Pressão Silenciosa: As Operadoras no Centro da Transformação da Saúde Suplementar
- Bernardo Prataviera
- há 4 dias
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Com mais de 52 milhões de beneficiários, a saúde suplementar é uma das peças centrais do sistema de saúde do Brasil, movimentando mais de R$300 bilhões em 2024, o que representa cerca de 2,5% do PIB1, segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Por meio de planos e seguros privados, essa indústria é a suplente de lacunas no sistema público de saúde brasileiro, propondo qualidade superior juntamente com segurança de atendimento prioritário.
Porém, mesmo sendo imprescindível para um país, o setor enfrenta diversos desafios, como a alta sinistralidade, a estagnação no crescimento do número de beneficiários, o ambiente regulatório brasileiro rígido e as fraudes por parte de prestadores, que pressionam sua viabilidade como indústria. Dessa forma, esses fatores impõem um cenário de crescente complexidade para as operadoras, que precisam, simultaneamente, equilibrar custos, garantir qualidade assistencial e buscar modelos mais eficientes e resilientes para o futuro. Sendo assim, como as operadoras estão se reinventando para garantir o funcionamento pleno do setor diante de tantos obstáculos?
Panorama da Saúde Suplementar no Brasil
A Saúde Suplementar brasileira é pautada em diferentes estruturas que se organizam para participar do cuidado de saúde do paciente e gerar valor aos stakeholders2 relacionados a ela, desde a prevenção até a alta hospitalar e reabilitação. Dessa forma, a cadeia de valor da saúde suplementar no Brasil envolve múltiplos atores: fabricantes de medicamentos e equipamentos, prestadores de serviços de saúde (como hospitais, clínicas e laboratórios), operadoras de planos e os próprios beneficiários. Nesse ecossistema, as gestoras de plano ocupam uma posição intermediária, sendo responsáveis por captar recursos dos clientes e repassá-los aos prestadores, segundo regras contratuais e regulatórias. Embora tenham papel central no financiamento da rede privada de saúde, sua posição é estruturalmente frágil, pois enfrentam pressões simultâneas das duas pontas da cadeia: dos beneficiários, que buscam acesso amplo, e dos prestadores, que demandam maior remuneração e autonomia assistencial.

No relacionamento com os beneficiários, as operadoras acabam atuando como antagonistas do uso dos próprios serviços que vendem. Isso ocorre porque seu modelo econômico é baseado no controle da sinistralidade, que é o equilíbrio entre o valor arrecadado com as mensalidades e o valor desembolsado com procedimentos médicos, internações, exames e outros serviços. Ou seja, quanto mais os beneficiários utilizam os serviços de saúde, maior o índice, o que pressiona os resultados financeiros das operadoras. Para evitar isso, utilizam estratégias como imposição de carências, exigência de autorizações prévias, limitação de rede credenciada e reajustes acima da inflação médica. O resultado é uma relação frequentemente marcada por frustração, desconfiança e judicialização.
Diante disso, em relação aos prestadores de serviços, o conflito se manifesta em outro plano: o financeiro e operacional. As operadoras realizam glosas (recusas ou reduções de pagamentos) em faturas, aplicam auditorias e negociam constantemente a redução de valores pagos por exames, consultas e procedimentos. Por outro lado, hospitais e clínicas alegam defasagem nos repasses e restrições à sua autonomia terapêutica. Essa tensão corrói a colaboração entre as partes e gera um sistema de saúde fragmentado, onde os interesses não estão necessariamente alinhados ao cuidado do paciente.
Essas relações conflituosas se intensificam frente os três drivers3 que desafiam a sustentabilidade das operadoras: envelhecimento populacional, avanço tecnológico e ampliação regulatória. Esses vetores atuam como aceleradores da sinistralidade e exigem adaptações por parte das operadoras para que o seu modelo de negócio mantenha-se sustentável.
As projeções demográficas para o Brasil indicam um aumento expressivo na demanda por serviços de saúde, o que deve elevar os custos operacionais em diversos setores, especialmente na indústria e, de forma ainda mais crítica, nas operadoras de planos de saúde. Isso se deve ao crescimento das populações idosa e obesa, grupos mais propensos a desenvolver doenças crônicas e a necessitar de cuidados médicos contínuos. De acordo com o IBGE4, até 2050, cerca de 35% dos brasileiros terão mais de 60 anos, totalizando 65,5 milhões de pessoas, mais que o dobro do registrado em 2020, resultado direto dos avanços na medicina e do aumento da expectativa de vida. Além disso, o Congresso Nacional de Obesidade (ICO) projeta que, em 2044, 75% da população adulta estará com sobrepeso ou obesidade, somando cerca de 130 milhões de pessoas. Tais transformações devem elevar significativamente a sinistralidade das operadoras, já que implicam em maior frequência e custo de utilização dos serviços de saúde por seus beneficiários, representando uma ameaça à sustentabilidade dos modelos atuais de financiamento e gestão assistencial. Assim, o envelhecimento populacional e a crescente prevalência da obesidade configuram um desafio de grandes proporções, com impactos diretos na economia e na sustentabilidade dos serviços públicos e privados.
Paralelo a isso, o crescente uso de tecnologias também acelerará os custos operacionais, por conta da expansão e sofisticação dos métodos diagnósticos, terapêuticos e de monitoramento remoto. Esse fenômeno está diretamente ligado à introdução constante de inovações médicas de alto custo, como terapias-alvo e inteligência artificial aplicada ao diagnóstico por imagem. Além disso, o avanço da digitalização exige investimentos contínuos em interoperabilidade de sistemas, segurança de dados e infraestrutura digital, pressionando operadoras e prestadores a modernizarem seus processos. Assim, o impacto da tecnologia no setor de saúde suplementar é e continuará a ser uma faca de dois gumes: enquanto permite avanços significativos em qualidade e precisão, também representa uma fonte persistente de aumento de custos e necessidade de adaptação estrutural.
Para além disso, a já elevada complexidade operacional no setor aumentará por conta das crescentes regulamentações que são impostas por órgãos como a ANS, que buscam equilibrar os interesses de consumidores, operadoras e prestadores. A cada ano, surgem novas exigências relacionadas a coberturas obrigatórias, transparência contratual, proteção de dados e protocolos assistenciais, o que amplia a carga administrativa das operadoras e reduz sua margem de manobra. Como consequência disso, o setor é pressionado por pautas de judicialização da saúde, revisão de contratos, e pela ampliação dos direitos do consumidor, o que eleva os custos de compliance5 e a necessidade de sistemas de gestão regulatória mais robustos. Nesse cenário, a regulamentação, embora essencial para garantir a equidade e segurança dos serviços, torna-se um vetor adicional de complexidade e pressão financeira para as operadoras.
Papel das Operadoras na Organização do Setor
Nesse contexto, é válido entender o modelo de negócios das gestoras de planos, que gira em torno da intermediação financeira e assistencial entre beneficiários e a rede de prestadores de serviços de saúde. Mais a fundo, o modelo opera com base na lógica de seguro tradicional: os clientes pagam um prêmio mensal (mensalidade) e a empresa assume o risco de arcar com os custos dos atendimentos conforme os termos do contrato (sinistro), baseando, assim, o seu business na sinistralidade. Quanto mais eficiente for a gestão do risco da rede credenciada e do comportamento dos beneficiários, maior é a capacidade da seguradora de manter margens sustentáveis. Além disso, seguradoras costumam oferecer planos que permitem ao beneficiário a livre escolha de médicos, clínicas e hospitais fora da rede credenciada, mediante o reembolso das despesas, conforme os limites e regras contratuais, o que exige uma estrutura administrativa mais robusta para auditoria e controle dos gastos.
Com isso, o mercado, hoje, é altamente fragmentado, com 670 empresas listadas pela ANS, sendo que a líder de clientes, Hapvida, controla apenas 7,1% da parcela total, evidenciando que o setor é altamente competitivo, com instituições regionais e de nicho tendo clientela significativa. Essa alta competitividade, no entanto, também vem sendo a força motriz do movimento de consolidação do setor, com M&As sendo concretizadas para mitigar o alto custo de operação – refletidos na redução de quase 100 operadoras registradas na ANS desde 2017, enquanto a receita do setor beirou o dobro no mesmo período.

Tendo essa noção de mercado e business6, é visto que as operadoras ocupam papel central na organização e funcionamento do setor, sendo indiretamente responsáveis pela complexidade regulatória imposta nele. Isso se dá por conta da política de regulamentação da ANS, que é exclusiva a seguradoras, gerando um efeito dominó nos outros stakeholders, de acordo com Marcelo Zobaran, Diretor técnico da ANS. Um exemplo disso é a Resolução Normativa nº 585/2023, aprovada em 2023, que estabelece novas normas para alteração de rede hospitalar pelas seguradoras de planos de saúde (como a proibição de descredenciamento sem substituição equivalente), afetando indiretamente prestadores de serviço, fazendo-os ter mais transparência com o paciente e manter alta performance, a fim de tornarem-se ativos mais valiosos no portfólio das operadoras, agora mais conservadoras pela dificuldade de mudança de redes. Essa e outras regulações moldam o setor por meio da mudança de comportamento das seguradoras.
Além disso, devido à natureza oposta das atividades de operadoras e hospitais, há uma relação quase antagônica entre os dois. Expandindo isso, é válido olhar para o principal driver de seguradoras, a taxa de sinistralidade. Hospitais, por outro lado, têm como motor a taxa de ocupação de leitos e a receita gerada por eles. Dessa forma, um prestador deseja que o paciente fique o maior tempo possível internado fazendo os tratamentos mais caros possíveis, enquanto a operadora quer o oposto, que o seu beneficiário acione a menor quantidade de sinistros possível. Como consequência, a relação operadora-hospital é bastante sinuosa, resultando em glosas pela primeira metade e fraudes pela segunda. Essa assimetria de interesses intensifica a desconfiança entre as partes e eleva os custos de monitoramento e compliance no setor, evidenciado pela altíssima taxa de sinistralidade atual, de 83,6% – que pressiona as margens de lucro da indústria.
Desafios Atuais das Operadoras
Atualmente, o maior empecilho para as operadoras de saúde no Brasil é a regulamentação crescente devido à grande complexidade operacional decorrente dessas mudanças. Um exemplo disso foi a Resolução Normativa nº 171/2008, que impôs barreiras na política de reajustes na precificação de planos individuais, deixando-os inviáveis ou altamente custosos para as operadoras. Como consequência, esse tipo de contrato passou por uma evidente retração, com o número de beneficiários caindo de aproximadamente 9 milhões em 2008 para 8,6 milhões atualmente, apesar do crescimento de mais de 10 milhões no total de clientes do setor no período. Isso ocorre, em grande parte, pela defasagem entre o teto de reajuste permitido pela ANS (6,91% em 2023) e o crescimento da VCMH7, que atualmente supera 12% ao ano. Essa disparidade compromete a capacidade das operadoras de cobrir suas despesas assistenciais com receitas compatíveis, comprovado pelo déficit acumulado dos planos individuais, que chegou a R$3,2 bilhões em 2023, segundo relatório da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde). Isso se dá porque, ainda segundo o relatório, 89 operadoras apresentaram sinistralidade acima de 100% em planos individuais, ou seja, os custos ultrapassam a receita nessa modalidade.
Esse cenário leva as empresas a optarem por oferecer primariamente planos coletivos empresariais, cuja política de reajuste é mais flexível, resultando em 83,4% de dominância dessa modalidade, em abril de 2025, segundo a ANS. Isso traz uma dependência na empregabilidade brasileira ao setor de Saúde Suplementar, já que a grande maioria dos planos são ditados com base no posto de trabalho dos beneficiários. Isso é demonstrado pela correlação de 78% entre o número de contratos dessa modalidade e o nível de emprego no Brasil, o que evidencia a fragilidade estrutural do setor diante da volatilidade do mercado de trabalho. Tal vulnerabilidade expõe um risco adicional que compromete a previsibilidade e a sustentabilidade das operadoras em períodos de crise econômica – como na pandemia, em que a taxa de desemprego atingiu 14,9%.

Ademais, a judicialização é outra consequência da alta regulamentação do setor, que é causada por normas que geram conflitos entre cobertura obrigatória, prazos de atendimento e negativa de procedimentos, que dão margem para que beneficiários acionem a justiça contra operadoras. Para além disso, o setor de saúde em geral é extremamente imprevisível, com novas tecnologias e terapias que não podem ser previstas em um contrato firmado previamente, necessitando de apoio jurídico para resolução. Um caso recente de problemática causada por regulações foi o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, que define procedimentos mínimos obrigatórios, gerando limitações para operadoras e facilitando a ação judicial por parte de clientes insatisfeitos, especialmente em casos de novos procedimentos ainda fora do rol. Com isso, e outros fatores regulamentares, foi visto um aumento de 63% no número total de processos abertos contra gestoras de planos entre 2021 e 2024, chegando à marca de 353.677 processos abertos e uma perda direta de 1,9% da receita total das empresas em provisões cíveis. É visto, então, que mudanças regulatórias são intrinsecamente ligadas ao funcionamento do setor, podendo mudar completamente a dinâmica na qual empresas operam.
Outro desafio para as gestoras de planos são fraudes, que impactam diretamente os custos e a sustentabilidade das operadoras. Essas burlas são, em sua maioria, intencionais, feitas por prestadoras de serviço e compostas por estratégias de aumentar o valor do sinistro cobrado para as operadoras, e podem ser feitas por meio de cobranças de procedimentos indevidos, superfaturamento de insumos, realização de procedimentos desnecessários, duplicidade de cobranças, entre outros. Porém, esses agentes não são os únicos, já que fraudes podem ser executadas também pelo beneficiário, como na ocultação de condições pré existentes na hora de escolha do plano. As ações errôneas custam às operadoras cerca de 12,7% da receita total mensal, o equivalente a R$30-34 bilhões no setor em 2022, segundo estudo da Ernst & Young. Entende-se, então, que o uso inapropriado dos mecanismos de cobrança, resultando em adulterações, é um desafio enorme do setor de operadoras, que é extremamente impactado por isso.
Em contraste, sistemas internacionais contam com mecanismos regulatórios e de controle mais rígidos e centralizados. Nos Estados Unidos, por exemplo, o CMS implementou o Fraud Prevention System (FPS), que utiliza análise preditiva e inteligência artificial para detectar padrões suspeitos de faturamento. Com isso, entre 2013 e 2014, essas iniciativas resultaram em uma economia de aproximadamente US$42 bilhões, com um retorno de US$12,40 para cada dólar investido em integridade do programa, segundo a revista Fierce Healthcare. É evidenciado, então, que o sistema brasileiro ainda é embrionário quando se trata de prevenção de fraudes quando em comparação com expoentes estrangeiros.
A pressão sobre os custos gerada pela inflação médica é altamente detrimental ao modelo de negócios de gestoras de planos, tendo em vista que esse indicador caminha, geralmente, significativamente acima da inflação geral da economia (IPCA). Isso ocorre porque a inflação médica inclui inovação tecnológica de alto custo, judicializações, uso intensivo de exames e envelhecimento da base, gerando maior custo em serviços médicos, que, por sua vez, potencializa a sinistralidade reportada pelas operadoras, tornando o business inviável. Consequentemente, as fontes pagadoras precisam fazer constantes reajustes no custo de mensalidade de planos coletivos empresariais (que é a única modalidade que permite essas manobras por lei) para tentar acompanhar o rampante VCMH.

É visto que os ajustes de preço de planos de saúde coletivos tentam acompanhar a inflação médica, tornando-se, por vez, descolados da inflação real que pessoas experienciam. Isso torna o acesso à saúde particular segregado e majoritário aos que possuem emprego formal ou alta capacidade de aporte em um plano individual, com apenas 23% da população tendo acesso à saúde privada.
Perspectivas Futuras e Tendências
A principal tendência do setor é a de consolidação por meio de verticalização8,a fim de mitigar a crescente complexidade e custo operacional. Esse movimento foi visto recentemente, com os M&As9 entre SulAmérica e Rede D’Or (2022), Amil e Dasa (2025) e a Joint Venture10 entre Bradesco Saúde com a Rede D’Or (2024). Além desses exemplos de destaque, dados da ANS comprovam que há uma movimentação em direção à consolidação, visto que o número de seguradoras independentes vem constantemente diminuindo.

Isso se dá porque, ao entrar no ecossistema de uma empresa hospitalar maior, a complexidade operacional diminui por conta do compartilhamento de informações logísticas e sistemas de comunicação. Isso é evidenciado por Paulo Costa, Coordenador de Ortopedia da Rede D’Or Bangu, que, em entrevista em 2025, comprova que a eficiência na comunicação e compartilhamento de dados com a SulAmérica, operadora do ecossistema D’Or, é muito maior quando comparada com concorrentes fora dele.
Além disso, é visto que operadoras integradas com uma rede hospitalar têm serviço mais bem avaliado, segundo a métrica IDSS (Índice de Desempenho da Saúde Suplementar) da ANS, que é medida com base na qualidade, acessibilidade, sustentabilidade e governança de gestoras de planos. Nessa métrica, tomando como base as 40 maiores operadoras de saúde no Brasil, as que possuem algum grau de verticalização pontuam, em média, melhor do que as que não possuem, de 0,833 a 0,716 (máximo 1,000 na métrica).

Logo, o movimento de consolidação também é buscado para que o serviço das empresas seja melhor fornecido por meio das facilidades obtidas estando no ecossistema. Isso, por sua vez, traz mais beneficiários ao plano, aumentando os prêmios mensais.
O interesse de empresas hospitalares em reduzir riscos em expansões é outro driver para a verticalização, já que é um fator provido pela participação de uma operadora em seu ecossistema. Isso é visto no caso da Rede D’Or, que, com uma operadora, a SulAmérica, corta a média de breakeven11 na metade de um hospital padrão da América do Sul, para 4-6 meses. No entanto, em hospitais da marca Atlântica D’Or, frutos da Joint Venture com a Bradesco Saúde, o tempo para atingir o ponto de equilíbrio é de apenas 2-4 meses, por conta da ação de duas operadoras fornecendo uma base de clientes imediata após a construção de novos hospitais. Isso demonstra o poder que as operadoras oferecem às empresas hospitalares, que, com retorno 3-6x mais rápido ao seu investimento, buscam a aquisição ou parceria de operadoras para que potencializem os seus projetos.
Outra tendência presente no setor de Saúde Suplementar é a de uso de inteligências artificiais (IAs) para o combate a fraudes, já que grande parte do pré citado custo nas receitas de operadoras por ações fraudulentas é fruto dos modelos ultrapassados de auditoria, que dependem de inputs12 humanos, ao invés de força computacional, que não era viável devido à natureza complexa do processo de admissão de sinistros. No entanto, com o crescente desenvolvimento de tecnologias de IAs, o processo de averiguação pode ser cada vez mais automatizado. Esse serviço já está presente no mercado por meio da startup Arvo Saúde, que vende soluções de Machine Learning para automatizar processos de auditoria para operadoras. Em entrevista em 2025, a Chief of Staff da empresa, Alexia Schatz, estimou que, em meados de 2030, a porcentagem de fraudes na receita de operadoras que utilizam IA será menor que 2%, uma melhora de 10 pp, aproximadamente. Portanto, é perceptível que o uso de inteligência artificial será extremamente importante no combate a fraudes no setor de Saúde Suplementar no futuro próximo.
Vale destacar também que o setor se vê caminhando para VBHC (Value Based Healthcare), que promete colocar o paciente no centro do cuidado, promovendo otimização nos resultados ao basear a remuneração com base neles, substituindo o modelo tradicional de fee-for-service13, que pauta a retribuição com base apenas nos procedimentos feitos. A partir da publicação do documento intitulado Caderno de Modelos de Remuneração Baseados em Valor pela ANS em 2019, a estratégia passou a constar nas Agendas Regulatórias da agência. Após isso, houveram incentivos à adoção do VBHC, mas isso foi rapidamente ofuscado pela pandemia COVID-19 de 2020, que desestabilizou o uso de serviços médicos durante a sua passagem e gerou a necessidade de foco na resposta emergencial, desviando recursos de projetos de implementação de modelos inovadores de remuneração.
No entanto, após o término da pandemia, em 2023, projetos de VBHC começaram a ganhar tração no mercado de Saúde Suplementar. Casos como o do Hospital Israelita Albert Einstein, que, ainda em 2023, implementou contratos de pagamento por episódio de cuidado, especialmente em oncologia, ortopedia e cardiologia. Dessa forma, é visto que mudanças na maneira de remuneração dentro do setor de Saúde Suplementar são tendências que se tornarão cada vez mais pertinentes, com o distanciamento temporal da pandemia.
Com base no exposto, é percebido que as operadoras de saúde se encontram no epicentro das mudanças do setor de Saúde Suplementar, tendo aspectos como regulamentação, fraudes e pressão financeira passando intrinsecamente pelo modelo de negócios dessas empresas. Portanto, as maneiras as quais as operadoras lidarão com essas mudanças serão essenciais para determinar o desenlace da indústria e das vidas dos mais de 52 milhões de beneficiários incluídos nela.
Glossário
PIB (Produto Interno Bruto): Soma de todos os bens e serviços finais produzidos por um país em um determinado período; principal indicador do tamanho da economia.
Stakeholder: Qualquer parte interessada ou impactada pelas atividades de uma empresa, como clientes, funcionários, investidores e reguladores.
Driver: Fator que impulsiona ou influencia diretamente determinado resultado ou tendência em um setor ou empresa.
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Compliance: Conjunto de práticas e regras que garantem que uma empresa esteja em conformidade com leis, normas e padrões éticos.
Business: Termo em inglês para "negócio"; refere-se a qualquer atividade econômica organizada com fins lucrativos.
VCMH: Volume de Cirurgias, Consultas, Internações e Exames. Indicador utilizado na área da saúde para mensurar a quantidade de atendimentos prestados por uma instituição ou rede hospitalar.
Verticalização: Estratégia empresarial que consiste em controlar diferentes etapas da cadeia produtiva ou de serviços, como hospitais que também operam planos de saúde, buscando maior eficiência e redução de custos.
M&A (Mergers and Acquisitions): Fusões e aquisições de empresas, operações que envolvem a união ou compra de negócios.
Joint Venture: Acordo comercial entre duas ou mais empresas para a realização de um projeto ou negócio em comum, compartilhando recursos, riscos e resultados, geralmente mantendo identidades jurídicas separadas.
Breakeven: Ponto de equilíbrio financeiro em que os custos totais se igualam às receitas, sem lucro ou prejuízo.
Input: Insumo ou recurso (como dados, informações ou materiais) necessário para a realização de um processo ou atividade.
Fee-for-service: Modelo de remuneração em que prestadores de serviços de saúde recebem pagamento por cada procedimento ou atendimento realizado, incentivando volume de serviços prestados.
Bibliografia
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