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A fórmula - não tão - mágica da Starbucks

Atualizado: 12 de abr. de 2021



Receita anual de 24 bilhões de dólares. 30 mil lojas espalhadas por 76 países. 4 bilhões de copos vendidos por ano. Esses são alguns números surpreendentes da rede de café gourmet Starbucks. Diante deles, não há quem duvide que a marca é referência internacional, não apenas em sabor, mas também como empresa.


Entretanto, de onde será que surgiu a ideia de revolucionar uma simples commodity, como o café? Como esse império conseguiu se estabelecer? Qual será a fórmula mágica para o sucesso da expansão em massa? Será que esse modelo de negócio permanecerá viável para sempre?


DE GRÃO EM GRÃO

Na década de 70, Howard Schultz, inspirado pelas cafeterias italianas, pensou em um conceito que iria revolucionar o mercado de café mundial. A ideia era levar o produto a um outro patamar, tornando o simples hábito de bebê-lo uma experiência sofisticada para o seu consumidor. Com esse conceito em mente buscou os donos da Starbucks, até então apenas uma loja de grãos de qualidade, na intenção de implementá-lo na empresa. Entretanto, não foi tão fácil quanto se pode pensar. Após ter tido sua proposta recusada pelos donos da Starbucks, abriu seu próprio negócio. Três anos depois, dado seu grande sucesso, Schultz juntou o capital necessário para investir 3,8 milhões de dólares na compra da marca que atualmente vale 30 bilhões de dólares. Assim, bastava descobrir a melhor estratégia para construir o seu império, até o momento limitado a 11 lojas e 100 funcionários.


MUITO MAIS QUE CAFÉ

Nesse momento, vocês devem estar pensando como a rede conseguiu se diferenciar de outras cafeterias tradicionais, certo? A resposta está pautada no método do Golden Circle adotado por Schultz. Esse conceito consiste na definição dos pilares de uma empresa: "por quê", "como" e "o que", exatamente nessa ordem. Sendo assim, antes de mais nada os sócios da marca precisam ter muito claro o propósito da marca, em seguida, como proporcionarão isso ao cliente e aí sim, o que venderão. E parando para pensar, é exatamente isso o que a Starbucks fez.


Golden Circle

Primeiro foi definido o conceito de "Starbucks Experience", responsável por propiciar aos consumidores muito mais que um café de qualidade. O objetivo era disponibilizar um ambiente agradável, em que o cliente fosse bem atendido e se sentisse confortável. Para isso, focaram em criar o "Terceiro Lugar" para seus clientes. O que isso significa? Era simples: ser o terceiro melhor lugar para se estar, atrás apenas de suas casas e locais de trabalho. Não à toa, a disposição das mesas, o fornecimento de Wi-fi grátis e o bom atendimento dos funcionários eram fatores essenciais de todas as lojas. Somada a isso, a valorização do funcionário também era primordial uma vez que eram eles quem iriam interagir com o cliente. Um exemplo disso era que todas as novas bebidas precisavam da aprovação de todos os funcionários, desde cargos do C-level até atendentes, para serem lançadas no cardápio. Então, por último, a fim de completar o Golden Circle era necessária a definição do "o que" da marca: café gourmet. Sendo assim, com o propósito por trás da marca, era mais fácil que ela não se contentasse em vender produtos facilmente copiáveis, já que seu objetivo principal era vender experiências.


Justamente por essa ser a principal intenção da instituição, ela era capaz de cobrar mais por um copo de café. Isso porque, o preço não engloba apenas o custo de uma simples xícara de café, que, aliás, não é tão baixo assim se tratando de café gourmet, mas principalmente a atmosfera envolvida na sua compra. Entretanto, o que será que ela faz para impedir que qualquer outra cafeteria copie essa ideia revolucionária?



LÍDER PARA SEMPRE?

Dominar 52% do mercado mundial de um determinado setor é uma tarefa difícil que exige muito esforço para se manter nessa posição. E essa é hoje a maior das lutas enfrentadas pela empresa.

A principal proteção da marca contra concorrentes acabou se tornando uma armadilha contra ela mesma. Em um primeiro momento, copiar um modelo pautado em experiência e, portanto, extremamente subjetivo, parecia positivo uma vez que ninguém conseguiria de fato criar uma marca que disputasse público com a Starbucks. No entanto, à medida que ela foi se expandindo e abrindo em média, 3 lojas por dia, replicar esse modelo se tornou mais complexo. Além disso, ocorreu uma saturação do mercado pelo grande número de lojas da rede muito próximas, fazendo com que parte da cultura e da imagem gourmet fossem substituídas à uma ideia de fast-food, associada à queda de qualidade e do nível de atendimento.


Com isso, a elevada barreira de entrada imposta pelo domínio da Starbucks foi impactada, abrindo espaço para que outros players entrassem nesse ramo. Dentre eles o que mais se destaca é o Luckin Coffee, startup chinesa que, com apenas 2 anos, apresenta 65% do número de lojas da Starbucks na China, presente há duas décadas no país. A nova empresa aposta em uma estratégia digital, em que o cliente pede sua bebida por um aplicativo e a recebe em no máximo 30 minutos e também em uma guerra de preços com a Starbucks. A startup optou por oferecer diversas promoções para fidelizar o seu cliente, ainda que isso resultasse em uma perda líquida de 241,3 milhões de dólares, no ano de 2018. Apesar de adotar estratégias distintas, com certeza precisamos ficar atentos ao crescimento da Luckin, pois ela tem capacidade de nos surpreender e dará muito trabalho para a Starbucks. Seria esse o início do fim da longa Era Starbucks?


TENTATIVA FRACASSADA

Até agora, a rede norte-americana parece ter conseguido se estabelecer em qualquer lugar, não é mesmo? Vendas crescendo continuamente, lojas por todos os cantos… Mas e se eu disser que em 2008, na Austrália, dois terços das lojas foram fechadas e o total de empréstimos vindos dos Estados Unidos somavam 54 milhões de dólares? Ainda acredita que a marca é uma fortaleza sem falhas?


Tudo teve início em Julho de 2000, quando a primeira loja da instituição foi aberta em Sydney. De lá até 2008, mais 87 lojas foram abertas em território australiano. Junto com elas, o prejuízo ultrapassava 105 milhões de dólares. Curiosamente, o mercado australiano de café é um dos maiores do mundo. O consumo anual por australiano é de 3,9kg por ano, que em comparação ao padrão norte-americano é apenas 300g a menos. Então, o que poderia explicar essa tentativa frustrada?


A principal explicação para esse fracasso foi a insistência da Starbucks em simplesmente replicar o seu modelo de negócios, sem considerar o terreno para o qual estava se expandido e as especificidades de seu público-alvo. O que aconteceu foi que muitas lojas abriram ao mesmo tempo, fazendo com que os australianos não conseguissem absorver organicamente o conceito vendido pela rede e não aderissem à ideia. O ponto aqui ia além de uma possível canibalização, ou seja, o problema não era ter muitas lojas oferecendo os mesmos produtos, atrapalhando as vendas umas das outras, mas sim muitos estabelecimentos vendendo produtos que não se adequavam ao padrão de consumo australiano.


Essa falta de adaptação estava associada a uma cultura forte de consumo de café expresso na região, influenciada pela chegada de imigrantes gregos e italianos em meados dos anos 1900. Com isso, os australianos não se sentiam atraídos pelos produtos oferecidos pela Starbucks, por preferirem bebidas mais tradicionais, focadas no café puro e simples. Somado a isso, ainda que a rede vendesse café expresso e produtos habituais, esses apresentavam um preço acima da média do mercado, provocando uma rejeição à presença da rede norte-americana em seu território.


Mesmo com todos esses indícios, a Starbucks não admitiu seu fracasso no país e desde 2014 segue insistindo na entrada nesse mercado, porém, dessa vez, tem buscado uma entrada mais lenta, visando atingir principalmente rostos conhecidos, como turistas e estudantes internacionais. De qualquer forma, o fato é que a rede tem muito a aprender com essa tentativa de expansão e a princípio parece que ela tem reagido melhor aos próprios erros.


Isso pode ser observado em um processo diferente, ainda em estágio inicial, de ingresso no mercado italiano, que apresenta barreiras de entrada muito similares às australianas. Além disso, o mercado italiano apresenta uma sensibilidade ao preço ainda maior que os australianos, o que pode ser bem prejudicial à rede norte-americana, tendo em vista que o seu preço médio de um expresso é três vezes maior que a média local. A primeira loja em solo italiana foi aberta em 2018, na cidade de Milão e o que se pôde perceber é a sua intenção de se expandir de forma mais gradual, buscando se integrar à cultura forte do café italiano. No entanto, será que a empresa conseguirá se sustentar sem a sua estratégia de abertura em massa de lojas? Assim, fica uma indagação para o futuro: será que a Starbucks vai conseguir se adaptar a uma nova cultura ou insistirá na replicação de seu modelo atual?


O QUE PODEMOS ESPERAR

A competição na China, a expansão para a Itália e a rejeição australiana não são os únicos desafios que a Starbucks terá de enfrentar nos próximos anos. Já no ano de 2019, a companhia anunciou o fechamento de 150 lojas, o triplo do que normalmente ocorre. O intuito dessa medida é reestabelecer prioridades, de modo a crescer de forma mais disciplinada e eficaz e ainda aumentar a meta de retorno de dinheiro aos seus investidores em 10 bilhões de dólares, no total, durante o ano de 2020. Por outro lado, é importante analisarmos em quais parâmetros essa decisão foi baseada. Alguns deles foram a canibalização de lucro gerada pelo seu próprio modelo de expansão, que concentra lojas muito próximas umas das outras, diminuindo as vendas de cada uma delas. Além disso, a onda saudável se faz cada vez mais presente no cotidiano das pessoas refletindo na queda de consumos de bebidas ícones da marca, como os Frapuccinos. O que mais pode ser feito? Qual o ganho que essa medida trará?


Não há como mensurarmos o real impacto que essa mudança vai causar, mas a fórmula mágica precisa ser repensada. Seguindo esse norte, uma de suas ideias é a expansão para canais de delivery, já presente em algumas cidades norte-americanas e chinesas, com parcerias com aplicativos e plataformas digitais.Não se sabe se a marca conseguirá manter seu padrão de qualidade e como ela conseguirá transmitir a experiência do consumo sem o contato pessoal, adotando esse novo canal de vendas.


Somado a isso, uma das maiores apostas da rede são em lojas conhecidas como "Starbucks Reserve Roasteries", uma loja conceito com quase 2000 metros quadrados que venderá não apenas café, mas também produtos de alto nível como vinhos e massas trufadas. Mas o que leva uma cafeteria a vender produtos tão distantes de seu portfólio? A questão aqui é lembrar que o principal produto da marca não é o café e sim a experiência. Por isso a venda desses elementos, uma vez que eles reforçam o branding premium da Starbucks, além de funcionarem como produtos complementares ao café. No entanto, será que as pessoas apoiarão essa estratégia ousada ou acabará se tornando uma fonte de prejuízo?


Nesse momento, a dúvida que fica é se a Starbucks conseguirá se reinventar com esse novo modelo ou acabará entrando em um ciclo vicioso de fechamento de suas lojas. Ainda não conseguimos prever o futuro, mas uma coisa é garantida, a marca com toda certeza precisará pensar em novas estratégias para se manter no mercado, caso contrário, apenas a experiência de consumo do café não será suficiente para que ele deixe de ser uma simples commodity mundial.

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