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A arte da negociação

Pedir pra tirar alguns dias de férias ao chefe nem sempre é tarefa fácil, bem como comprar um produto/serviço com um orçamento apertado. Não só isso, impasses familiares delicados também perturbam a cabeça de muitos. Nosso cotidiano está repleto de situações dos mais diversos aspectos nas quais precisamos chegar a um consenso ou entendimento comum, estejam elas no trabalho, em ambientes comerciais ou até dentro de sua casa. Nesse sentido, é possível perceber o quão presente está a necessidade de saber negociar no nosso dia a dia. Ela é extremamente relativa, depende de muitos fatores e, certamente, não possui gabarito nem fórmula pronta. No entanto, valem ser ressaltados alguns temas, perspectivas e técnicas que podem contribuir para que se alcance o resultado esperado.


Primeiramente, é imprescindível que alguns tópicos básicos sejam colocados em pauta. Segundo William Ury - fundador do programa de negociação de Harvard - em uma negociação não há vencedores. O objetivo, hoje, está cada vez mais na formação de alianças de longo prazo. Isso significa, em uma visão mais próxima da realidade, que, em uma negociação, os dois lados têm que sair satisfeitos com o acordado, tendo perspectivas de voltarem a se relacionar. Ainda nesse contexto, entender os anseios do outro lado é essencial para que se possa chegar no ponto ótimo, com benefícios para todos. Por fim, é importante ter em mente também que situações conflituosas internas, com chefes e colegas, por exemplo, são sempre mais complicadas, ainda mais com membros da família. Isso porque nesses casos a emoção domina, quando, na realidade, precisamos de muita racionalidade e calma, e é exatamente sobre isso que trataremos agora.


Iniciando com uma ilustração retirada da Harvard Business Review Brasil: Um empresário de atletas americano, Donald Dell, em seu início de carreira, enfrentou uma situação um tanto quanto desestabilizadora com a marca de raquetes de tênis Head. O tenista Arthur Ashe tinha 5% de todas as vendas, como forma de patrocínio. No entanto, uma nova controladora da empresa queria desfazer esse acordo, enquanto o jogador e seu empresário (Dell) queriam manter. Durante a negociação, o presidente da Head entra na sala e diz “Caramba! É um disparate! Ele ganha dez vezes mais do que eu, que sou o presidente da empresa!”. Naturalmente, o clima não ficou nada tranquilo. Dell, nesse momento, responde com bom humor “É, mas o Arthur tem um serviço muito melhor que o seu.” (no tênis, o serviço é o saque). Todos riram e a negociação foi retomada, sendo, ao fim, proveitosa para ambos os lados.


Situações como essa demonstram uma característica muito importante de um bom negociador, a de manter o equilíbrio em momentos de tensão, sabendo reagir a eles sem perder a cabeça e, potencialmente, prejudicar o negócio. É exatamente nesses momentos que o fator emoção entra em destaque. Neles, é preciso saber lidar com as próprias emoções e com as emoções dos que estão à sua volta. A capacidade de fazer tal coisa foi denominada pelo psicólogo e autor de diversos best-sellers sobre o tema, Daniel Goleman, de Inteligência emocional, e ela é essencial para conseguir, de certa forma, orquestrar a negociação, cativando os envolvidos e tendo uma boa relação com eles. Nesse contexto, podem haver turbulências emocionais antes, durante e depois da negociação em si. As que ocorrem antes (1 e 2) e depois (3), geralmente estão associadas à:


(1) Falta de controle da situação, em uma tentativa de conseguir algo que não tem decisão dependente de apenas uma das partes.

(2) Imprevisibilidade. São muitas as variáveis que surgem durante o processo.

(3) Carência de feedbacks. É sempre muito difícil mensurar o quão bem sucedida foi uma negociação, visto que é impossível fazer ao outro lado perguntas como “Acha que eu poderia ter conseguido um resultado melhor? Deveria ter te pressionado mais?”


Dificilmente serão encontradas dicas que poderão solucionar completamente esses problemas, mas um bom começo é ter confiança em seu discurso e argumentos - quanto mais acreditarmos que a negociação realmente é vantajosa para ambos os lados, mais estaremos confiantes e preparados para negociar. No que tange às tensões durante a negociação, algumas técnicas podem ser empregadas para que o equilíbrio seja retomado. A primeira estratégia seria interrompê-la por algum tempo, retirar-se do recinto para aliviar um pouco a mente. Na impossibilidade disso acontecer, deve-se desviar um pouco o rumo da conversa, tentando focar em preocupações mais gerais e tranquilas de chegar a um ponto consensual, visando à sensação de retomada do controle e da concentração.


É importante levar em conta, também, que em uma negociação muitas frentes de atuação podem existir. Por exemplo, ao negociar com um político, não se deve ter a visão restrita de que ele é o único com quem você terá de lidar. Talvez seja importante conversar com seus doadores de campanha também. O mesmo acontece em uma negociação com o CEO de uma empresa, deve-se procurar estabelecer contato com seus grandes clientes, e também com aliados que possam fornecer recursos e informações úteis. Essas novas frentes de atuação devem ser administradas de forma adequada, para que a campanha de obtenção de apoio e aprovação de parceiros - como os doadores do político e os clientes do CEO - dê certo. Em um acordo em que empréstimos sejam muito relevantes, por exemplo, vale atuar primeiro na frente financeira e depois nas demais.


Agora trabalharemos um conteúdo mais voltado para a negociação na prática, sugerindo dicas simples e que podem ser de extrema eficácia. Reitera-se o fato de que não há certo ou errado, mas algumas sugestões convém à grande parte das ocasiões (serão dadas as sugestões em função de ambientes comerciais, mas o mesmo se aplica aos demais contextos).


  1. Planeje-se e tenha seus valores em mente. Antes do início da negociação, avalie quais serão seus pedidos. No caso de um ambiente comercial, seu valor inicial (asking price) naturalmente deve ser acima do valor que espera fechar o acordo (target price). Tais valores devem ser sempre bem justificados, demonstrando seus principais obstáculos e anseios. A imagem a seguir ilustra bem isso, em que há a faixa de atuação do vendedor (seller’s range) - com o pior e o melhor caso -, e a faixa de atuação do comprador (buyer’s range) - também com o pior e o melhor caso. No meio, está a ZOPA (zona de possíveis acordos), na qual provavelmente haverá um consenso. Fora dessa zona os limites dos negociadores são ultrapassados, o que, na maioria dos casos, impossibilita o acordo.

  2. Sempre que possível, lance o primeiro valor. Isso se baseia em um princípio de ancoragem mental, em que os preços no decorrer da negociação terão uma tendência a girar em torno do primeiro.

  3. Desde o início, seja um bom ouvinte e seja paciente. Apesar de ser uma sugestão que se aplica a quase todas as situações em que se lida com pessoas, é certamente muito eficaz para demonstrar ao outro lado que você tem interesse em fechar um acordo benéfico para os dois.

  4. Faça a outra parte ter a sensação de que está “ganhando”. Tal sensação favorecerá as concessões e aumentará as chances de uma aliança e futuras negociações. Isso pode ser feito, por exemplo, dando enfoque aos pedidos feitos pela outra parte que estão sendo concedidos.

  5. Nunca aceite nada de primeira. Isso faz com que as propostas percam valor. Se o outro lado te faz uma proposta e prontamente você aceita, a sensação que fica é de que essa oferta foi muito boa pra você e que ele está “perdendo”, o que contraria a dica 4.

  6. Mostre que você tem alternativas e pode trocar concessões com a outra parte (logrolling). Essa é uma das diretrizes das técnicas de persuasão (reciprocidade), em que o outro lado se sente, muitas vezes, na obrigação de conceder algo após receber. Essa mesma técnica é usada em supermercados, por exemplo, em que são oferecidas amostras de bebidas/comidas grátis, visando potenciais novos clientes.

  7. Identifique as divergências da outra equipe de negociação e explore essas fraquezas.

  8. Descubra até onde a outra parte pode chegar e tente influenciá-la nesse aspecto. Como citado no tópico 1, normalmente os negociadores já têm em mente seus preços limite. A intenção é descobrir qual é esse ponto de resistência que, teoricamente, não pode ser ultrapassado. Com essa informação em mente, deve-se tentar acordar um preço o mais próximo possível desse.

  9. Sempre tome cuidado com posições extremas. Apesar de em muitos casos funcionarem, elas podem prejudicar o relacionamento com o outro lado, o que afetará um dos principais princípios da negociação citado no início do texto, o de manter alianças.

  10. Deixe sempre um trunfo para o final, na intenção de assinar de vez um acordo que está no limiar entre ser fechado ou não.

Observa-se, desse modo, que pedir férias ao chefe, comprar um produto ou solucionar um impasse familiar são situações que têm, em muitos casos, meios que as facilitam, de modo a buscar vantagens para ambos os lados. Esses meios podem não ser muito claros, mas eles existem e são passíveis de aprendizado, geralmente através das experiências acumuladas. Por isso, além da busca incessante por leituras e aulas voltadas para a temática, deve-se aproveitar ao máximo as oportunidades de negociar, testando diferentes possibilidades e técnicas. Só assim, poderá o leitor, desenvolver realmente suas capacidades como negociador.


Recomendações:

Há alguns temas complementares que são de muita importância ao negociar. Buscando suprir um pouco desse gap, há tópicos associados à capacidade de persuasão. Para dar suporte ao desenvolvimento dessa complexa habilidade, existem os assuntos abordados no livro “As armas da persuasão”, de Robert B.Cialdini, que estão na arte abaixo:



Os links a seguir ajudarão a compreender melhor cada um deles:

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