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O preço do Hype: o que leva as pessoas a pagarem tanto por marcas de grife?

Atualizado: 12 de abr. de 2021



A pandemia do coronavírus teve seu primeiro alerta em 31 de dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, na China. Desde então, máscaras cirúrgicas têm se tornado um acessório de alta procura pela população mundial. Nesse contexto, observou-se um acontecimento inesperado: diversas marcas luxuosas como Louis Vuitton, Off White e Bape, que possuem grande influência na moda internacional, lançaram suas próprias máscaras, com preços em torno de 700 reais - cerca de 140 vezes a média do mercado. Surpreendentemente, esses acessórios já se esgotaram em todos os pontos de venda. Mas afinal, o que fez com que os consumidores se disponibilizassem a pagar um valor tão alto por produtos disponíveis a preços muito mais baixos?


O INÍCIO DA TENDÊNCIA

Primeiramente, é preciso compreender que a moda atual não se resume somente a lançamentos de tendências em desfiles de alta costura. Hoje, as marcas, ao se aproximarem mais da realidade do streetwear, passaram a ter influência sobre o estilo de vida do consumidor por completo - o que fazer, o que vestir, o que escutar - ao transmitir uma mensagem por trás dos seus produtos. Nesse contexto, surge uma nova expressão cada vez mais em alta: o Hype.


Esse conceito abrange muito mais do que uma peça de roupa: essas marcas, junto a grandes influenciadores, conseguiram criar uma cultura própria. Por meio de parcerias, criações de edições limitadas e estratégias para enfatizar suas ideias, essa cultura passou a determinar o valor agregado dos produtos e o que eles representam dentro desse contexto. Grandes artistas foram precursores na construção do que hoje chamamos de Hype, sendo responsáveis pela inovação dos produtos e pela mudança na forma de consumo.


Consideremos, por exemplo, o Kanye West: ele já não é somente considerado um artista musical, mas também um dos grandes influenciadores do movimento e consequentemente da moda atual. Com um alcance de mais de 30 milhões de ouvintes mensais em suas músicas, a força de sua imagem fez com que grandes marcas buscassem desenvolver produtos em parceria com o cantor. A pioneira delas foi a Nike, que teve como resultado da colaboração o desenvolvimento do modelo de tênis Yeezy, um dos símbolos do Hype atualmente. Entretanto, após desavenças entre o cantor e a gigante do mundo esportivo, Kanye fechou um contrato com a rival Adidas para dar continuidade a linha de calçados. Desde a primeira colaboração, a marca teve um crescimento de 65% em vendas, e, é possível visualizar seu crescimento e a porcentagem representada pelo produto no gráfico abaixo:

Esse sucesso se deu, principalmente, pelas características atribuídas ao tênis: não só ser confortável e estiloso, mas também por “vender” o estilo de vida de Kanye. Por esse motivo, grandes marcas justificam a cobrança de valores exorbitantes por produtos ditos únicos. Um exemplo seria o próprio Yeezy, vendido hoje em dia por cerca de US$220 e que, em 2019, bateu mais de 1,5 milhão de unidades vendidas. Além disso, é de extrema relevância entender que, quanto mais raro o produto, maior se torna seu valor agregado dentro desse universo. Devido a isso, as últimas unidades do tênis produzidas pela Nike foram leiloadas em sites como o Ebay, com seus preços crescendo exponencialmente até inacreditáveis US$12 milhões, cerca de quarenta mil vezes maior que seu preço original.


Além disso, ao analisar os padrões de consumo atuais da chamada “Geração Z” - pessoas nascidas depois de 1990 - é possível perceber que surgiram novas tendências as quais impulsionam a dinâmica do mercado atual. A principal delas é traduzida pela fidelidade do cliente às marcas com produtos únicos, ou seja, a priorização da originalidade acima da qualidade. É possível, ainda, levantar outro fator que tornou o surgimento desse mercado possível: os influenciadores digitais e seus posicionamentos em relação aos produtos.


Com mais de 25 milhões de seguidores no Instagram, o rapper americano Travis Scott transmite, por meio de suas músicas, um estilo de vida marcado pelo luxo e ostentação. Como o alcance da influência de artistas como Scott ultrapassa qualquer barreira física, muitos de seus ouvintes passam a buscar produtos que tragam certa identificação com o estilo propagado. Um exemplo de como isso se traduz na realidade foi o vídeo “Quanto Custa Seu Outfit?”, que se tornou viral em 2018. Nele, jovens da cidade de São Paulo descrevem o valor de cada peça que estão utilizando no momento, chegando a valores de mais de 30 mil reais, superior ao de muitos carros populares seminovos.


A OPERAÇÃO ATUAL

Como exemplo de marcas mais conhecidas dentro desse mercado, temos: Bape, Louis Vuitton, Adidas, Nike, Anti Social Social Club, Supreme, Off-White, Jordan, entre outras. Devido à reduzida escala da produção, elas operam em um sistema de lançamentos de edições limitadas, mais conhecidos como Drops. Seu funcionamento se baseia na venda simultânea em todas as lojas, bem como na divulgação de especificações a respeito do lançamento ser físico ou online e na publicação prévia de sua data e hora. Isso tudo com o objetivo de que o comprador esteja preparado e possa fazer o necessário para conseguir adquirir a peça desejada, visto que, em dados divulgados pelas marcas quanto aos Drops realizados online, a média de tempo até que o produto se esgote é de 15 minutos.


O que mais impressiona é o fato de ter sido criada uma nova profissão dentro desse cenário. Com o crescimento orgânico desse novo modelo de venda, foi possível o surgimento de um submercado da moda: o de Resellers. Ele consiste, principalmente, na revenda de produtos de edição limitada. Dado que os produtos se esgotam rapidamente nas lojas físicas, seus preços elevam cada vez mais, pela lei da oferta e demanda. Com isso, os denominados Resellers compram artigos de luxo para revender por preços mais altos, aproveitando esse movimento que as próprias empresas criaram.


Ainda nesse contexto, diversas lojas de revendas, sites e perfis em redes sociais foram criados para atender esse público, e, de acordo com uma análise recente da Cowen & Co, esse mercado pode chegar a somar até US$6 bilhões em vendas até 2025. Como exemplos dessas plataformas de revenda podemos citar a StockX, Goat e Flight Club, especializadas em autenticar e vender esses produtos para os compradores que os desejam.


Geralmente, não é ilegal revender um item comprado legitimamente. Depois de adquirido, o cliente pode fazer o que desejar com o produto. Entretanto, caso a venda seja feita como parte do negócio de uma empresa, surgem alguns problemas. O principal deles está relacionado ao pagamento de tributos, nos quais seria necessária a obtenção de uma licença de revendedor. Nesse caso, dependendo do tamanho da operação, seria obrigatório o registro de uma licença MEI (Microempreendedor Individual) ou abertura de um CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) para possível regulamentação do pagamento de impostos, o que não é a realidade da maioria dos Resellers, tornando, portanto, sua atividade ilegal.


Um exemplo claro da dinâmica desse mercado foi o que aconteceu no Drop de uma das versões do já citado Yeezy, da marca Adidas, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Na ocasião, o tênis foi lançado às 8:00 horas do dia 12 de outubro de 2019, mas, impressionantemente, sneakerheads - adeptos da cultura urbana do tênis - e resellers, vorazes pela oportunidade de ter o novo produto, já formavam a fila com 3 dias de antecedência da abertura. Esse mercado, apesar de ser em parte positivo tanto para os revendedores, que acabam lucrando, quanto para os consumidores, que conseguem ter acesso a produtos limitados, gera alguns obstáculos.



OBSTÁCULOS

Um desses obstáculos é a insatisfação gerada pela maior dificuldade dos clientes de comprar em lojas oficiais, que afeta diretamente as marcas de luxo. Isso se dá, principalmente, pelas táticas utilizadas pelos resellers a fim de contornar o sistema e conseguir produtos nos Drops antes dos clientes, que efetivamente desejam fazer uso dos mesmos, e não vendê-los. Uma tática utilizada é o pagamento de “fileiros”, como foram denominados, para ficarem esperando por dias as senhas para comprar os produtos. Isso ocorre pois existe uma série de pré-requisitos que o comprador precisa cumprir por trás do momento final da compra. Um exemplo disso é que cada pessoa só pode comprar um produto por CPF e cartão de crédito.


As grandes marcas precisam continuar agradando ao máximo seus clientes com suas edições limitadas, uma vez que é o interesse deles nos produtos que os fazem comprar por valores de até 70 vezes a média do mercado. Um caso recente que chamou bastante atenção foi o da parceria entre a marca Supreme e a fabricante de biscoitos Oreo. Juntas, desenvolveram um pacote de biscoitos, com 3 unidades, que leva as cores e logo da marca de acessórios, e, segundo estimativas, custará quase US$100,00 em revendas. Outros exemplos de produtos muito acima do valor do mercado podem ser observados no gráfico abaixo:

Por fim, é necessária cautela, por parte das principais marcas, com o crescimento de produtos falsificados no mercado. Os próprios consumidores criaram um termo para chamar esses itens, “Fugazzi” (que significa cópia). Empresas como a Supreme enfrentam um problema relativamente novo na indústria da moda: marcas falsas porém legais. Isso acontece quando uma empresa registra uma marca em determinado país antes que a marca original consiga fazer isso. Assim, eles podem vender produtos quase iguais usando uma estratégia de marketing praticamente idêntica à da marca original. Diferente de falsificação, o objetivo não é replicar o produto original, mas imitar a marca como um todo. Um exemplo dessa falsificação é a Supreme Itália, que copia todos os produtos da Supreme New York. A marca falsa já chegou a fazer parcerias com a Samsung, convencendo-a de que era a original, e também, a abrir uma loja inteira de produtos falsificados da Supreme em Shangai:


Essas marcas falsas, sem surpresa, são muito mais acessíveis em termos de canais de venda e até mesmo de preço que os itens originais. Como dito anteriormente, artigos de luxo são vendidos em edições limitadas e, quando uma nova edição é lançada, os produtos se esgotam em poucos minutos. Enquanto isso, cópias legalizadas estão disponíveis na sua loja local, às vezes enganando revendedores e levando-os a acreditar que estão lidando com produtos originais. Nesse contexto, a falsificação se torna um risco muito elevado pelo possível comprometimento da imagem de marcas pela baixa qualidade dos produtos falsos, e também, em um mercado de preços elevados sem um motivo tátil.


Em síntese, com as mudanças rápidas que ocorrem nesse mundo globalizado e com o grande número de concorrentes disputando para ganhar um espaço maior nesse novo mercado crescente, observa-se que, cada vez mais, as marcas precisam se provar para seus clientes. Com isso, estão constantemente inovando em seus produtos, seja se mobilizando rapidamente para lançar uma máscara de proteção ou criando um novo modelo de tênis.

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