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Embedded finance: o próximo passo do setor financeiro

Atualizado: 6 de mai.



A oferta de serviços financeiros por empresas fora desse setor, sobretudo no varejo e em modelos B2C¹, tem se tornado cada vez mais comum. Pagamentos por meio de aplicativos próprios, carteiras online, financiamentos e até seguros fazem parte da próxima tendência para se destacar no mercado: a embedded finance, na qual empresas começam a agir como bancos. Essa busca pela diferenciação é fundamentada na perspectiva de aumento das receitas a partir da criação de interações financeiras mais fluidas e da fidelização dos clientes. Para ilustrar a relevância dessa prática, de acordo com projeções da Bain & Company, é esperado que esse mercado alcance a marca de US$7 trilhões até 2026, representando cerca de 10% de todas as transações financeiras nos EUA. Os fundamentos são promissores, portanto, é crucial entender como oferecer serviços bancários tem o potencial para redefinir o que é preciso para se destacar em qualquer setor do mercado.


Do SaaS ao BaaS


O surgimento recente de modelos de negócios voltados ao fornecimento de Software as a Service (SaaS²) possibilitou o desenvolvimento de algoritmos capazes de se comunicar com sistemas de diferentes empresas (APIs³), coordenando ações em conjunto e em tempo real. Paralelo ao avanço tecnológico, o ambiente regulatório sofreu mudanças importantes relacionadas ao setor financeiro, sobretudo devido ao crescimento das fintechs que pressionaram governos ao redor do mundo a tomar uma direção de desburocratização, facilitando a legalização para prover esse tipo de serviço e trazendo conceitos que pavimentaram o caminho para a embedded finance, como o open banking. Dessa forma, as regulações mais flexíveis e o avanço da tecnologia permitiram que o modelo de SaaS evoluísse e originasse o BaaS, Banking as a Service, no qual os bancos conseguem prover soluções financeiras personalizadas em tempo real a outras empresas.


Nessa linha, as empresas enxergaram o BaaS como uma oportunidade de contornar o alto custo para desenvolver e manter sistemas financeiros próprios. A partir dele, é possível inserir tais serviços em suas plataformas, que se conectam a um banco por meio de APIs e ganham acesso aos recursos do seu sistema sob demanda. Um exemplo recente dessa interação ocorreu na estruturação da plataforma de marketplace da Macy's, grande varejista dos EUA, no final de 2022. A empresa teve problemas para gerenciar as transações dos fundos entre compradores e vendedores, o que afetava suas comissões por venda. Por isso, formou uma parceria com o banco J.P. Morgan que integrou seu software Concurse ao sistema da Macy’s e, como resultado, a receita do marketplace apresentou um crescimento de cerca de 50% entre o último trimestre de 2022 e o primeiro de 2023.



A nova cadeia de valor


No modelo de embedded finance, funções antes centralizadas pelos bancos passam a ser divididas em três players diferentes: as plataformas, que são os apps e sites que as empresas utilizam para interagir com sua base de clientes, os provedores de tecnologia que operam no SaaS e as instituições reguladoras, comumente grandes bancos. 



Como no modelo tradicional a etapa de distribuição é feita pelos bancos, as empresas não têm controle sobre uma parte relevante da experiência dos seus clientes e, consequentemente, perdem oportunidades de alavancar sua receita. Isso ocorre pois, concentrando toda a jornada em um único ambiente, desde o primeiro contato com o produto até o pagamento, a companhia consegue diversificar suas formas de captação por meio de serviços financeiros complementares à compra principal, ao mesmo tempo que fortalece a percepção de marca e garante um nível de conveniência muito maior. 


Por outro lado, a segmentação das etapas da cadeia gera um novo paradigma para os bancos. Como o preço final dos produtos se mantém e o lucro é repartido entre mais players, os bancos passam a ter uma margem menor com a embedded finance. Contudo, o menor custo de aquisição de clientes (CAC) somado ao alcance ampliado pelas plataformas tem o potencial de permitir que o ganho em escala compense a redução da margem. Assim, formar parcerias com as melhores marcas do mercado torna-se um ponto crucial para o sucesso dos bancos no novo modelo.


A vaca leiteira e a interrogação


No entanto, apesar dos diversos benefícios para as plataformas, em termos de receita, cada produto financeiro atinge de forma diferente os players da cadeia. Assim como no resto do setor bancário, o prêmio tende primeiro a seguir os agentes que tomam mais risco no processo e, depois, os que possuem o controle da relação com o cliente. Nesse sentido, uma pesquisa de mercado conduzida pela McKinsey & Company constatou que 55% da receita oriunda de serviços embedded finance de empréstimo nos EUA se direcionaram aos bancos, que detinham o risco de calote. Já em relação aos serviços de pagamentos e depósitos, onde não há esse risco, os distribuidores capturam a maior parte do valor ao longo da cadeia.


Essa dinâmica de divisão da receita explica porque a maioria dos distribuidores de embedded finance veem os pagamentos como uma vaca leiteira e entram nesse mercado oferecendo primeiramente apenas esse tipo de produto, antes de expandir seu portfólio para serviços de empréstimos, como cartão de crédito. Além da receita imediata, começar com pagamentos e depósitos possui a vantagem de criar meios para a coleta de dados financeiros da base de clientes, que podem ser usados, posteriormente, para melhorar o processo de análise de crédito dos produtos de empréstimos, assim reduzindo a chance de perdas por calotes. Dessa forma, os empréstimos são classificados como interrogações, pois apesar de participarem de um mercado em forte expansão, sua implementação ainda não é um processo simples e claro para a maioria das empresas, o que o torna um produto com pouca maturidade no mercado.


Fonte: Bain & Company


Case Starbucks


Um dos cases de sucesso da aplicação de embedded finance mais relevantes é certamente o do Starbucks. Ao longo dos anos, a franquia de café foi capaz de monetizar ao máximo a sua relação com os clientes por meio de um sistema de contas e pagamentos em seu app, combinados a um programa de fidelidade que impulsionou o uso dos seus próprios serviços financeiros.


Em 2015, a empresa começou a oferecer serviços de embedded finance por meio de seu aplicativo próprio. Nele, os clientes puderam encomendar suas bebidas e pagá-las usando o recurso de pedido e pagamento móvel, vinculado a um cartão virtual Starbucks, podendo ter uma contraparte física. Através do aplicativo, os clientes podem recarregar o cartão com uma quantia pré-definida e acessar o programa de recompensas, que troca pontos do programa de fidelidade por produtos da loja. Além de evitar as filas nos caixas, os clientes que depositam e pagam seus pedidos com sua conta Starbucks dobram os pontos de fidelidade recebidos.


Nesse sentido, em 2021, as compras feitas pelos cartões do programa já ultrapassavam a parcela de 40% e, claro, acompanharam a adesão generalizada aos depósitos nas contas do aplicativo. Como resultado, foi constatado um montante acumulado de US$1,6 bilhões parados nas contas dos clientes, o que, para efeito de comparação, posicionaria a empresa entre os 15% maiores bancos dos EUA em passivo total. Porém, enquanto bancos são obrigados a manter uma reserva mínima para cobrir eventuais saques em massa, o Starbucks só precisa manter suas lojas supridas de café e lanches. 


Isso criou algumas situações convenientes para a empresa. Primeiramente, embora o aplicativo receba depósitos como uma conta bancária comum, o Starbucks não tem a mesma obrigação dos bancos em relação ao pagamento de juros aos clientes pelo tempo que o dinheiro permanecer na conta. Em segundo lugar, como esse capital entra no balanço patrimonial na forma de passivo, a empresa ganha a liberdade jurídica para utilizá-lo como quiser em seu negócio. Com isso em mãos, a marca conseguiu acesso a capital para financiar sua expansão agressiva ao longo dos anos sem custo nenhum. Pelo contrário, é estimado que cerca de 10% do dinheiro colocado nos cartões da franquia nunca é usado, devido à perda do cartão físico, esquecimento de senhas etc., o que criou um cenário onde os clientes efetivamente emprestam dinheiro à empresa a uma taxa de juros negativa de cerca de -10% todos os anos.



Próximos passos


As práticas de embedded finance trouxeram mudanças significativas na estrutura atual dos serviços financeiros. A largada foi dada, de fato, uma vez que empresas têm buscado o quanto antes incluir as novas tecnologias em suas operações para não ficar para trás da concorrência. A chave para o futuro, no entanto, é ser prático sobre as estratégias de monetização, focando em melhorar a percepção do cliente em relação à marca e, consequentemente, transmitir confiança suficiente para cuidar do seu dinheiro. Assim, conseguirão atingir o volume necessário para justificar os custos de construir novas funcionalidades que se adaptem ao BaaS, tornando a operação sustentável no longo prazo.


Na cadeia de valor, a tendência deve se manter: empresas não financeiras buscando novas formas de se diferenciar no mercado por meio da facilidade do BaaS, provedores de tecnologia crescendo em tamanho para acompanhar a demanda e bancos tradicionais correndo para encaixar toda a sua estrutura em um modelo cada vez mais interconectado e sob demanda. No meio dessa confusão, porém, o consumidor pode sentar e esperar por um futuro muito mais prático.


Glossário


1 - B2C: “Business to consumer”, modelo de negócios cuja base de clientes é majoritariamente composta por pessoas físicas.


2 - Saas: Software as a Service, é uma forma de disponibilizar softwares e soluções de tecnologia sob demanda por meio da internet.


3 - APIs: “Application Programming Interface”, consiste em um conjunto de regras e definições que permite que diferentes softwares se comuniquem entre si, permitindo que um aplicativo utilize os recursos ou funcionalidades de outro aplicativo de forma padronizada e segura 


4 - EV/Sales: Valor da empresa / Faturamento anual de vendas, é um indicador que mostra em quantas vezes a receita advinda de vendas a empresa está sendo avaliada. Quanto maior o indicador, mais “caro” está o preço da ação.


5 - CAC: O custo de aquisição de cliente é a métrica que mostra o quanto a empresa precisa gastar para expandir sua base de clientes. 


Referências bibliográficas


CRISPINO, C. Is Starbucks Becoming a Bank? And If So, Should You Become One, Too? Disponível em: <https://trimplement.com/blog/2023/03/is-starbucks-becoming-a-bank-and-if-so-should-you-become-one-too/>. Acesso em 18 abr. 2024


Embedded Finance and How it will change Fintech. Disponível em: <https://deqode.com/blog/2023/04/19/embedded-finance-and-how-it-will-change-fintech/>. Acesso em: 18 abr. 2024.



Embedded Finance: why banks are at a crossroads. Disponível em: <https://www.ey.com/en_sa/banking-capital-markets/fintech-ecosystems/how-banks-are-staking-a-claim-in-the-embedded-finance-ecosystem>. Acesso em: 18 abr. 2024.


Harnessing the power of embedded finance. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/ie/pdf/2023/05/ie-embedded-finance.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2024.


HARRIS, M. et al. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.bain.com/contentassets/a5ad904e61324de88b62707de879f174/bain_brief_embedded-finance.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2024


How platforms are revolutionizing SMB banking. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://adyen.getbynder.com/m/70b3229e56d95fde/original/Embedded-financial-products-final.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2024.


Macy’s Marketplace supports choices & diversity | J.P. Morgan. Disponível em: <https://www.jpmorgan.com/insights/payments/payments/macys-third-party-payment-solutions>. Acesso em: 18 abr. 2024.


The Embedded Finance Journey: Innovation That Differentiates the Customer Experience. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.goldmansachs.com/what-we-do/transaction-banking/insights/baas.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2024


The Rise of Embedded Finance. Disponível em: <https://dealroom.co/uploaded/2022/03/Dealroom-embedded-finance-v2-.pdf?x15144>. Acesso em: 18 abr. 2024.


Understanding the Opportunity in Embedded Finance. Disponível em: <https://www.linkedin.com/pulse/understanding-opportunity-embedded-finance-blair-silverberg/>. Acesso em: 18 abr. 2024.

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