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Startups: o que torna um solo fértil ao cultivo da tecnologia?

Atualizado: 19 de nov. de 2020


O sonho de criar uma startup com uma ideia inovadora e vendê-la por milhões de dólares a uma grande empresa para aproveitar a vida aposentado certamente é comum a muita gente que começa a empreender. Segundo o economista israelense Uri Levine, basta “resolver algum problema” para garantir esse sucesso. Pode parecer simples demais, mas foi assim que, em 2008, ele começou a startup que foi vendida por 1,1 bilhão de dólares para o Google em 2013 – o Waze, aplicativo hoje disponível em 185 países e com mais de 100 milhões de usuários ativos.


Mas será que basta identificar e solucionar um problema para fundar um negócio multimilionário? O que de fato faz o Waze e várias outras iniciativas prosperarem no Vale do Silício, em Israel e em diversos outros polos mundiais de startups?


Vale do Silício: o paraíso das startups


É um consenso do mercado que, além da ideia inovadora, fatores como a equipe, o momento certo e o ecossistema no qual ela está inserida são determinantes para o sucesso (ou o insucesso) de uma startup. Esse último fator, o ecossistema, é bastante versado na teoria de cluster, de Michael Porter, que explica o motivo de certas localidades, como o Vale do Silício, conseguirem manter alta vantagem competitiva apesar dos altos custos imobiliários e de manutenção.


Segundo Porter, os clusters – no caso, conglomerados ou “super-hubs” de startups – são vitais para a sobrevivência do ecossistema tecnológico. Essas empresas costumam viver em um ambiente muito fluido, integrando seus produtos com os de outras empresas e constantemente adquirindo ou se fundindo com suas próprias concorrentes. Tudo isso se torna infinitamente mais fácil quando existem relações pessoais com os executivos e engenheiros do meio em que atuam. Por essa razão, os super-hubs de startups tendem a ser comunidades integradas.


Esse fator é evidente ao analisarmos dados coletados por uma pesquisa da Crunchbase, empresa que coleta dados sobre tendências do mercado, investimentos e companhias mundiais. Segundo ela, das 335 aquisições realizadas na Califórnia, 225 foram de companhias do próprio estado, o que mostra nitidamente a preferência pelo investimento dentro do cluster. Números semelhantes foram identificados, também, em Massachussetts e Nova York. Para os fundadores que pensam em lançar empresas fora desses três estados, isso significa que suas chances de sucesso são estatisticamente menores antes mesmo de começarem. Como podemos perceber no gráfico abaixo, empresas fundadas nesses “superhubs” de startups (Califórnia, Nova York e Massachussetts) tem chances muito mais elevadas de avançarem nas rodadas de financiamento quando comparadas àquelas fundadas em outros lugares. A diferença em pontos percentuais chega a 58% no terceiro round.




Seguindo essa lógica, o Vale do Silício torna-se um paraíso dos novos empreendimentos, uma vez que a presença das sedes de grandes empresas como Apple, Google, HP, Intel, Adobe e Ebay impulsiona o sucesso de novos negócios, em vez de retraí-los, como costuma-se esperar, devido à alta concorrência.


Além de ser um epicentro de substancial financiamento de capital para ideias de negócios qualificadas, o Vale do Silício também oferece apoio legal aos novos empreendimentos. Startups de tecnologia tendem a gerar produtos de propriedade intelectual em detrimento de produtos físicos tangíveis, de forma a demandarem leis, políticas e regulamentações eficientes para proteger seus interesses comerciais, segredos de negócio e propriedade de ideias. A legislação do estado da Califórnia atua como um estimulador para empresas de tecnologia, especialmente as que estão começando, isso porque a legislação empresarial do estado tem exceções especiais para empresas de software que facilitam a sua fundação.

Dessa forma, o incentivo para abrir uma startup de tecnologia na Califórnia é muito maior do que para abrir um restaurante, pois a burocracia é significativamente menor .


Como pudemos constatar, a proximidade com o conglomerado tecnológico do Vale do Silício favorece imensamente as possibilidades de sucesso de uma startup. Como explicar, então, um polo extremamente quente de startups em um Estado a 12 mil Km de São Francisco?


Israel: de deserto a Startup Nation


Apelidada mundialmente por “Startup Nation”, Israel possui hoje cerca de 5.500 startups ativas. Dessas, 673 surgiram só na primeira metade do ano passado. Uma pesquisa conduzida pela Universidade de Harvard destacou o papel inicial da Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) militar, que, assim como nos EUA, ajudou a desenvolver a indústria de tecnologia do país. O governo também tomou medidas mais diretas para impulsionar o setor de tecnologia. Na década de 1990, subsidiou capital de risco, incubadoras, P&D universitária e programas de transferência de tecnologia. Hoje, Israel investe quase 4% do PIB em P&D - público e privado combinados – mais do que qualquer nação do mundo.


Como resultado, o comércio de itens de última geração e informática compõe grande parte da economia do país. Em fevereiro de 2018, a indústria de alta e média tecnologia representou 32% do total de exportações de manufatura no país, de acordo com dados oficiais do governo de Israel. De chips de computadores a aparelhos celulares, equipamentos de medicina avançada ou câmeras inteligentes para carros autônomos: poucos itens da vida moderna parecem não terem sido pelo menos parcialmente criados ou desenvolvidos no pequeno país do Oriente Médio.


Entretanto, o que mais incentivou o desenvolvimento de novas tecnologias nesse inextenso pedaço de terra foi justamente a questão levantada por Uri Levine: a necessidade de “resolver um problema”. Desde antes da criação do Estado, em 14 de maio de 1948, a população que vivia na região já lutava contra a seca e o clima desértico. Para solucionar a questão, desenvolver o plantio, conservar áreas verdes e garantir o abastecimento de água, foi necessário investir em pesquisa e tecnologia. Como consequência, Israel está hoje na vanguarda em segmentos como biotecnologia, tecnologias limpas e sustentáveis, segurança, tecnologia da informação e de equipamentos médicos.


Dessa forma, além de empresas mundialmente conhecidas como o Waze, Viber ​e ​Wix, Israel também é responsável pela fundação de empresas que solucionaram problemas humanitários mundiais. A WaterGen, por exemplo, é uma companhia que criou dispositivos que extraem e armazenam água potável pela condensação da umidade do ar. Em 4 horas, a máquina de pequeno porte é capaz de gerar 1 litro de água potável, fornecendo, assim, água suficiente para a sobrevivência de uma família de 3 pessoas diariamente.


A necessidade iminente de energia renovável também fez com que engenheiros israelenses desenvolvessem estradas que carregam carros elétricos enquanto estes passam por cima delas (companhia Electroad), além de uma bateria portátil que leva o seu celular de 0% a 100% em 5 minutos e outra mais robusta que carrega por completo um carro elétrico no mesmo período de tempo (StoreDot).


Apesar de hospedar um rico ecossistema de startups, Israel é um país pequeno demais para que os empreendedores que buscam construir grandes empresas consigam investimento interno deste porte. Por esse motivo, a alternativa encontrada pelos empreendedores israelenses é a busca por investimento estrangeiro. A pesquisa conduzida por Harvard mostrou que 91% das empresas israelenses entrevistadas receberam investimentos de fundos de Venture Capital estrangeiros, principalmente americanos. Isso mostra que, apesar da distância comentada mais cedo em relação ao Vale do Silício e dos pontos negativos agregados a isso, os investidores californianos confiam no potencial da tecnologia desenvolvida no cluster israelense.


Dados levantados pela pesquisa de Harvard revelam quão expressivamente os investidores estrangeiros influenciam o crescimento das empresas israelenses, medido pelas vendas anuais e pelo número de funcionários. As empresas israelenses financiadas exclusivamente por investidores estrangeiros geraram mais crescimento do que aquelas financiadas por ambos VCs israelenses e estrangeiros, ou do que aquelas que receberam apenas investimento israelense. Isso porque, como comentado anteriormente, o aporte de recursos financeiros estrangeiros tem escala muito maior quando comparado ao israelense, resultando num crescimento expressivo da empresa em termos não apenas de tamanho, mas em número de vendas, como conta no gráfico a seguir.





Brasil: fértil em matéria prima e capital intelectual - exportador de ambos


Enquanto Israel, estado cujo território é menor do que o do Sergipe (menor estado brasileiro), encontra-se em 4º lugar no ranking de melhores ecossistemas de startups do mundo divulgado pela StartupBlink, o Brasil nem aparece no ranking. Quais são os motivos, então, para um país tão extenso, com uma população tão diversa e com tantos recursos naturais não conseguir fomentar o desenvolvimento tecnológico como nos Vales do Silício americano e do oriente médio?


Certamente, não é pela falta de problemas. Se, por um lado, os problemas enfrentados em Israel ocasionaram o seu sucesso, por outro, os problemas brasileiros atrapalham seu êxito enquanto potência tecnológica.


A começar pela burocracia estabelecida pela legislação brasileira. Enquanto na Califórnia as leis protegem os novos empreendedores, a legislação brasileira dificulta que eles atuem no mercado. Segundo dados do WorldBank, o Brasil é o sexto país do mundo onde mais se demora para abrir um novo negócio (80 dias), perdendo apenas para Venezuela (230 dias), Cambodja (99 dias), Haiti (97 dias), Suriname (85 dias) e Eritrea (84 dias).


Concomitantemente, nos Estados Unidos são necessários, em média, apenas 6 dias para abrir um empreendimento e, em Israel, 12 dias.


Tratando-se de um aspecto cultural, existe, no Brasil, um paradigma de que as grandes corporações acreditam estar fazendo um favor ao contratarem uma startup. Grande parte do mercado brasileiro ainda não enxerga as startups como players inovadores que podem agregar vantagem competitiva e contribuir para a melhoria e crescimento dos negócios.


A cultura de tentar tirar vantagem de onde for possível combinada com o pressuposto de que startups são fornecedores pequenos, descapitalizados e que ainda precisam se provar faz com que as grandes empresas acreditem que as startups não têm outra saída a não ser aceitar de bom grado qualquer condição de negócio proposta. Assim, ao contrário do que ocorre no Vale do Silício, as grandes companhias do mercado brasileiro freiam o sucesso dos novos negócios.


Por outro lado, o Brasil possui capital humano qualificado que é extremamente capaz de realizar grandes empreendimentos. No entanto, nos últimos anos, esses indivíduos têm emigrado para outros países, onde encontram recursos de mais fácil acesso, suporte gerencial e ambiente mais adequado ao empreendedorismo inovador. Conforme constata-se no gráfico abaixo, o Brasil tem exportado para os EUA cada vez mais graduados, pós-graduados, mestres e doutores - pessoas especializadas que estariam mais aptas a criar startups de tecnologia.




Esse fenômeno foi denominado “fuga de cérebros” ou “brain drain” e denota as consequências dos problemas burocráticos e culturais já mencionados, que restringem os jovens da oportunidade de provarem suas capacidades aqui.


O Brasil necessita se inspirar no desempenho e na cultura do Vale do Silício e de Israel para não ser apenas um grande exportador de matéria prima, mas também de tecnologia. Para isso, precisa começar a enxergar seus defeitos como oportunidades e solucioná-los. Ainda segundo Uri Levine, “A boa notícia é que há muitos problemas a serem resolvidos. A má, é que ainda há muitos”. O solo brasileiro é fértil em problemas e de pessoas qualificadas para solucioná-los. Mas falta, antes, solucionar os problemas que as fazem emigrar daqui.

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