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Inovação: por que devemos planejá-la?

Toda empresa deseja alcançar ótimos resultados, mas nem todas estão preparadas para traçar seu caminho até lá. Muitas consideram que eles estão associados à estabilidade, ou seja, ter retornos operacionais constantes, resistindo a algumas oscilações de mercado. Isso não está errado, porém pode ser perigoso. Acreditar fielmente nessa lógica pode desenvolver problemas e doenças dentro da corporação. Uma empresa acomodada é uma entidade doente na qual a estabilidade gerou uma falsa sensação de imunidade, levando-a a uma zona de conforto e, por consequência, deixando-a mais vulnerável.


O empresário brasileiro de sucesso Flávio Augusto, fundador da Wise Up e dono do Orlando City Soccer Club, adota um conceito pouco usual para todos os seus empreendimentos : “Estabilidade não existe”. É uma frase que possui certo radicalismo, mas aos poucos vem se tornando verossímil, tendo em vista o cenário moderno ao qual estamos expostos. Logo, cabe às empresas estarem atentas para serem capazes de ter um olhar crítico sobre o assunto e sempre considerá-lo na hora de traçar seu planejamento.


Estável até o fim


Resistir ou ignorar as tendências do mercado é se boicotar, pois a empresa não controla o comportamento das pessoas. Muito pelo contrário, ela deveria se adequar e tirar proveito disto, podendo, idealmente, ser protagonista no desenvolvimento de produtos que supram as novas necessidades do mercado.


Não poderiam faltar aqui dois grandes casos em que a estabilidade gerou uma falsa sensação de imunidade. Sendo as duas protagonistas, nesse caso, a Blockbuster e a Kodak.


1. Blockbuster:

Streaming de vídeo é um serviço já bem comum para nós. Entretanto, há poucos anos, esse mercado era atendido, principalmente, pelas locadoras, mas com outro produtos: Os DVD’s, ou, ainda mais antigamente, as fitas cassete, que dependiam da disposição de seus clientes para se deslocarem até a loja e alugarem um filme. A Blockbuster teve sua hegemonia ameaçada, mas a ignorou quando a Netflix propôs um novo modelo. Nele, não havia necessidade dos clientes irem buscar os filmes, o produto poderia ser acessado de casa de casa. A maior rede de locadoras de filmes do mundo não conseguiu se planejar para a era digital, na qual o leitor de DVD já não é presente no dia a dia das pessoas. Em seu auge, com faturamento de R$5 bilhões, teve a oportunidade de fazer uma parceria com a Netflix, mas recusou a oferta pois não acreditava nesta migração do consumo de filmes e muito menos na proposta de parceria, que consistia em estruturar uma plataforma online na Blockbuster. Posteriormente, as Lojas Americanas compraram as operações da Blockbuster no Brasil e o negócio foi diminuindo de proporção até, enfim, sumir. Pode não parecer, mas a estratégia de compra foi inteligente, uma vez que a estrutura de lojas físicas da Blockbuster era semelhante à das Lojas Americanas e ainda possuíam boa localização. Logo, comprar uma empresa em declínio era uma forma barata de adquirir novos pontos de venda, aumentando em 54% o número de estabelecimentos.


2. Kodak:

Fundada pelo inventor do filme fotográfico, a Kodak teve seu destino marcado por ignorar outra invenção, criada por um funcionário da própria empresa, a câmera digital. A estabilidade que a fabricação e venda de equipamentos, principalmente filmes fotográficos, proporcionou para a empresa foi o que os atrapalhou a enxergar a transformação que viria. A fabricante, satisfeita com os bons resultados, se acomodou e ignorou a oportunidade de ser protagonista em uma nova tecnologia, dedicou pouco esforço ou planejamento e, assim, permitiu que setor operacional falasse mais alto e ofuscasse o estratégico. Em contrapartida, as concorrentes não mantiveram a mesma postura e desenvolveram suas próprias câmeras digitais. Quando a Kodak resolveu tomar alguma atitude, o produto das concorrentes já fazia sucesso no mercado e era tarde para ser competitivo, as outras marcas haviam se modernizado e já dominavam o cenário. Em 2012, a Kodak desistiu do mercado de câmeras digitais de foto e vídeo.


A oportunidade, em ambos os exemplos, foi perdida pela negligência ou falta de visão e planejamento para as inovações que estavam por vir.


Quem se adapta já está atrasado

Tomando como base a citação evolucionista de Darwin, “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças.”, podemos adaptá-la para criar uma versão para o mundo de negócios. A nova frase seria :“Não é o mais forte que sobrevive, mas o que é mais inteligente e promove as mudanças”. Isso significaria que a empresa que precisa se adaptar a um modelo está atrasada, uma vez que alguma outra já protagonizou esta transformação e estabeleceu um padrão. Um cenário ideal para qualquer companhia seria ter um planejamento tão bom no qual fosse possível prever as tendências de mercado e traçar planos para implementar inovações. Dessa forma, ela evita se adaptar a novos modelos, mas sim, criar e estabelecê-los, o que reduz custos de entrada tardia e riscos de perda para a concorrência.


Para compreendermos melhor este raciocínio vejamos a Cielo, responsável por máquinas e operações envolvendo cartões de crédito, que está perdendo clientes para a concorrente Pagseguro. O que começou como uma entrada em um novo mercado se transformou em uma disputa de market share entre as duas empresas.


A Pagseguro começou com clientes que não possuíam máquina alguma, pequenos comerciantes, e agora concorre com a Cielo. A “Moderninha”, máquina da Pagseguro, é atrativa pelas taxas que cobra e pela ausência de mensalidade, produto que, em 2017, foi, em parte, responsável pelo aumento de 268% do lucro da Pagseguro, chegando à quantia equivalente a 12% do lucro da Cielo no mesmo período. Isso já foi o suficiente para incomodar e a Cielo foi obrigada a tomar atitudes. Porém, como estavam atrasados, a entrada no mercado custou mais caro. Eles ignoraram que a maioria das médias e pequenas empresas consideram a ausência de mensalidade o fator mais importante para a escolha da prestadora de serviço. Além de comprar uma empresa para acelerar o processo de entrada, custando R$ 90 milhões, teve que passar por todo o desenvolvimento do novo produto mais rápido, o que gera maiores custos e mais chances do processo ser mal planejado e causar uma canibalização das suas outras máquinas.


Muito provavelmente, a Cielo teve oportunidade de desenvolver estes produtos quando ainda seriam novidade, mas, mais uma vez, a oportunidade foi negligenciada.


Rebranding tecnológico

Tendo em mente os casos já citados, quais seriam as maneiras de como aproveitar as oportunidades para se reinventar? Promover a mudança e renovar a identidade da empresa. Para isso, alguns agentes provocadores são determinantes para o sucesso de um projeto com esses fins, como a crise, insatisfação, disposição, conhecimento, etc.


Uma ótima abordagem para desenvolver estes agentes é a utilização de ferramentas tecnológicas que, hoje em dia, são indispensáveis para a maioria das empresas, principalmente quando o assunto é relacionamento com cliente. O meio digital permite alcançar proporções e possibilidades valiosas, que devem ser aproveitadas, como feito, por exemplo, pela Domino’s pizza.


Para contextualizar o que seriam estas ferramentas, podemos começar em 2009, um ano marcado pela execução do plano de renovação tanto da marca, como da empresa. A Domino’s passou por várias modificações de métodos e processos, até nos ingredientes da pizza, que definiram o novo rumo de sua estratégia. Esse plano foi o primeiro passo para a rede crescer de verdade, de US$5 por ação naquele ano para US$280 em 2018, um aumento de 5600% em 9 anos. A estratégia se baseou em 3 frentes:


1. A primeira era de transformar a empresa internamente. Os funcionários agora deveriam considerar a empresa como um e-commerce cujo produto é pizza, o foco passaria a ser explorar o mundo online com todo o apoio e vantagens da estrutura offline. Essa mudança de perspectiva foi muito importante para a saúde do negócio, já que fazer a própria empresa entender o que ela é torna os objetivos mais claros. Novos talentos foram contratados, equipes foram treinadas e metas traçadas, tudo alinhado com a nova mentalidade.


2. A segunda foi rever todos os processos e medir resultados. Foram feitos testes para decidir qual o melhor método para se adotar e, a partir desses dados, as novas estratégias puderam ser implementadas. Para eles, por exemplo, era necessário entender perfeitamente como era o custo de operação e desenvolver a melhor forma de administrá-lo.


3. A terceira era mostrar aos clientes que a marca foi repensada e agora ela estaria mais moderna e melhor preparada para atendê-los. Esse acabou sendo um dos pontos fortes do negócio. Perceber que havia uma demanda por parte dos clientes em maior comodidade associada ao consumo de pizza foi o que fez a Domino's analisar novas estratégias. Uma delas é chamada o “O to O”, que significa offline para online. A sinergia entre suas lojas físicas e demanda online é a alma do negócio. As lojas físicas, por estarem expostas ao público, fazem a publicidade, proporcionam uma experiência presencial e preparam os produtos para ambas as plataformas. Para mostrar como o atendimento da Domino’s está desenvolvido, existem cerca de 10 maneiras diferentes de fazer um pedido nos EUA, são elas:


1. Comando de voz pelo Google Home ou Amazon Alexa;

2. Mensagem inbox pelo Facebook;

3. Zero click order. Aplicativo da Domino’s facilitador de pedidos;

4. Mensagem de texto;

5. Pedido pelo twitter;

6. Smart tv Samsung;

7. Smartwatch;

8. Aplicativo clássico da Domino’s;

9. Pedido por telefone;

10. Pedido pelo site;


Ainda nesse estilo de utilização de plataforma digital podemos citar a Magazine Luiza, uma das empresas que mais surpreendeu investidores com crescimentos recordes, como o aumento de 3.360% no valor de suas ações, acumulado de 2016 e 2017. É outra que também se reconhece, como dito pelo próprio CEO, como uma empresa digital com ponto físico. Possui, também, grande foco no market place, que é aproveitar a plataforma de vendas da loja online e permitir que outras marcas do setor disponibilizem outros produtos na mesma plataforma. A Magazine Luiza recebe um percentual das vendas desses produtos e a marca parceira consegue ampliar seu alcance, estando em um site bem mais visitado.


A sinergia entre os pontos físicos e digitais é interessante no que diz respeito a custo de transporte. Isso porque, eles conseguem ser mais eficientes nas entregas, como encomendas feitas online e retiradas em loja, diluindo custo de transporte pelo volume de produtos, entre outros.


O planejamento para este momento da empresa é antigo e levou à organização de uma equipe de mais de 300 programadores, fora os outros funcionários relacionados ao meio digital, para tornar toda essa estrutura possível e próspera.


A análise que podemos fazer dos dois casos é a mesma: a utilização do meio digital juntamente com o meio físico permitiu uma sinergia muito competitiva no mercado que estas empresas estão inseridas. Ambas protagonizaram mudanças e aproveitaram as ferramentas modernas ao máximo, gerando um diferencial competitivo. As outras corporações, que não tiveram esse planejamento prévio, perderam espaço para as protagonistas, já que não utilizaram seu tempo para se planejar.


A tecnologia permite diversas novas abordagens e incita o surgimento de novas demandas e necessidades, e cabe às empresas terem sensibilidade suficiente para percebê-las e inovar em cima disso. Como disse Michael Porter “A inovação é a questão central da prosperidade econômica”.


Mudança de estratégia

Dentro das companhias há diferentes áreas passíveis de renovação. Dentre elas, podemos destacar alguns ambientes com mais espaço para inovar e desenvolver:


Marca e mercado:

Um dos tipos de estratégia interessante para se abordar é a mudança de mercado, podendo esta ser retirada, inclusão ou substituição de um público atingido pela empresa. Como exemplo podemos citar a Havaianas, que em 1993 passava por um período crítico de posicionamento de marca. Naquela época havia apenas três modelos de sandálias, voltados para pessoas de baixa renda. A marca passou a ser associada a consumidores de baixo poder aquisitivo, o que restringiu seu público. Logo começou a perder força, além de sua concorrente, Rider, ter feito uma boa campanha de marketing e estar ameaçando ainda mais a saúde das Havaianas. No ano seguinte a empresa lançou novos modelos de sandálias, com 40 cores e 3 vezes mais caros. Conseguiram, assim, conquistar, também, um novo mercado de classe média e são líderes no Brasil e reconhecidos mundialmente. Tudo por causa de uma situação de crise e uma boa leitura de mercado e estratégia.


Operação

Mudar a operação é modificar a forma como o seu produto é feito, por reconhecer que há espaço para melhorias. Modificar e renovar processos é uma necessidade constante, quase inevitável. A tecnologia está cada vez mais desenvolvida e de fácil acesso, o que incentiva a evolução de processos. Uma das referências em mudança de estratégia de produção foi a Toyota. Após a segunda guerra, a empresa encontrava-se próxima à falência e o presidente apostou em reinventar o processo produtivo. O planejamento foi de longo prazo e tinha como estratégia incluir ações que objetivavam o trabalho produtivo sem desperdício e especializado em seu conteúdo, além de um fluxo contínuo na produção, estoque sob demanda e revisões com base em métodos científicos. Hoje em dia, esse modelo é tido como referência mundial e estudado em diversos cursos como engenharia de produção, além de ser considerado protagonista de uma nova tendência dos métodos de fabricação das indústrias.


Produto

É clara a forma como funciona uma dinâmica de mudança de produto: ocorre quando uma empresa tem foco em um produto, mas por necessidade ou percepção migra para outro. Há diversos casos de empresas que passaram por alguma transição. A LG começou na Coreia fabricando cosméticos e hoje está no mercado de eletrônicos; A Nokia partiu do ramo de celulose na Finlândia para o de energia, passando até por borracha, antes de dar foco a telecomunicações; A 3M tentou explorar minério nos EUA, mas logo foi frustrada e migrou para fabricação de abrasivos e hoje, a 3M conta com um portfólio de mais de 55.000 produtos.


A lista é vasta, mas esses exemplos são suficientes para abordar o tema. Nenhuma dessas empresas desistiu ou se limitou à sua estabilidade. Motivadas por diferentes razões elas exploraram oportunidades de novos negócios, diversificaram, expandiram e não ficaram acomodadas com seus resultados.


Tendências

As tendências mundias são cada vez mais variadas e o que vai determinar se uma empresa vai aproveitá-las é sua competência em se planejar e sua sensibilidade de percepção do mercado. Como prova de mudança de ciclos de renovação e tendência, podemos olhar para o ranking das empresas de capital aberto com maior valor de mercado em 2018 e compararmos com 2008.



A tabela mostra a renovação das empresas mais valorizadas pelo mercado.

Em amarelo estão destacadas as marcas ligadas a tecnologia em 2018 e as de energia e petróleo em 2008. A intenção é fazer uma comparação e destacar as diferenças. Em 2008, algumas empresas relacionadas à tecnologia ganharam destaque e, mesmo que não sejam as mesmas até hoje, já anteciparam o protagonismo do setor na década seguinte. A indústria de petróleo sentiu essa mudança e tenta se renovar dentro do seu setor, tanto que já é muito comum as empresas dessa indústria se classificarem como empresas de energia. Nesse caso, a tendência que existe é de renovação de matriz energética, e provavelmente as que mais investirem nesse ideia, mais cedo terão vantagens competitivas no futuro, caso a tendência se confirme.


Os ciclos de renovação, como mostrou a tabela, são bem variados. É inegável que são cada vez mais curtos, além de serem em maior número, mas isso não é novidade. Como o autor e cientista Raymond Kurzweil propõe em seu artigo "The Law of Accelerating Returns" de 2001: A taxa de mudanças, na ampla variedade de sistemas evolutivos, tende a crescer exponencialmente. Será que veremos novas e pequenas empresas surgindo com processos e produtos mais ágeis e adaptados aos novos mercados? Deixando empresas grandes para trás em certas disputas, como as fintechs trazendo propostas que os bancos não oferecem. Será que veremos empresas muito antigas capazes de se reinventar? Como a Nintendo, que produzia baralhos para jogos japoneses e passou para entretenimento eletrônico depois de décadas de existência. Existem exemplos para todo o tipo de mudança, quem a evita pode com sua visão estratégica de longo prazo bloqueada pela acomodação com o panorama atual da empresa. Planejar e questionar sua posição no mercado, suas operações ou produtos oferecidos é a chave para não se deixar abalar pela estabilidade e, assim, continuar sempre se reinventando.

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