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Foto do escritorOtávio Reschette

Mercosul: Fundamentos Históricos e Realidades Atuais




O Mercosul, ou Mercado Comum do Sul, foi criado em 1991, formalizado a partir da assinatura do Tratado de Assunção por 4 países: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. O bloco, inicialmente, trouxe aos membros participantes inúmeras vantagens, como a maior competitividade global e a maior integração do continente, contribuindo para o fim de antigos atritos. Entretanto, as divergências de visões geopolíticas e econômicas entre esses países causam incongruências e debates internos entre os membros. Dentro desse contexto, faz-se necessário o questionamento: Será que fazer parte desse bloco é realmente vantajoso para países relevantes como o Brasil?


Criação do Bloco


A criação do Mercosul teve como objetivo promover a integração econômica e comercial entre os países membros em prol do desejo de fortalecer suas economias, aumentar a competitividade global e fomentar a cooperação regional em diversos setores, medidas como a unificação e redução de impostos de importação entre si, diminuição de burocracias e coordenação de políticas macroeconômicas foram firmadas no acordo. Assim sendo, o tratado garantiu medidas de desenvolvimento econômico sustentável e a melhoria das condições de vida de suas populações.


A união dos países contribuiu, também, para o fim de disputas e tensões geopolíticas na região, problemática que assolava o continente há séculos, como a iminência da invasão de territórios vizinhos. Dessa forma, uma relação que antes tirava a prioridade de problemas básicos das sociedades, como a segurança pública e a saúde, por terem outras maiores preocupações, como a defesa de seu próprio território, havia terminado, criando uma ação coletiva no bloco em luta contra esses grandes empecilhos internos.


Estrutura Interna do Bloco


A estruturação do bloco é embasada nos países-membros e em algumas entidades que também são representadas por essas mesmas nações. Os países são divididos em três grupos: os membros permanentes, os associados e os observadores.


  1. Os membros permanentes são aqueles que compõem o bloco de forma integral, ou seja, adotam a TEC (Tarifa Externa Comum) e seguem todos os acordos firmados. Além disso, esses países contam com o poder de voto em instâncias decisórias. Hoje, os países que compõem esse grupo são: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Vale lembrar que a Venezuela fazia parte desse grupo, porém foi suspensa do bloco no ano de 2017, por ter ferido acordos previamente assinados pela nação.


  1. Em paralelo, os membros associados são os que não fazem parte de todos os acordos do Mercosul, principalmente por não adotarem a TEC. Eles, no entanto, integram o bloco como meio de ampliar suas trocas comerciais. Nesse caso, os países incluídos são: Peru, Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, Suriname e Guiana.


  1. Já os membros observadores, composto somente por México e Nova Zelândia, são países que se interessam em ver o crescimento e andamento do bloco sem necessariamente precisarem se comprometer com os acordos dele, tendo a possibilidade de se tornarem membros efetivos caso queiram. Sua posição está associada diretamente a participação das reuniões e um acompanhamento mais próximo das decisões tomadas internamente.



Já sob a perspectiva dos órgãos, comitês e instituições, o Mercosul se divide em 5 estruturas principais. Vale lembrar que essas instituições são formadas somente pelos países permanentes ou associados.1. CMC (Conselho do Mercado Comum): É o principal órgão do Mercosul, sendo responsável pelas principais tomadas de decisões no bloco, pode-se citar como exemplo a responsabilidade direta pela condução política do processo de integração dos participantes do bloco. É composto pelos Ministros das Relações Exteriores e da Economia de todos os membros efetivos e apresenta duas reuniões por ano, sendo a presença dos presidentes obrigatória em pelo menos uma delas.


2. GMC (Grupo Mercado Comum): É o instituto executivo do Mercosul, sendo composto por representantes titulares e alternativos de cada um dos membros efetivos do bloco. Esse grupo reúne-se trimestralmente, mas pode haver encontros extraordinários a pedido de qualquer um dos seus partícipes. A entidade tem como objetivo fixar os programas de trabalho e de negociar acordos com terceiros em nome do Mercosul.


3. CCM (Comissão de Comércio do Mercosul): É a frente responsável pela gestão das decisões sobre o comércio do Mercosul. Suas funções envolvem a aplicação dos instrumentos políticos e comerciais dentro do bloco e deste com terceiros, além de criar e supervisionar órgãos e comitês para funções específicas, como o supervisionamento do cumprimento de seus devidos encargos.


4. CPC (Comissão Parlamentar Conjunta): representa os parlamentos dos países-membros do Mercosul. É a entidade responsável pela operacionalização e pela máxima eficiência do corpo legislativo do bloco.


5. Foro Consultivo Econômico e Social (FCES): é o órgão que representa os setores da economia e da sociedade de cada um dos membros do Mercosul. Ele possui um caráter apenas consultivo, opera por meio de recomendações ao GMC e pode incluir em torno de si a participação de empresas privadas. Os componentes do foro são as principais centrais sindicais dos países membros.



Características Marcantes da união


O Mercosul é sustentado por três pilares fundamentais: o social, o econômico- social e a cidadania. A primeira base se fundamenta no engajamento das esferas públicas em temas essenciais para a melhora da qualidade de vida, como a fome, o fim da pobreza e a unificação da escolaridade. A exemplo disso, pode-se citar o alto crescimento do IDH³ de todos os países participantes do bloco, chegando a uma taxa de 0,67% de crescimento ao ano. Para a cidadania, a ideia é a implementação de políticas que permitam a livre circulação de pessoas, além da promoção de direitos civis, culturais, sociais e econômicos, assim como a garantia de direitos básicos como acesso ao trabalho. O terceiro e último pilar é fundamentado a partir da ideia da geração de riqueza com o viés social, ou seja, faturar para conseguir trazer uma melhora em fatores sociais.


O bloco possui hoje um PIB nominal¹ de 3,2 trilhões de dólares, sendo resultante de duas grandes frentes:  agrícola e energética. No ramo agrícola, o Mercosul se destaca como um dos maiores exportadores de uma grande variedade de commodities, desde soja até arroz. Na perspectiva energética, o bloco possui hoje quase 20% da reserva de petróleo mundial, tendo a Venezuela como destaque, país atualmente suspenso da união, possuindo 92% de toda essa reserva. Ainda nesse sentido, desde 1991 até 2013, ou seja, em 22 anos, o comércio dentro do bloco, em dólares, cresceu mais de 12 vezes. 



Tais fatores permitem não só o crescimento do bloco como um todo, mas também uma maior competitividade geral interna, já que, pelo fato dos países estarem interligados, o crescimento de um deles impulsiona o funcionamento do outro, criando um ciclo virtuoso de evolução entre eles. Como consequência, os membros do bloco elevaram seus patamares em questão de influência, com o Brasil e a Argentina sendo reconhecidos como integrantes do G20. 



Impacto do bloco no Brasil    

                                                                                                                                        

As exportações brasileiras são beneficiadas com o Mercosul, sendo os outros países do bloco o destino de um quarto dos produtos exportados. Com isso, o país atingiu, em 2017, o seu maior superávit² comercial, o qual teve um movimento financeiro de 2 bilhões de dólares. De tal maneira, um dos grandes pontos de destaque na história do bloco é a integração da cadeia produtiva de automóveis entre Brasil e Argentina, que compõem, em conjunto, o terceiro maior mercado do setor no planeta em produção. Além disso, os parceiros possuem um papel importante no empreendedorismo do Brasil, representando 20% das vendas de micro, pequenas e médias empresas do país, o que fomenta o empreendedorismo nacional e, por consequência, traz uma melhora aos fatores sociais, econômicos e políticos do país. Outro fato positivo é que, segundo a CNI, a cada 1 bilhão de reais exportados pelo Brasil para países parceiros do bloco, são gerados 24,4 mil empregos e rendidos mais de 500 milhões de reais aos trabalhadores.


Além de todo o impacto socioeconômico, a existência do Mercosul fortalece os países membros em questões diplomáticas e econômicas, mesmo que sejam menos desenvolvidos, exemplo desse fato é o maior poder de barganha dos países incluídos no bloco em negociações internacionais. Entretanto, na atualidade, a relevância do bloco tem despencado internacionalmente, chegando a representar somente 1,13% das exportações na indústria de transformação, comparado ao valor anterior de 1,3%, sobretudo devido à maior disseminação das mercadorias chinesas que, por serem extremamente baratas e fáceis de serem compradas, se tornam um concorrente direto do bloco. Como resultado disso, os países, tendo destaque o Brasil, perdem cada vez mais essa influência que antes tinham com as grandes potências do mundo, trazendo maior vulnerabilidade a quaisquer manobras geopolíticas que sejam interessantes para esses gigantes, principalmente por possuírem cada vez mais concorrentes no que diz respeito à venda e ao fornecimento de produtos no âmbito internacional.



Suspensão da Venezuela 


A Venezuela, em 2017, foi suspensa do bloco pelos outros membros permanentes da união. Entre os motivos destacados, tem-se a conduta antidemocrática dentro do país sem perspectiva de melhora para os próximos anos, além da falta do cumprimento de grande parte dos acordos e tratados assinados. Segundo o Ministério de Relações Exteriores do Brasil, a Venezuela deixou de cumprir 75% dos tratados e 20% das normas pré-estabelecidas. A partir dessa saída, o bloco perdeu uma parcela de sua força, uma vez que esse país era a grande reserva de combustíveis fósseis da união, o que acabou afetando de maneira negativa o poder político do Mercosul.


Apesar do Brasil ter sido a favor da suspensão em 2017, em 2023, essa perspectiva começou a mudar, com o Brasil trazendo uma maior aproximação da Venezuela, nação que tradicionalmente é um comprador de bens de consumo do país, o que rendeu ao estado brasileiro um superávit comercial nos últimos 20 anos. Assim, a tendência é de que o país se reintegre cada vez mais ao bloco, voltando a ser um membro permanente por conta do interesse econômico em tê-lo como aliado da união. Além do grande interesse econômico brasileiro na volta desse país, existem outras questões como a reintegração energética da América do Sul que, de certa forma, é dependente da grande reserva de combustíveis fósseis da Venezuela. 


Por outro lado, a reintegração dela para o bloco significa, para países como os EUA, uma certa ameaça às relações com países sul americanos, uma vez que as visões geopolíticas desses países são antagônicas. Já para outros como a China, a volta desse país traz um significado de maior quantidade de mercado consumidor para seus produtos que possuem grande dominância mundial hoje. 


Sob a perspectiva venezuelana existe esse mesmo interesse na reintegração tanto aos espaços de diálogos proporcionados pelo bloco, mas também pelo aprofundamento das relações comerciais com seus antigos fornecedores de bens de consumo.



Perspectivas atuais e projeções


Na atualidade, existem alguns pontos sobre os quais os membros discordam e se mantêm em debate dentre eles. Os aspectos marcantes nos debates políticos, econômicos e intelectuais envolvem a redução da Tarifa Externa Comum, a flexibilização dos comércios externos ao bloco e o avanço do acordo com a União Europeia. Vale ressaltar que, mesmo sendo os pontos mais relevantes atualmente, existe uma dicotomia entre os países que se divide em: abertura comercial e protecionismo. O primeiro caso representa os países que visam aumentar a integração com cadeias globais e, por consequência, atrair capital estrangeiro, enquanto o segundo prioriza o desenvolvimento interno de modo a fomentar a competitividade das empresas nacionais.


A construção do Mercosul foi baseada no planejamento da liberalização comercial externa, visando unificar uma taxa comum entre os países, protegendo o mercado interno e fomentando a competitividade de empresas dentro do bloco. No entanto, com a ocorrência de crises mundiais como a crise de 2008, a pandemia da COVID e a guerra da Ucrânia, iniciou-se um retrocesso no bloco, sendo considerado por muitos dos países participantes uma espécie de “gaiola” em relação à abertura para inserção das nações no contexto econômico internacional, uma vez que a existência de uma taxa unificada torna a entrada e o comércio com países de fora do bloco menos vantajosos e atrativos para outros países, trazendo uma visão de que estar no bloco pode ser o mesmo que estar preso.


Dentro dessa falta de consenso entre os países, de maneira unilateral, nações tomaram atitudes e ações contrárias aos acordos anteriormente propostos. Assim, o Brasil implementou uma redução tarifária pretendida e o Uruguai iniciou uma negociação extra bloco com a China. Para além dessas ações, existe o acordo com a União Europeia assinado em 2019, cuja sanção ainda não foi finalizada, já que segue sofrendo resistências de ambos os lados, não tendo sido encontrado um equilíbrio nas exigências de cada um deles.


Vale enfatizar ainda que, existem diversos outros atritos internos no Mercosul, podendo ser citados, entre eles, o desacoplamento entre Brasil e Argentina, a substituição do comércio dentro do bloco pelas importações chinesas, a falta de unificação na troca comum dos componentes os, desníveis em infraestrutura e a falta de debate nos desafios ambientais e energéticos enfrentados pelos membros da união. A partir disso, o futuro do bloco se mantém incerto. A dicotomia de opiniões pode gerar novos conflitos e atritos internos e, ao mesmo tempo, caso seja solucionado, este pode impulsionar seus parceiros de uma maneira nunca vista.



Glossário:

  1. PIB Nominal: corresponde àquele cujo cálculo é feito com base nos preços correntes, portanto, no ano em que o produto final foi produzido e comercializado. O PIB nominal considera que há variações nos preços mediante a inflação ou deflação.

  2. Superávit: É a diferença positiva entre o ativo financeiro e o passivo financeiro

  3. IDH: O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) compara indicadores de países nos itens riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros, com o intuito de avaliar o bem-estar de uma população.

  4. CNI: a principal representante da indústria brasileira na defesa e na promoção de políticas públicas que favoreçam o empreendedorismo e a produção industrial



Referências:


Granato, Leonardo. “Mercosul Completa 32 Anos: Modelos Em Disputa Colocam Desafios Para O Futuro Do Bloco.” Brasil de Fato, 5 Apr. 2023, www.brasildefato.com.br/2023/04/05/mercosul-completa-32-anos-modelos-em-disputa-colocam-desafios-para-o-futuro-do-bloco.



Dieguez, Julian. “Decisão Sobre a Suspensão Da Venezuela No MERCOSUL.” MERCOSUL, 5 Aug. 2017, www.mercosur.int/pt-br/decisao-sobre-a-suspensao-da-republica-bolivariana-da-venezuela-no-mercosul/.



Rittner, Daniel. “Mercosul Perde Relevância Comercial, Mas Vira “Salvação“ Da Indústria, Mostra Estudo.” CNN Brasil, 3 July 2023, www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/mercosul-perde-relevancia-comercial-mas-vira-salvacao-da-industria-mostra-estudo/ .Accessed 27 June 2024.


Westin, Ricardo . “Há 30 Anos, Criação Do Mercosul Pôs Fim Às Tensões Históricas Entre Brasil E Argentina.” Senado Federal, 3 May 2021, www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/ha-30-anos-criacao-do-mercosul-pos-fim-as-tensoes-historicas-entre-brasil-e-argentina


Estanislau, Lucas. “Retorno Da Venezuela Ao Mercosul Interessa Ao Brasil, Mas Outros Membros Devem Impor Obstáculo.” Brasil de Fato, 11 Feb. 2023, www.brasildefato.com.br/2023/02/11/retorno-da-venezuela-ao-mercosul-interessa-ao-brasil-mas-outros-membros-devem-impor-obstaculo


Geral, Secretaria. ““Invasão Chinesa” Faz Brasil Perder Espaço E Deixar de Exportar R$ 52 Bilhões a Vizinhos | ASMETRO-SI.” Asmetro.org.br, 11 July 2023, asmetro.org.br/portalsn/2023/07/11/invasao-chinesa-faz-brasil-perder-espaco-e-deixar-de-exportar-r-52-bilhoes-a-vizinhos/. Accessed 27 June 2024.


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