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A falência do Silicon Valley Bank: como um banco conseguiu falir tão rápido?

Atualizado: 26 de jul. de 2023



Redução na liquidez. Venda de ativos não-maduros1. Corrida bancária. Foram esses os três principais acontecimentos que ocasionaram, no dia 10 de março de 2023, o maior colapso bancário desde 2008: a quebra do Silicon Valley Bank (SVB), uma das instituições financeiras de maior influência no ecossistema de startups2 do Vale do Silício. Sendo uma empresa de quase quatro décadas, o SVB demonstrava a sua importância ao fornecer, mundialmente, suporte às necessidades financeiras específicas de companhias de inovação e tecnologia, gerando, assim, grande valor para os empreendedores do nicho. Portanto, o questionamento que fica é: como uma instituição financeira tão consolidada deparou-se com uma crise capaz de acabar com seu legado em menos de dois dias?


De empresa local a um dos principais bancos de tecnologia do mundo


Em 1983, os empresários Roger Smith e Robert Medearis enxergaram uma oportunidade única em fundar um banco voltado para o financiamento de necessidades particulares de startups emergentes no Vale do Silício, Califórnia. De maneira geral, as instituições financeiras tradicionais consideravam arriscado investir em companhias que não apresentassem uma receita já estabelecida, o que se mostrava uma barreira para o crescimento desse segmento. Portanto, baseando-se na expectativa de retorno de longo prazo, o Silicon Valley Bank foi criado, essencialmente, para fornecer serviços personalizados para novos e ambiciosos empreendedores, de acordo com as especificidades de cada cliente.


Após sete anos de sua fundação, o SVB conseguiu expandir a sua zona de influência para além da região do Vale do Silício, atendendo empresas nacionais e internacionais, de diversos tamanhos e estágios. Isso apenas foi possível por meio da oferta de produtos e serviços mais variados adotados pelo banco, como, por exemplo, a consultoria estratégica, o financiamento de capital de risco e o networking3. A partir disso, a companhia desenvolveu uma imagem atrelada ao compromisso com a comunidade empreendedora, o que se tornou seu principal diferencial e, também, a chave para seu sucesso.


Nos anos subsequentes, a firma manteve as suas atividades de forma satisfatória no mercado, porém a sua época de maior crescimento foi durante a pandemia do COVID-19, entre 2020 e 2021. Apesar de ser um momento delicado para vários setores da economia, os bancos, de forma geral, foram beneficiados por conta da diminuição da inflação, o que configurou um cenário propício para o crescimento do nicho de startups. A partir da estabilidade nos preços, houve uma redução na taxa de juros e uma maior acessibilidade ao crédito, o que diminuiu a atratividade por ativos de renda fixa4 e, consequentemente, motivou os investidores a aplicar dinheiro em investimentos de maior risco. Dessa forma, enxergando um grande potencial no mercado de startups, as empresas de Venture Capital6 começaram a alocar seu capital no Silicon Valley Bank, já que era um banco direcionado para esse propósito específico.



Além disso, outro fator que possibilitou uma maior margem de lucro ao banco foi a diminuição do repo rate, que é uma taxa de juros cobrada pelo Banco Central de cada país ao emprestar dinheiro para os bancos comerciais em um curto prazo. Ela é utilizada como ferramenta para controlar a inflação e a oferta de dinheiro na economia pelas autoridades monetárias. Como a pandemia ocasionou uma baixa inflação, o SVB estava conseguindo pagar taxas de juros bem menores ao Federal Reserve - Banco Central estadunidense - ao passo que fornecia empréstimos mais baratos para os seus clientes, o que atraiu uma maior quantidade de clientes para a firma.



Dessa forma, o Silicon Valley Bank se consolidou como um dos maiores players do setor bancário, auxiliando mais de 30 mil companhias e ocupando, até o momento da quebra, a 16ª posição de maior banco dos Estados Unidos, com patrimônio de US$ 210 bilhões. No entanto, a instituição fez algo inesperado: deu um tiro no seu próprio pé.


O começo do declínio


Como citado anteriormente, companhias de Venture Capital realizaram vários depósitos no período pandêmico, o que se mostrou uma grande oportunidade para que o SVB fidelizasse essas empresas e, além disso, atraísse novos clientes, como, por exemplo, firmas de Private Equity. Portanto, em 2021, o banco concluiu que o ideal seria aumentar a taxa de depósitos, que é uma taxa de juros paga pela instituição financeira para que os depositantes mantenham o seu dinheiro em uma conta de depósito. Com a promessa de obter uma maior rentabilidade em suas aplicações, diversos clientes migraram para o banco, o que, a curto prazo, foi algo bastante positivo, porém a companhia teria que encontrar maneiras de fazer esse dinheiro aplicado girar o suficiente para dar o retorno prometido ao consumidor.



Portanto, o banco optou por aplicar, aproximadamente, US$ 91 bilhões em títulos do tesouro de longo prazo e em títulos hipotecários, dado que esses eram meios de investimentos com uma alta garantia de retorno. Entretanto, além de terem baixas taxas de juros, esses investimentos são do tipo Held to Maturity, ou seja, são títulos que apresentam uma data de vencimento para saque, e, caso o período previsto para o amadurecimento não seja respeitado, parte significativa do dinheiro pode ser perdida. Como as projeções para o futuro da economia eram otimistas, o SVB decidiu aplicar a quantia arrecadada, majoritariamente, nesses dois tipos de investimentos, mesmo não tendo a flexibilidade de retirar o dinheiro a curto prazo caso fosse necessário.


A imprevisibilidade sobre os acontecimentos mundiais foi a causa para a quebra da expectativa sobre as projeções anteriormente feitas acerca da economia. Devido ao fim da pandemia, ao início da Guerra da Ucrânia e à crise energética mundial, a alta inflação tornou-se uma realidade. Em função do aumento dos juros para controlar a inflação, a margem de lucro do Silicon Valley Bank foi fortemente impactada, pois os títulos adquiridos anteriormente sofreram uma desvalorização, forçando o banco a vendê-los por um valor muito abaixo do que o comprado.


Apesar de seus títulos terem sofrido uma queda brusca de US$ 15 bilhões, o SVB esperava que a economia estadunidense conseguisse se estabilizar ao ponto das taxas de juros diminuírem e, assim, ocorrer um processo de revalorização. Entretanto, o panorama econômico gerou um processo de recessão no setor de startups, que foi responsável por diminuir a quantidade de empréstimos feitos e aumentar o número de saques realizados pelas empresas de Venture Capital. O problema disso é que os bancos, de forma geral, operam pelo modelo de reserva fracionária, que consiste em pegar grande parte do valor depositado por seus clientes e emprestá-lo, fazendo com que haja mais dinheiro emprestado do que em seu próprio caixa. Portanto, se os consumidores tendem a sacar de uma única vez, a liquidez da instituição fica comprometida. Com o Silicon Valley Bank não foi diferente, porém havia um agravante: a maior parte do dinheiro que havia sido depositado estava aplicado em investimentos de longo prazo.


A falência


Nesse processo de aumento dos saques, a demanda de curto prazo tornou-se superior aos depósitos realizados, fazendo com que a firma não tivesse outra escolha senão vender seus ativos não-maduros, o que gerou uma grande perda financeira. Mesmo após a negociação, o SVB ainda não possuía condições de pagar a todos, fazendo-o assumir o status de iliquidez6. Porém, ainda assim, o banco tinha chances de se recuperar por meio da recapitalização7.


Então, no dia 8 de março de 2023, o SVB anunciou, para o público, a venda de novas ações para captar dinheiro e aumentar sua base de capital, contudo, a proposta foi anunciada de maneira equivocada e no momento errado. O comunicado não discorria sobre os motivos que levaram a essa decisão, além de ter sido feito um dia após a quebra do Silvergate Bank, um banco de criptomoedas que havia declarado falência após enfrentar problemas de liquidez.


Apenas com um anúncio, a credibilidade da empresa, que outrora era seu ponto forte, foi afetada de maneira irreversível. Além disso, no setor bancário as pessoas, de forma geral, tendem a confiar suas finanças a um banco que apresente uma boa reputação do que a uma instituição que mostre números com boa contabilidade. Nesse sentido, com receio de uma iminente falência da empresa, os investidores causaram uma corrida bancária8 e, assim, eliminaram qualquer tipo de liquidez que o SVB poderia ter. A possibilidade de colapso não era, necessariamente, algo com uma alta probabilidade, mas o mercado acreditou tanto nessa premissa que ela virou, de fato, uma realidade.



O futuro do banco


Assim que a falência foi anunciada, as autoridades financeiras estadunidenses tiveram que intervir, através de medidas extraordinárias, para que não houvesse um contágio global no setor. Nesse sentido, o Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), um órgão regulador bancário estadunidense, resgatou o Silicon Valley Bank e, posteriormente, o vendeu para o banco First Citizens, que é um comprador do setor privado experiente na aquisição de bancos falidos.


Apesar do SVB ser o segundo maior banco dos EUA a declarar falência, o mercado financeiro norte-americano mostrou-se muito mais preparado para lidar com os seus efeitos do que há 15 anos, quando uma das piores crises da história assolou o mundo devido à falência dos bancos Washington Mutual e do Lehman Brothers. Portanto, agora fazendo parte do First Citizens, o banco tem uma grande probabilidade de se recuperar, mas a reflexão que se estabelece é: o que o setor bancário fará para conquistar a confiança da população novamente?


Glossário


1 - Ativos não-maduros: referem-se a ativos que ainda não estão prontos para serem utilizados ou convertidos em dinheiro. Em outras palavras, esses ativos ainda não atingiram seu potencial máximo de valor ou benefício para uma empresa ou indivíduo.


2 - Startups: são companhias de pequeno porte que buscam oferecer um produto e/ou serviço inovador no mercado. Um traço comum desse tipo de empresa é a busca pelo financiamento de investidores externos, que acreditam no potencial que a iniciativa possui e investem dinheiro com a intenção de adquirir um retorno financeiro de longo prazo.


3 - Networking: é o processo de criar e manter conexões e relacionamentos profissionais entre indivíduos de um ou mais setores. Esse é o meio pelo qual as pessoas conseguem ampliar a sua rede de contato e criar oportunidades de crescimento ou conhecimento. No caso do Silicon Valley Bank, há dois principais serviços de networking oferecidos, o SVB Network e os programas de aceleração e incubação de startups. O primeiro acontece através de uma plataforma online exclusiva para clientes da instituição, que os conecta a uma rede global de empreendedores, investidores, mentores e especialistas em tecnologia. Já o segundo fornece mentoria, treinamento e recursos para auxiliar as empresas a crescerem e se conectarem com investidores e outros parceiros estratégicos.


4 - Ativos de renda fixa: são investimentos que fornecem uma fonte previsível e regular de renda, geralmente na forma de juros ou dividendos. Esses investimentos são caracterizados por um fluxo de pagamentos fixos ou determináveis, definidos no momento da compra. Eles são considerados mais seguros do que os investimentos de renda variável, pois o investidor tem uma ideia clara de quanto dinheiro receberá ao longo do tempo.


5 - Venture Capital: é uma maneira de financiamento que companhias, de origem privada, adotam para fornecer capital em troca de uma participação acionária em firmas de pequeno porte, em especial as startups.


6 - Iliquidez: é a incapacidade de transformar um ativo em dinheiro de maneira rápida, sem que haja perda de valor significativo. Essa situação torna-se um problema para uma instituição financeira porque impede a realização de investimentos e/ou acesso ao capital necessário para financiar operações e projetos.


7 - Recapitalização: é um processo no qual uma firma aumenta a sua estrutura de capital por meio da emissão de novas ações ou na obtenção de empréstimos adicionais.


8 - Corrida bancária: é um fenômeno que ocorre quando depositantes de um banco optam por sacar seus depósitos em larga escala e de maneira rápida. Na maioria das vezes, isso acontece porque muitos desses indivíduos temem que uma falência assole o banco e os deixe impossibilitados de ter acesso ao seu dinheiro.


Referências Bibliográficas


BANCOS ESTÃO COLAPSANDO? (SVB) | BANCOS DIGITAIS CORREM PERIGO?. O Primo Rico. YouTube. 13 mar. de 2023. 19min17s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=FkqbVYaxjNo>. Acesso em: 14 abr. de 2023.


CARBONE, Filipe. Banco do Vale do Silício vai à falência e gera pânico entre startups. Disponível em: < https://mundoconectado.com.br/noticias/v/32249/banco-do-vale-do-silicio-vai-a-falencia-e-gera-panico-entre-startups>. Acesso em: 14 abr. de 2023.

CONTÁGIO do SILICON VALLEY BANK pode levar à CRISE FINANCEIRA?. Fernando Ulrich. YouTube. 10 de mar. de 2023. 27min35s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=55dti_DzAYo>. Acesso em: 16 abr. de 2023

HOW DID SILICON VALLEY BANK FAIL? : BUSINESS CASE STUDY. Think School. YouTube. 15 mar. de 2023. 23min49s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=wO7copUXogI>. Acesso em: 15 abr. de 2023.


IYER, Ram. Everything you need to get caught up on the SVB crisis. Disponível em: <https://techcrunch.com/2023/03/16/svb-crash-2023-timeline/>. Acesso em: 14. abr. de 2023.


KRISHNASAI, C. Explained | How Silicon Valley Bank crisis unfolded in 48 hours. Disponível em: <https://www.wionews.com/business-economy/explained-how-silicon-valley-bank-crisis-unfolded-in-48-hours-570945>. Acesso em: 16 abr. de 2023.


RIBEIRO, Janaína. First Citizens Bank: quem é o banco que comprou o SVB? Disponível em: <https://investnews.com.br/financas/first-citizen-bank-quem-e-o-banco-que-comprou-o-svb/>. Acesso em: 17 abr. de 2023.


SCOTT, Daniel. Como uma falha de comunicação causou a 2ª maior quebra de um banco na história. Disponível em: <




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