milhões morreram de fome só entre os anos de 1932 e 1933 no território que atualmente pertence à Ucrânia. Desta forma, é evidente que o sistema de preços é essencial não só para distribuir os produtos de forma racional, mas também para que seja possível determinar quais produtos devem ser produzidos. Uma vez que nenhum produto podia ser produzido de forma economicamente racional na URSS (pense no problema das matérias prima A e B nesse cenário), é fácil entender a queda dessa grande potência, e o estado de ruínas que estavam, em 1991, os países que a integraram.


Enquanto isso, John, o funcionário de uma empresa inglesa que produz trigo, não precisa saber nenhuma característica demográfica sobre nenhuma cidade da Inglaterra ou do mundo. Só o que ele precisa saber é que a cidade na qual o preço do trigo é maior é aquela onde a relação oferta x demanda está mais desbalanceada e, portanto, é a que mais necessita de trigo.


Bitcoin e o Sistema de Preços

Tendo examinado a importância do sistema de preços em alguns eventos históricos, podemos também nos questionar sobre o seu papel para o nosso futuro. Um tema extremamente debatido recentemente é se o preço atual do bitcoin (cerca de 69 mil reais), se trata ou não de uma bolha. Um bem na economia é precificado de acordo não só com o seu valor atual, mas com aquele valor que ele possa vir a ter no futuro.


Para responder se o preço atual de um bitcoin é justo ou não, precisaríamos ser capazes de dizer o papel que uma moeda virtual virá a desempenhar nos próximos anos. O número de bitcoins disponíveis sempre será limitado: a quantidade de novos bitcoins “minerados” diminui a cada dia, até que chegará a 21 milhões, que será o número máximo. Agora vamos supor dois cenários extremos:


No primeiro, vamos supor que, devido às suas diversas vantagens em relação a uma moeda governamental, o bitcoin será amplamente utilizado como moeda de troca. Se 5% das reservas monetárias internacionais (o iene japonês, por exemplo, equivale a 4%) forem traduzidas em bitcoins, o preço de cada bitcoin poderia mais do que triplicar.


Se, por outro lado, tivermos um cenário como o proposto por Kenneth Rogoff, ex-economista chefe do FMI, onde os governos irão “caçar” o bitcoin, tornando-o ilegal, criando criptomoedas estatais, ou manipulando seu preço através do uso de suas reservas, então, o bitcoin poderia ser inútil, e seu valor, eventualmente, chegaria a zero.


É impossível definir quanto das moedas atuais será traduzido em bitcoin; isso está muito além do escopo deste artigo, mas, para ter o máximo de informações possível para tomar uma decisão economicamente racional, continue lendo o nosso blog!

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