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Uma análise econômica e política do caso JBS

Um panorama geral


No dia 17 de maio de 2017, quarta-feira, o Brasil se abalou com a notícia que revelou detalhes do que talvez tenha sido a delação mais impactante já registrada pela operação lava-jato. No furo, o presidente do país, Michel Temer, foi gravado, em áudio, aparentemente dando anuência ao mega-empresário Joesley Batista, ex-CEO da JBS, para a compra do silêncio do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Deixando à parte a investigação das intenções político-financeiras dos envolvidos nesse episódio, é relevante fazer uma análise da repercussão econômica, política e social de uma revelação pública dessa magnitude. Nesse contexto, testemunhou-se como a corrupção institucionalizada entre uma grande empresa e o governo brasileiro, revelada e repercutida pelo inerente poder midiático moderno, foi capaz de gerar grande instabilidade em um país.


Primeiramente, é importante ressaltar que não é a primeira vez que a JBS tem uma repercussão negativa em nível nacional. A operação Carne Fraca, que se iniciou pouco antes do escândalo envolvendo o presidente, realizada pela Polícia Federal Brasileira, revelou que o conglomerado adulterava a carne que vendia no mercado interno e externo. As consequências foram marcantes: dentre mais de 1 bilhão de reais apreendidos em bens, e perdas de cerca de 10,5% no preço das ações da empresa no dia seguinte à divulgação, um indicador que bem exemplifica a dimensão do impacto dessa revelação é que, segundo pesquisas feitas pela consultoria britânica Dunnhumby, 60% dos brasileiros diminuíram seu consumo de carnes nos dias subsequentes ao escândalo.


Paralelamente ao quadro da falta de confiabilidade que o maior frigorífico do mundo enfrentava, o pior ainda estava por vir, pois o presidente da JBS, Joesley Batista, estava sendo investigado na Operação Lava Jato por suspeitas de corrupção ativa na compra de influência e poder dentro do Congresso Nacional, sendo então convidado a participar de um acordo de delação premiada. Nesse momento, acreditamos ser agregador ao leitor que façamos uma pausa para explicar brevemente a genialidade desses acordos de delação, e porque, por raciocínio matemático, a Polícia Federal sabe que tem grandes chances de obter a colaboração dos convidados.

Imagine que você e um comparsa foram presos por fortes suspeitas de participação em um crime, e a ambos foi estabelecida a pena de 1 ano. Aos dois foram oferecidos acordos de delação premiada, com as seguintes condições:

• Você não confessa e cumpre a pena de 1 ano à qual já se encontra condenado, caso o comparsa fique calado também.

• Você confessa todo o crime, entregando o comparsa e o condenando a 10 anos, e é solto.

• Você fica calado e tem que cumprir 10 anos de pena, caso o comparsa te entregue.

• Você e seu comparsa confessam, sendo ambos condenados a 5 anos.


Quadro de possibilidades da situação proposta


Esse é o famoso problema do “dilema do prisioneiro”, situação proposta para exemplificar o argumento geral da teoria dos jogos. Dessa forma, o melhor quadro mútuo seria se os dois suspeitos permanecessem calados, mas isso não acontece usualmente. A tentação de confessar e ser livre da pena, em conjunto com a incerteza da confiabilidade do seu comparsa, induzem a situação onde os dois prisioneiros se entregam. Transferindo essa analogia para o contexto das delações premiadas, as ameaças volumosas da Polícia Federal caso não haja cooperação do intimado, em conjunto com os benefícios oferecidos caso haja anuência, fornecem motivação suficiente para que este sempre escolha pela delação.


Voltando ao caso de Joesley Batista, este foi conivente com o acordo proposto e, dentre outras informações fornecidas à Polícia Federal, revelou a já citada conversa com o presidente Temer. Em relação ao respaldo, primeiramente é importante fazer uma análise das reações do mercado, pois este respondeu ao acontecimento de forma expressiva, visto que, pela primeira vez desde 2008, as operações na bolsa de valores brasileira foram interrompidas durante 30 minutos.


Sobre o impacto econômico


Para agora analisarmos os impactos econômicos da notícia, primeiro explicaremos o mecanismo que fez com que ocorresse essa paralisação na bolsa, citada ao final do parágrafo anterior. Tal instrumento chama-se Circuit Breaker, e serve como uma forma de proteção da bolsa de valores, para que a desvalorização não caia além de certo patamar (-10%). A ideia é que essa pausa nas negociações sirva para acalmar os ânimos dos investidores, de forma que eles ajam de maneira menos impulsiva e especulativa quando o pregão reabrir. No dia seguinte ao da delação da JBS, o Circuit Breaker foi acionado quando a bolsa regrediu em 10,47%. Abaixo seguem alguns exemplos históricos quando o Circuit Breaker foi acionado na bolsa brasileira. É possível, por comparação, entender a magnitude do impacto do caso JBS no mercado.


Para uma visão um pouco mais individual, também podemos analisar a queda de alguns dos papéis mais expressivos em nível nacional:



Mas por que houve tanta desvalorização no mercado de ações? Na verdade, o primeiro dia após uma grande reviravolta no cenário político-econômico usualmente apresenta reações mais bruscas. A especulação entra em cena e as ações reagem desproporcionalmente à real situação, tendo como principal motivo para a queda dos papéis a falta de confiabilidade no mercado brasileiro. O que acontece é uma reação em cascata; primeiramente a JBS, por senso lógico, tem seus ativos desvalorizados, tendo em vista o envolvimento explícito em corrupção, causando assim uma incerteza no futuro da empresa perante os investidores. Só a variação das ações de uma corporação desse porte já seria suficiente para causar alguma turbulência no mercado de ações, mas como o envolvimento é com o presidente da república, a situação toma outra dimensão.


Nesse caso, a própria credibilidade do Brasil entre em xeque, ou seja, os rumos do país se tornam nebulosos após uma revelação dessa ordem, e os investidores retiram o dinheiro investido em papéis nacionais e o transferem para ativos que julgam mais confiáveis. No episódio em questão, um dos principais impactos foi o revés na aprovação das reformas governamentais (como a da Previdência, por exemplo), resultando na manutenção e ampliação do déficit fiscal brasileiro, e consequente insegurança no pagamento de dívidas. É aí que entram em cena dois indicadores muito relevantes para se analisar a situação econômica do país: O dólar e o CDS. O dólar americano sempre tende a se valorizar em relação ao real em situações de instabilidade brasileira, pois é um investimento sólido e de baixo risco; sendo, portanto, uma medida de segurança para os investidores. Abaixo, segue a evolução da cotação do dólar no dia posterior à notícia, é possível notar uma subida vertiginosa, se comparada aos outros dias.




Já no caso do CDS, a situação é um pouco diferente. CDS é sigla para Credit Default Swap, e em sua definição mais sucinta, é uma espécie de seguro contra o calote. Novamente, acreditamos que uma explicação mais detalhada seja agregadora para o leitor, então, para entender o CDS, propomos a situação hipotética descrita abaixo.


Imagine que você está em um jogo de futebol, no qual jogam o time A e o time B, acompanhado de 2 amigos. Suponhamos então que você aposte com um deles sobre quem vai ganhar esse jogo: Você aposta no time A, e ele no time B. Em qualquer aposta, existe o risco de calote, ou seja, de que a parte perdedora não honre sua obrigação de pagar. Sabendo dessa possibilidade, você propõe então ao seu outro amigo o seguinte negócio: em troca de seu dinheiro (dado sob a forma de prêmios), ele assume o risco do calote. Isso essencialmente significa que ele pagaria a você o valor da aposta, caso o primeiro amigo não honre com sua obrigação. Caso não haja calote, ele irá lucrar, graças ao dinheiro que você o ofereceu, em troca de assumir esse risco.

Essa troca de riscos entre você e seu segundo amigo chama-se CDS, e o pagamento da “segunda aposta” seria feito por meio de prêmios, que são quantias fixas, pagas periodicamente, como uma semestralidade por exemplo, cujo valor depende, principalmente, do nível de confiabilidade do seu primeiro amigo em ser ou não ser inadimplente, ou seja, do risco de calote. Trazendo essa lógica para a realidade, o amigo com quem você inicialmente fez a aposta seria o Brasil, e os investidores sentem medo de que o país não honre com suas dívidas devido ao estado de calamidade social e política vigente. No episódio da JBS, o índice CDS subiu 60 pontos (aumento expressivo) em poucas horas, o que indica que, o risco de calote aumentou no olhar dos investidores.


Mas e a JBS? Como o conglomerado reagiu a toda essa situação? O caso ficou ainda mais polêmico, pois tanto a empresa quanto Joesley Batista e seu irmão Wesley compraram uma grande quantidade de dólares logo antes da delação vir ao público. Além disso, os irmãos Batista venderam quantidades consideráveis de suas ações nesse mesmo intervalo de tempo. Essa é uma jogada inteligente, pois tendo conhecimento do conteúdo das gravações, era presumível a valorização do dólar e a desvalorização das ações da JBS, logo essa era seria uma boa prevenção, certo? O único problema é que isso é considerado ilegal, e chama-se Insider Trading (informação privilegiada), que se categoriza quando um investidor utiliza de informações prévias e não divulgadas para obter vantagens desleais. Dessa forma, a JBS e outros agentes relacionados, como o Banco Original, estão, até hoje, hoje sendo investigados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para entender se realmente houve o uso de informações privilegiadas para ganhos próprios, levando em consideração as gravações não divulgadas.


Nesse sentido, no que tange aos impactos na economia do país, observou-se um claro aumento na desconfiança do Brasil, tal como indicado pelo dólar e CDS, além de um ponto de retrocesso na aparente retomada econômica que vinha sendo apresentada nos meses anteriores ao escândalo. Além disso, existem entidades de mercado tais quais a Standard & Poor´s, Moody´s e Fitch que analisam e interpretam a evolução desses indicadores, no sentido de oferecer uma classificação de confiabilidade que configura o risco de investimento no país. Essas são as famosas agências de risco, que diminuíram a “nota” do Brasil no quesito confiabilidade graças à instabilidade política e econômica que o país vem apresentando. Tal quadro afasta muitos investidores, e o episódio JBS & Temer foi um dos principais agentes para essa avaliação do país. Abaixo, segue o quadro das notas do Brasil em 11/11/2016. Até pouco antes do escândalo, a agência de risco Moody’s considerava a perspectiva do país como estável, e não mais como negativa, apesar de manter a classificação de risco como Ba2. Isso indicava maior confiança da empresa na recuperação da economia brasileira, que apresentava sinais de estabilização, até que fosse divulgada a notícia do episódio, fazendo com que essa perspectiva rapidamente se tornasse negativa novamente.




O último indicador relevante a se apresentar para concluir essa análise é o aumento na taxa de juros diários, calculados pela Cetip, empresa de capital aberto, cuja fusão com a BMF&Bovespa (antiga bolsa de valores brasileira) resultou na atual bolsa do país, a B3. Uma das razões do seu aumento é que, com a alta da incerteza e da instabilidade política e econômica do país, refletida no aumento do risco de investimento no Brasil, as projeções para os juros diários disparam. Isso ocorre, pois eles dependem muito da credibilidade do país com relação ao retorno financeiro e o risco de calote. Se houver uma instabilidade no mercado que faça com que haja uma grande possibilidade de inadimplência, os juros necessários para que o acordo seja atrativo para quem assume o risco devem ser maiores. Abaixo seguem as curvas de juros diários brasileiros, nos dias anteriores e seguintes à divulgação da delação.





Essa tabela traz a projeção de como os juros do país vão se comportar pelos próximos 5 anos. Podemos ver que a projeção feita no dia 18 é a curva que retorna a maior taxa de juros, mas novamente é importante ressaltar que análises mais drásticas são realizadas imediatamente após a calamidade acontecer, ou seja, assim que os ânimos se acalmam o mercado consegue dimensionar a real situação do problema e agir e reagir de acordo.


Sobre o impacto social e político


Passando agora para os impactos políticos e sociais, a primeira reação natural foi a desaprovação absoluta pela população de um governo que já era considerado extremamente impopular. As fortes provas de que houve corrupção pelo presidente do país abalaram qualquer esperança de confiabilidade do brasileiro em seu governo, sentimento esse que, infelizmente, se transfere em descrença no futuro do Brasil como um todo. Nesse sentido, não foram poucos os protestos e manifestações de grupos de todas as ideologias em razão de algum esclarecimento de contas. Nossa análise, entretanto, se refere aos abalos que a delação traz para a os projetos do governo, principalmente as já mencionadas reformas, e para a governabilidade do presidente Temer, que categoricamente anunciou que não iria renunciar.


No que tange a Michel Temer, foram lançados nada menos que 14 pedidos de impeachment de diferentes partidos e coligações em um intervalo de 2 semanas após a delação. Houve também renúncia e troca de seus ministros, renúncia da ex-presidente do BNDES Maria Silvia, e diversos outros acontecimentos que marcaram o turbulento período que sucedeu a notícia em questão. Em suma, a sua capacidade de governar foi consideravelmente afetada, fato esse que fez muitos analistas acreditarem na iminente necessidade de renúncia do presidente, mesmo que este fosse veementemente contrário à essa alternativa. Em somatório a este quadro, Temer enfrentou insegurança até mesmo em sua condição de liberdade, pois a Procuradoria Geral da República abriu um inquérito no qual o presidente teve que responder ao Supremo Tribunal Federal por 3 crimes: Corrupção passiva, obstrução de justiça e formação de quadrilha, cujas denúncias foram arquivadas.


O ponto, entretanto, mais importante para nossa análise é a incerteza na continuidade das votações para a implementação das reformas governamentais. Como já foi mencionada anteriormente, essa situação é especialmente relevante para o mercado, pois para muitos economistas, a condição de sobrevivência financeira e combate do déficit fiscal brasileiro dependem, especialmente, da aprovação da Reforma da Previdência. Aqui, acreditamos novamente que é relevante para o leitor a explicação da suposta necessidade dessa reforma.


Primeiramente, é interessante expor a situação do déficit atual do Brasil. Segundo dados do Ministério da Previdência Social, o déficit atuarial (resultado negativo entre receitas e despesas previdenciárias dos próximos 75 anos levadas a valor presente por uma taxa de desconto factível) relativas aos Regimes Próprios de Previdência Social (dos servidores públicos da União, estados e municípios), foi, em 2015, de 5 trilhões de Reais. Tenha-se em mente, para entender a magnitude dessa cifra, que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, no mesmo ano, foi de 5,77 trilhões de Reais. Além disso, em 2016, os gastos na Previdência Social corresponderam por 30,73% (dados do RREO, dez/2016), contra 10,56% referentes aos gastos com as funções Saúde, Educação e Segurança Pública somadas.


Essa situação atingiu tal patamar, porque o montante das contribuições advindas do INSS é inferior ao somatório destinado aos beneficiários, ou seja, os aposentados que recebem a previdência. Para agravar esse contexto, as projeções etárias da sociedade brasileira apontam para um envelhecimento geral da população, como mostrado na imagem abaixo, isso significa mais beneficiários e menos contribuintes.




Esse contexto é considerado insustentável por vários especialistas e entidades econômicas, e a proposta de Reforma da Previdência era vista pelo mercado como uma medida eficaz para combater o déficit fiscal. Antes da divulgação das gravações de Temer, o cenário era considerado muito propício para a aprovação dessas mudanças, pois o governo tinha maioria na Câmara e era considerado impopular, então por mais “salgada” que fosse a reforma na visão do povo, era de se esperar que o presidente e seus aliados não recuariam por pressão social.


Hoje o cenário é bem diferente. Com a falta de governabilidade já citada que a base aliada vem experimentando, toda essa confiança no procedimento de implementação das reformas foi abalada. Questiona-se se o governo terá força política para conseguir os votos necessários para aprovação, pois afinal nenhuma entidade política gostaria de ter seu nome atrelado a um projeto sancionado por um governo universalmente taxado como corrupto. Além disso, os grupos sociais populares que são contrários à reforma se beneficiam com a situação, ganhando força de argumento por sempre terem sido contrários a Temer e seus projetos. Entre tantas preocupações para a aprovação da reforma, a recente intervenção do exército é outro fator que torna ainda mais incerto que isso ocorra, uma vez que não é possível se aprovar emendas durante períodos de intervenção. Em suma, os obstáculos para que a reforma seja aprovada agora são maiores, e, embora a Reforma Trabalhista tenha obtido êxito em sua aprovação, ainda há muitas incertezas em relação à outra.


Ainda assim, o governo trata a Reforma da Previdência como pauta e agenda, alegando que sua necessidade não se trata de questões políticas, mas sim da própria sobrevivência e sustentabilidade financeira do país. Nesse sentido, a partir de tudo o que vimos na matéria, a reforma entra como um ponto decisivo, pois sua aprovação ou reprovação impactará diretamente nos rumos do crescimento do país, da situação econômica, e da própria sociedade brasileira como um todo.


Sobre o futuro da reforma, e, consequentemente, do país, é difícil se afirmar, mas uma certeza que temos é que o caso JBS & Temer ficará registrado na história brasileira como um dos maiores escândalos políticos da República brasileira.


Escrito por João Guilherme Pacheco e Gabriel Chein

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