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Para que juízo? O lado irracional do consumo

Atualizado: 12 de abr. de 2021



É praticamente certo que todos já compraram algum produto por impulso. Todos já entraram em alguma loja decididos de que não gastariam seu dinheiro e bem… saíram carregados de sacolas de compras. Na realidade, isso tornou-se algo tão previsível que a famosa resposta do “estou só dando uma olhadinha” é música para os ouvidos dos lojistas, já que, muitas vezes, torna-se o mesmo que “estou disposto a ver de tudo que você me apresentar e, quem sabe, realizar diversas compras”.


Nessa breve reflexão, podemos responsabilizar alguns agentes pela mudança de comportamento do consumidor: o vendedor da loja que com sua excelente estratégia de comunicação e persuasão está prestes a conquistar mais um cliente, ou talvez a própria marca do produto que, mais uma vez, oferece uma liquidação imperdível aos seus consumidores. Entretanto, e se eu te falasse que o principal culpado do consumo irracional é você? Por favor, não ache que estou me referindo a sua pessoa em particular, mas sim à raça humana e, mais especificamente, ao nosso subconsciente, que é empurrado por diversos gatilhos e armadilhas, muitas vezes imperceptíveis.


Bem-vindo ao maravilhoso mundo da Economia Comportamental

Nesse mundo, nós, consumidores, somos induzidos a tomar decisões influenciados por parâmetros não necessariamente racionais, mas sim contextuais, culturais ou subjetivos. Richard Thaler, ganhador do prêmio Nobel de Economia, propôs que pequenos empurrões, em inglês nudges, nos direcionariam para uma opção antes inesperada e que desafia a lógica humana. No entanto, essa teoria não foi automaticamente aceita. Era necessário quebrar o preconceito do Homo Economicus, ou seja, o homem dotado de racionalidade suficiente para sempre fazer as melhores decisões. Desse modo, surgiu a questão: como interligar duas bases científicas - economia e psicologia - que, até então, pouco se assemelhavam? A resposta foi simples e direta: estudos práticos e experimentais.


Case The Economist: Preferência de compra

Em um desses estudos, publicado no livro Previsivelmente Irracional, o autor Dan Ariely, renomado professor da Duke University, mostra de maneira simples a atuação da ciência por trás de nossas ações. Inicialmente, ele notou que a revista The Economist oferecia três pacotes de assinatura para seus clientes: somente impresso custando $129, somente digital por $59 e por fim, o pacote que oferecia tanto a revista impressa quanto a digital pelos mesmos $129. Em uma perspectiva inicial, existe alguma lógica aparente na estratégia da empresa em oferecer pacotes de assinatura distintos pelo mesmo preço de $129?


Visando entender a estratégia da organização, Ariely convocou um grupo de estudantes para realizar um experimento: dividiu aleatoriamente a amostragem inicial em dois, grupo A e B. Para A, ofereceu todas as opções de compras enquanto para B, ofereceu apenas a opção digital ($59) e o que chamaremos de combo, contendo tanto a revista impressa quanto a digital ($129). Os resultados estão expostos a seguir:


Resultado percentual das escolhas de cada grupo do experimento

Esse resultado confirma a teoria por trás da Economia Comportamental. No exemplo citado, ocorre o que conhecemos como efeito da isca, em inglês decoy effect. Nele, o grupo A recebeu todas as opções, ao passo que o pacote somente impresso era claramente ancorado, ou seja, é um chamariz que fez com que as preferências dos consumidores migrassem para a opção dominante, já que agora o combo possuía uma clara aparência de “promoção imperdível”, visto que tinha o mesmo preço que a revista impressa. Dessa forma, a empresa consegue obter mais assinantes do pacote mais caro, sem aumentar seus custos, já que a publicação digital não apresenta tantas despesas quanto a revista física. Portanto, aqui aparece um dos verdadeiros poderes por trás desse conceito comportamental: maximizar o lucro da empresa de forma eficaz e rápida.


Os truques silenciosos e quase invisíveis

Talvez você nunca tenha notado, mas empresas, como visto no caso The Economist, utilizam estratégias de vendas e precificação que despertam pequenos gatilhos emocionais e irracionais em seus consumidores. Será que você consegue reconhecer alguma delas no seu dia a dia?


Multiple Pricing

Essa estratégia acontece quando a loja agrupa dois ou mais produtos em um único kit. Assim, além de dificultar a análise racional do consumidor sobre o preço, esse gatilho também desperta o desejo consumista intrínseco ao ser humano, maximizando assim a receita do estabelecimento. Entretanto, há ainda mais vantagens para o comércio que aplica essa técnica. Inicialmente, uma vez que o lojista consegue vender não só um, como dois produtos, a rotatividade do seu estoque aumenta, diminuindo a quantidade de produtos encalhados, o que permite a redução das despesas da empresa com o armazenamento de suas mercadorias.


Somado a isso, agora que há somente uma embalagem para dois produtos, os gastos com essa etapa do processo produtivo também diminuiram. Portanto, com essa simples união dos produtos, o lucro aumenta tanto proveniente do maior número de artigos vendidos quanto na diminuição dos custos operacionais. A Nintendo, por exemplo, obteve grande sucesso ao implementar essa tática durante o lançamento de um de seus principais produtos: o Nintendo Wii. Isso ocorria pois, juntamente com o console, também era vendido um de seus principais jogos, o Wii Sports, o que impulsionou as vendas desse conjunto.


Over Pricing

Por mais estranho que pareça, em alguns casos, elevar o preço do produto da sua marca pode ser algo atrativo, mesmo que este se torne acima da média de custo do mercado. Para entender melhor, imagine que você é o CEO de uma empresa como a Gucci. Nessa perspectiva, é essencial que você trabalhe sempre pensando em seu público-alvo. Em nosso exemplo, portanto, é um público com grande poder aquisitivo e que gosta de materiais luxuosos e até mesmo exclusivos. Todas essas qualidades são reforçadas no subconsciente humano a partir do momento que o gasto de um cliente da Gucci não reflete a média, mas sim algo muito acima do resto do mercado. Como resultado dessa estratégia, mais consumidores se sentem atraídos pela ideia do luxo transmitida pela marca, que aumenta assim seu público e, consequentemente, suas vendas.


Essa tática de adequação do público-alvo é tão importante que algumas empresas, principalmente as da indústria da moda, preferem descartar seu excedente em estoque a baixarem os preços dos produtos. Isso acontece pois seria necessário fazer uma promoção para vender tudo. Com isso, o novo preço permitiria com que outro perfil de consumidor fizesse a compra, o que poderia desvalorizar a marca frente ao público mais luxuoso. A marca britânica de roupas de luxo Burberry, por exemplo, queimou mais de R$ 140 milhões em produtos no ano de 2018. Tal prática também é uma medida preventiva contra possíveis contrabandos de peças, o que seria extremamente negativo para o branding da instituição.


O resumo dessas duas práticas empresariais anteriormente citadas? Apesar de, em um primeiro instante, aparentarem ser estratégias sem base científica, ambas geram retornos significativos para as organizações que as praticam, demonstrando que o ser humano é, cada vez mais, previsivelmente irracional. Nesse contexto, é fundamental que as empresas tentem maximizar o lucro a partir dessa característica dos consumidores. No entanto, as aplicações da teoria comportamental não se limitam ao mundo dos negócios. Desde as mais simples até a mais complexa atividade humana, tudo sofre algum efeito irracional.


Um por todos, todos por um

Alguma vez quando criança, você já quis atravessar a rua sem olhar só porque outra pessoa ao seu lado também atravessou, conquistando assim, mais uma bronca de seus pais? Em mais uma oportunidade, já adolescente, você aderiu alguma moda de vestuário que nem achava tão descolada, simplesmente porque todos seus amigos também seguiram? Agora quando mais adulto e também responsável, chegou a hora de investir no mercado de ações. Será que dessa vez, você se livrou da coletividade ao seu redor?


Efeito manada e as finanças comportamentais

Assim como o ser humano tende a agir guiado pela coletivo em situações rotineiras, o mercado financeiro também é afetado pelo aspecto emocional e comportamental das pessoas. Nesse aspecto, somos influenciados pelo o que conhecemos como prova social, ou seja, analisamos o que outros fazem para ganharmos segurança em nossas ações e atitudes. Portanto, uma vez que muitas pessoas investem em determinada ação, isso legitima a sensação de que estamos mais protegidos contra a perda de dinheiro, já que toda a “manada” ao nosso redor também está na mesma situação.


Além disso, a irracionalidade do subconsciente do indivíduo prefere perder o que possuía do que ver todos ganhando enquanto somente você não está obtendo lucros. Então, por mais que você seja um investidor inteligente, dotado de experiência e visão ampla do mercado, a sua carteira estará sujeita a sofrer com as tendências comportamentais no curto prazo.



Ainda assim, talvez não tenha ficado tão claro o poder do efeito manada. Portanto, pense em um fenômeno como as Bolhas Econômicas, no qual ocorre a supervalorização de um ativo. Isso é, seu preço cresce de tal forma que seu valor de mercado torna-se muito acima do que seu valor intrínseco. O momento coletivo de euforia dos investidores é tão grande que o aspecto racional de suas decisões fica em segundo plano, enquanto o emocional entra em ação e, na maioria dos casos, lhe traz uma tomada de decisão irracional. Dessa forma, o comportamento de manada faz com que o preço do ativo oscile muito rapidamente, fazendo com que, em diversos momentos, o ativo fique com um preço desprendido de sua realidade.


Nesse momento, é provável que você esteja se perguntando como lidar com todos esses gatilhos mentais e a influência do subconsciente em nossas tomadas de decisões. Infelizmente, lamento decepcioná-lo, porém a irracionalidade de nossos julgamentos é inerente ao comportamento humano. Em suma, não há escapatória: quando você menos esperar, já terá sido afetado por mais uma previsível, entretanto implacável, armadilha da economia comportamental.

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