Quem acompanhou os noticiários recentemente provavelmente ficou sabendo do último feito alcançado pela Apple. A gigante norte-americana tornou-se a primeira companhia da história a atingir a marca de 1 trilhão de dólares em valor de mercado. Contudo, o que poucos sabem é como um conceito que se populariza cada vez mais no mundo dos negócios, foi essencial no planejamento de Steve Jobs e sua equipe para levar sua empresa ao topo.
Ao contrário do usual – o design tradicional, a Apple adotou a ideia do Design Thinking. Enquanto o design tradicional tem como objetivo a melhoria ergonômica, funcional e visual de um determinado produto, a fim de alcançar um diferencial frente às concorrentes do mercado, ou seja, ligado a parte física/visual. A ideia de Design Thinking está relacionada ao processo criativo, englobando não só o produto físico, mas também, todo o seu processo de criação, aliando criatividade à uma abordagem mais humana.
Os três pilares
Esse novo conceito preenche o gap entre viés de análise/estudo do mercado e o viés intuitivo/criativo, ou seja, conecta o setor criativo de uma companhia com o próprio consumidor, tendo como base a criação de produtos sustentados por três pilares: o desejo do usuário, a viabilidade do mercado e possibilidade tecnológica.
Desejo do usuário/ Praticabilidade:
O principal dos três pilares: explorar o desejo do cliente como o centro de toda a discussão quanto ao processo criativo. Trata-se da busca pela completa compreensão do cliente e suas necessidades, a fim de que sejam desenvolvidos produtos que resolvam seus problemas cotidianos de forma simples e, assim, atraiam o seu desejo.
A rede de restaurantes do Outback é um bom exemplo de como as empresas que se preocupam em atender exatamente o desejo do cliente funcionam. Quem nunca preencheu as pesquisas do Outback que dão direito a uma refeição a mais na próxima ida ao restaurante?
Além de ser uma forma de fazer os consumidores voltarem ao estabelecimento, o extenso número de perguntas da pesquisa mostra a preocupação da rede em entender o que agrada o seu cliente. Esses são motivos que podem explicar as filas para conseguir uma mesa e o porquê de muitas vezes as pessoas irem ao Outback por “gostarem do ambiente”, que é constantemente aprimorado a partir de suas pesquisas.
Possibilidade tecnológica:
Esse pilar consiste em dois pontos: o primeiro é o uso das ferramentas tecnológicas disponíveis nos dias de hoje para inovar e criar os produtos que atendam aos clientes; Já o segundo, trata da viabilidade tecnológica do negócio que, apesar de um produto ter potencial de despertar o desejo dos consumidores, ele não deve ser considerado uma oportunidade caso não haja tecnologia suficiente para torná-lo viável.
Os exemplos nesse caso são mais abstratos, produtos que, apesar de idealizados, não puderem “sair do papel” até hoje. Um caso é o da chamada “Assistência Proativa”, uma ferramenta que o Google anunciou que lançaria em 2017 com o objetivo de ser mais um facilitador para o usuário. A ferramenta informaria sobre fatos relacionados a um compromisso marcado pelo usuário como possíveis atrasos pelo trânsito ou mudanças nos status de voos pelos quais você buscou. Contudo, o ano passou e até o momento o Google ainda não conseguiu colocá-lo em uso.
Viabilidade de mercado:
Trata de entender a viabilidade financeira do produto e, além disso, construir uma estratégia de marketing integrada.
Um exemplo de como esse fator é relevante para a indústria é o caso do Model 3. O carro elétrico desenvolvido pela Tesla, para competir com qualquer marca do segmento automobilístico, vem tendo sua produção adiada enquanto a empresa busca um modo de tornar sua venda em larga escala lucrativa. Isto é, apesar de o veículo ter sido criado e atender às necessidades dos usuários, a viabilidade do produto é baixa, já que, para que seja rentável para a empresa, ele precisa atingir valores em que o custo-benefício para o cliente, em muitos casos, não compensa.
A partir desses três pilares e, sobretudo, da busca pelo maior envolvimento do consumidor", passou a ser possível abandonar o método de criação tradicional, no qual as ideias surgiam de dentro das empresas por seus funcionários. As ideias agora são desenvolvidas pelo próprio cliente, tornando o processo mais focado no homem/consumidor (human-centered).
Foi baseando-se nesses três pilares que David Kelley, professor da Universidade de Stanford, e Tim Brown (sócios da IDEO, empresa de consultoria e inovação) desenvolveram a metodologia para o processo de criação a partir do conceito de Design Thinking. Tim explica no best-seller “Design Thinking – Uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias”.
Apesar de o Design Thinking se constituir em passos a serem seguidos (empatia, definição, foco, brainstorm, construção e entrega), Tennyson Pinheiro e Lucas Alt, autores do livro Design Thinking Brasil e os próprios autores do conceito preferem evitar o nome “metodologia”. Essa palavra cria uma falsa impressão de que esse conceito é como uma fórmula de bolo: exata e constante.
A Apple em meio a essa nova abordagem
Nesse momento, voltamos ao ponto inicial: a Apple. A partir dos 5 passos da abordagem de Design Thinking, é possível formar o plano de fundo para entender os motivos e a estratégia da marca que a tornou uma gigante do mercado e a levou seu valor trilionário.
1. Empatia (insights): colocar-se no lugar dos consumidores, por meio de pesquisas, para que os produtos criados sejam facilitadores de problemas cotidianos vividos pelos clientes. Nesse quesito, a questão da desejabilidade e praticabilidade, que constituem o principal pilar do Design Thinking, ganha ainda mais importância
O paralelo com a Apple pode não ser tão óbvio para quem olha para os dias de hoje, mas as inovações trazidas por Steve Jobs a partir de 1997 ao voltar a Apple (ele havia sido expulso da própria empresa que criou em 1985) são uma amostra clara da busca incessante para melhor atender seus clientes por meio da desejabilidade e da praticidade.
Para tornar isso mais claro, uma pergunta: qual o produto criado nas últimas duas décadas que trouxe mais praticidade que o iPhone?
Talvez muitos hoje não entendam o impacto do iPhone em relação a praticidade que trouxe para o cotidiano de cada indivíduo e a demanda que isso criou. No entanto, se voltarmos a 2007 (ano de lançamento do iPhone), vamos recordar que o novo smartphone concentrou, em um mesmo lugar, uma quantidade de funções nunca antes vista. A novidade era ao mesmo tempo telefone, tocador de música, navegador de internet, organizador digital e ainda permitia enviar fotos ou e-mails com 2 ou 3 toques na tela, junto a uma interface simples de usar e inovadora. Além disso, o cuidado por uma experiência que seja diferente de todas as outras, desde a embalagem até o primeiro momento em que se liga um dos dispositivos. As ideias surpreendentes causaram impacto imediato no desejo do consumidor ao trazer a praticidade através da inovação.
Outro exemplo está na criação do iMac (1998). O computador, na época, trazia algo inovador, era o primeiro computador com apenas duas peças (teclado e monitor).
Esses são sinais de que a Apple, por meio de Steve Jobs, inverteu a lógica criativa e passou a entender que quanto maior a praticidade, maior seria o sucesso.
2. Definição (foco): limitar/restringir as soluções da empresa para o que realmente desejam os consumidores. Esse fator implica também na restrição da oferta de produtos da empresa.
Na Apple não foi diferente. Após sua volta à empresa, Jobs fechou duas divisões e reduziu grande parte do portfólio de produtos oferecidos pela companhia com o intuito de focar nas mercadorias que eram verdadeiramente desejadas pelos consumidores.
3. Idealização (brainstorm): momento em que a criatividade é estimulada e as ideias devem fluir na busca pelas soluções que estejam de acordo com os três pilares do Design Thinking.
Para muitos, ao se fazer a pergunta sobre quem era Steve Jobs, a resposta seria um gênio tecnológico criador da Apple. Contudo, o que poucos sabem é que o verdadeiro gênio tecnológico da Apple era um outro Steve, Steve Wozniak. Assim, a genialidade de Jobs concentrava-se na sua capacidade de fazer marketing e em sua habilidade criativa.
Estimulando a criatividade de seus funcionários e formando equipes multidisciplinares, Jobs tinha o intuito de trazer uma maior troca de experiências e conexão de ideias que levaria ao processo criativo. Como o próprio dizia: “Criatividade é a arte de conectar ideias". Mostrando que essa arte não estava restrita a alguns gênios, e sim, a todos aqueles que tinham a capacidade de conectar suas ideias/experiências a favor do processo de criação.
4. Prototipagem (construção): momento de filtrar e efetivar as ideias surgidas no brainstorm, além de criar planos/projetos a serem executados.
O consumidor passou a fazer-se presente nessa etapa dos processos dentro da Apple por meio de testes de usabilidade implementados por Jobs nas etapas finais para a conclusão do produto.
Para entender melhor, até mesmo as lojas de venda da Apple foram testadas no formato como são hoje. Jobs pediu a construção de um espaço em que pudesse testar o ambiente físico das lojas para projetar da maneira que achava que proporciona uma melhor organização espacial e experiência ao cliente.
5. Teste (entrega): lançamento no mercado. Após seguir as outras etapas do processo o risco de rejeição é reduzido.
As filas formadas nas lojas no dia 29 de julho de 2007, dia do lançamento do primeiro iPhone, constituem a maior prova de que o novo aparelho atingiu em cheio a vontade (desejo) dos consumidores.
Esse fato é comprovado se analisarmos o gráfico do lucro proveniente de cada modelo de aparelho celular desde 2007. Como pode-se notar, mesmo entrando em um mercado cercado de grandes players como a Nokia, Samsung e LG, a partir de 2008 a Apple conseguiu superar de longe seus competidores. Mas por quê a partir de 2008?
Em 2007 ocorreu o lançamento do primeiro iPhone, que apesar de já ter causado o interesse de todo os consumidores, ainda era um produto novo e que ninguém sabia o quão longe iria. Contudo, após a segunda versão ser lançada em 2008, e tendo a primeira versão comprovado a qualidade/praticidade do novo aparelho, suas vendas atingiram patamares impressionantes.
Esses 5 passos são acompanhados pela ideia de que o produto nunca está pronto, mas sim em estado constante de aprimoramento, tornando o processo circular e inacabável. Ou seja, em Design Thinking não há espaço para pausa, a inovação tem que ser constante.
Nesse sentido, a citação de Steve Jobs “Inovamos como loucos.” constitui mais um ponto de encontro entre o processo de criação da Apple e a ideia de Design Thinking.
Ainda mais longe
De fato, a Apple é um exemplo atual do sucesso obtido com base numa estratégia que tem o Design Thinking como ponto essencial. Contudo, a organização foi ainda mais a frente. A atenção aos detalhes, a preocupação com o design visual ou até mesmo com o lançamento dos produtos — cercados de mistério e novidades apresentadas (que já ocorre desde quando Steve Jobs proporcionava verdadeiros shows nas cerimônias de lançamento) mostram como a empresa seguiu à risca os conselhos dos autores e não se fecharam à “receita de bolo”. A estratégia foi pautada a partir desse novo conceito, estudando o mercado e inovando sem parar.
A Cultura Apple
"Design não é apenas como se parece. Design é como funciona".
A frase acima, também dita por Steve Jobs, demonstra como ele substituiu a ideia de design simplesmente pela ideia do Design Thinking. Design passou a ser parte de todo o processo produtivo, desde a criação ao teste. Jobs criou na Apple a cultura do produto “user friendly”. Assim, colocou o usuário como protagonista do processo de criação, para elaborar produtos que atendessem suas necessidades da forma mais prática possível.
Apesar de não ter mais o gênio responsável por sua transformação, a Apple mantém a abordagem do Design Thinking imersa em sua cultura, sendo possivelmente o principal pilar que leva a empresa a criar identificação com os clientes e atingir números nunca antes vistos.
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