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Teoria do Dólar Milkshake: como a moeda americana está sempre se fortalecendo?



Nos últimos anos, os Estados Unidos têm enfrentado consideráveis desafios, como crises inflacionárias significativas, além do elevado aumento de sua dívida pública, que já ultrapassa US$ 30 trilhões. Juntamente a outros fatores geopolíticos, tal contexto levanta a questão do possível declínio do país como a principal potência global. Paralelamente, essa preocupação é estendida para o dólar americano, que, historicamente, tem sido considerado a moeda dominante no cenário mundial. Entretanto, a realidade difere-se significativamente dessa percepção, especialmente quando há uma comparação com outras moedas globais, por exemplo, o euro. Nesse sentido, a teoria do "Dólar Milkshake" foi criada para desvendar as complexas relações entre a política monetária dos Estados Unidos e as economias globais.


A Teoria


Desde 2008, o mundo presenciou um significativo impulso de crédito, à medida que diversos Bancos Centrais injetaram uma larga quantia de capital na economia com sua flexibilização monetária. Assim, os países criaram uma imensa reserva de emergência e a utilizaram para pagar as largas dívidas de longo prazo já existentes.


Por várias razões, como o financiamento a países europeus na Segunda Guerra Mundial, o dólar adquiriu o status global de moeda de reserva, provendo aos Estados Unidos o controle de outras economias por meio da regulação da liquidez. Como resultado, em períodos de crise, os EUA e sua moeda acabam não sendo tão afetados, devido a sua posição vantajosa economicamente em comparação com o restante do mundo. Isso significa que o capital global tende a fluir em direção ao dólar e ao mercado americano, consolidando a dominância do país.



A partir dessa ideia, em 2016, o economista americano Brent Johnson criou uma teoria para elucidar e relacionar melhor os fatores e consequências dessa relação entre crises globais e o fortalecimento do dólar. Desse modo, a liquidez global é transformada em um "milkshake", em que os Estados Unidos são um grande canudo que absorve essas dívidas globais. Assim, as transforma em dinheiro, ao passo, que essas dívidas normalmente são convertidas para dólares, o que permite com que o Estado possua mais procura pela moeda e consequentemente possa fortalecê-la ou imprimir mais para suprir a demanda.



A atratividade estadunidense


Em meados de 2007, o FED¹ começou a mudar suas políticas monetárias, trocando seu regime mais flexível por um mais restritivo, que ocasionou o aumento dos juros. Dessa forma, os Estados Unidos deixaram de injetar liquidez na economia global e passaram a absorvê-la. Contudo, a teoria apenas se confirma por dois principais fatores:


  1. Segurança dos EUA para investimentos

Nesse cenário de grandes déficits, o dólar se fortalece por ser um refúgio financeiro seguro devido à estabilidade do setor bancário e ao Estado de direito forte², o que faz com que grandes instituições e investidores sintam-se confortáveis em manter seu dinheiro no país. Além disso, é possível se beneficiar de taxas de juros mais elevadas sobre suas dívidas governamentais.


Nesse sentido, de acordo com o Federal Reserve, cerca de metade de todos os empréstimos transfronteiriços, títulos de dívida internacionais e faturas comerciais são emitidas em dólares americanos e 60% das reservas econômicas do mundo usam esse mesmo câmbio.


Portanto, percebe-se que o aumento do valor da dívida pública e da inflação nos EUA pode afastar investidores estrangeiros futuramente. No entanto, nenhuma moeda replica as características do dólar americano como reserva de valor, unidade de conta³ e meio de troca, considerando sua segurança como reserva global. Ademais, os ativos dos EUA são seguros e líquidos, além de demonstrarem uma resistência aos efeitos dos choques econômicos globais.


  1. Alta taxa de juros

As altas taxas de juros sobre dívidas criadas pelo Banco Central dos Estados Unidos são importantes para o fortalecimento do dólar por conta do carry trade. Esse mecanismo é muito utilizado para se obter lucros com base na diferença entre a taxa de juros de dois países.


Por exemplo, em alguns bancos centrais, como o japonês e o europeu, havia políticas econômicas de "dinheiro fácil", nas quais as taxas sobre juros são muito baixas, próximas à zero. Dessa forma, os investidores desses países, que procuram rendimentos mais altos, evitam guardar dinheiro nesses locais por terem rendimentos de baixo retorno, quando comparados aos títulos do Tesouro⁴ dos EUA, que possuem um maiores dividendos devido às altas taxas de juros. Em outras palavras, apesar dos riscos serem os mesmos, o dinheiro aplicado nos EUA pode ganhar mais juros e, por consequência, gerar mais retorno.


Nesse contexto, a dívida do governo estadunidense é mais segura do que a de outros países, já que, teoricamente, os EUA poderiam apenas imprimir dólares para pagar as suas obrigações de dívida numa emergência sem grandes efeitos em sua inflação, uma vez que há uma grande procura pela moeda. Enquanto isso, para Japão, Europa e maioria dos outros países do mundo, uma grande parte da dívida é denominada em dólares, então não podem fazer o mesmo em uma crise.


Assim, o dólar estadunidense oferece mais retorno com menos risco, reforçando seu potencial enquanto moeda global. Desse modo, a reavaliação do dólar readirma o baixo risco de investimento, superarando o desempenho de outros câmbios.


Carry trade: o lucro pela diferença


A compra de ativos financeiros com taxas mais altas do que as do recurso utilizado para financiar a compra é uma estratégia muito utilizada em negociações financeiras para se obter lucro a partir da diferença entre taxas de juros, método apelidado de carry trade.

Esta estratégia pode ser impactada pela volatilidade nas taxas de câmbio, por mais que tenham o potencial de influenciar o valor das moedas. Quando um determinado país testemunha uma crescente demanda por carry trade, é comum que a moeda nacional se valorize em relação ao dólar dos EUA. Nesse contexto, analistas frequentemente interpretam essa dinâmica como um movimento especulativo que exerce influência sobre as moedas.

Assim, como os Estados Unidos apresentam características mais favoráveis, é comum a dolarização de ativos a partir da venda de euros e reais, colocando ainda mais pressão descendente sobre essas moedas. Enquanto isso, a procura pela moeda estadunidense impulsiona o encarecimento do câmbio.

A crise inflacionária americana


Em 2022, o mundo passou por uma espécie de crise inflacionária, na qual grandes mercados se demonstraram frágeis e suscetíveis a recessões econômicas. Assim, muitos acreditam que, pelo significativo impacto sobre os EUA, a teoria do "Dólar Milkshake" não se comprova. Entretanto, o contrário acontece, pois, como as trocas monetárias internacionais ocorrem em dólar, qualquer grande crise no território americano afeta todos os mercados do mundo. Dessa forma, uma vez que o país mantém suas taxas de juros muito altas, mesmo com a instabilidade do mercado, o sistema de carry trade continua acontecendo e a moeda americana não perde sua influência.


Consequentemente, os Bancos Centrais do mundo vêm aumentando a liquidez de vários países, o que reafirma as grandes inflações como um problema mundial e não restrito somente ao território americano. Porém, algo a se atentar é que a dívida nacional americana vem crescendo, podendo apresentar um grande risco para a estabilidade econômica global, mesmo que o dólar tenha atingido sua máxima de 20 anos durante a crise de 2022.

O futuro (in)certo do dólar


Portanto, o dólar é uma moeda de grande importância no mundo e qualquer variação em seu valor pode trazer consequências em escala global, demonstrando que a economia mundial depende do câmbio estadunidense. Sendo assim, algumas economias como a de El Salvador, Equador e Zimbábue vêm adotando o dólar a fim de evitar grandes variações e vulnerabilidades, fortalecendo ainda mais a moeda. Além disso, sempre que ocorrem grandes crises monetárias na América do Sul, as nações do continente consideram trocar seus câmbios para o dólar, como é o caso da Argentina, que discute atualmente a dolarização da economia em meio às eleições presidenciais de 2023.


Desse modo, a teoria do "Dólar Milkshake" mostra que, durante alguma grande crise global, a moeda americana pode vir a se tornar uma reserva mundial oficial e que, mesmo com o dólar perdendo sua força de compra com inflações de preço, o seu valor, quando comparado a outras moedas, se manterá. Por essas razões, o que muitos se perguntam é: o que aconteceria com a economia global caso o dólar se tornasse uma moeda única mundial?

Glossário:


  1. FED: Banco central americano, responsável por cuidar da gestão de todo o sistema financeiro dos Estados Unidos e por definir sua política monetária.

  2. Estado de direito forte: mecanismos constitucionais de controle do poder público de modo a evitar os seus excessos e a garantir as liberdades públicas fundamentais.

  3. Unidades de conta: Uma das finalidades do dinheiro é servir como um padrão de valor em uma moeda específica, possibilitando a comparação de diversos elementos, como mercadorias, serviços, ativos, passivos, trabalho, receitas e despesas.

  4. Títulos do Tesouro: títulos de dívida emitidos pelo governo estadunidense, considerados um dos investimentos mais seguros do mundo, pois o governo americano tende a realizar pagamentos pontuais de juros e amortizações.

  5. Taxa LIBOR: taxa que os principais bancos concedem uns aos outros no mercado interbancário internacional para empréstimos de curto prazo, ou seja, determina o carry trade.


Referências bibliográficas


A “Dollar Milkshake Theory” e suas implicações para as criptomoedas (1). Disponível em: <https://www.creativante.com/new/index.php/2013-02-03-19-36-05/2022/574-a-dollar-milkshake-theory-e-suas-implicacoes-para-as-criptomoedas-1>. Acesso em: 10 out. 2023.


A Teoria Milkshake do Dólar, você precisa entendê-la. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mfOfJXdsQbU>. Acesso em: 12 out. 2023.


Appendix 1: An Historical Perspective on the Reserve Currency Status of the U.S. Dollar. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://home.treasury.gov/system/files/206/Appendix1FinalOctober152009.pdf>. Acesso em: 12 out. 2023


BORG, P. Os EUA atingiram o limite da dívida. O que acontece agora? Disponível em: https://valorinveste.globo.com/mercados/internacional-e-commodities/noticia/2023/01/19/os-eua-atingiram-o-limite-da-dvida-o-que-acontece-agora.ghtml>. Acesso em: 20 out. 2023


Brent Jonhson: updating the dollar milkshake theory and $5000 gold. Disponível em: <https://palisadesradio.ca/brent-johnson-updating-the-dollar-milkshake-theory-and-5000-gold/>. Acesso em: 14 out. 2023


CHAVES, A. Teoria do Milkshake indica preço futuro do Dólar, diz Fernando Ulrich. Disponível em: <https://br.beincrypto.com/teoria-do-milkshake-indica-preco-futuro-do-dolar-diz-fernando-ulrich/>. Acesso em: 11 out. 2023.


Fed: tudo sobre o Banco Central americano e porque você deveria se importar com ele. Disponível em: <https://riconnect.rico.com.vc/analises/desvendando-o-fed/#:~:text=Como%são%os%Bancos%Centrais>. Acesso em: 12 out. 2023.


O’MALLEY, S. Dollar Milkshake Theory Explained. Disponível em: <https://www.theinvestorspodcast.com/dollar-milkshake-theory/#:~:text=The%20Dollar%20Milkshake%20Theory%20says>. Acesso em: 12 out. 2023.


O que é carry trade e qual a sua relação com a taxa de juros. Disponível em: <https://investalk.bb.com.br/noticia/o-que-e-carry-trade-e-qual-a-sua-relacao-com-a-taxa-de-juros>. Acesso em: 14 out. 2023.


O que são treasuries americanos? Veja os títulos de tesouro dos EUA! Disponível em: <https://blog.toroinvestimentos.com.br/trading/treasuries-americanos>. Acesso em: 14 out. 2023.


SAMPAIO, A. Dívida nacional dos EUA bate recorde e chega a US$ 33 trilhões. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/divida-nacional-dos-eua-bate-recorde-e-chega-a-us-33-trilhoes:ADvidanacionaldosEstados>. Acesso em: 11 out. 2023.


US dollar funding: an international perspective. Disponível em: <https://www.bis.org/publ/cgfs65.pdf >. Acesso em: 14 out. 2023.



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