Alta velocidade. Som inigualável dos motores. Adrenalina e glória. Essas são algumas das características que tornam a Fórmula 1 uma das competições esportivas mais populares da atualidade, sendo considerada por muitos como o pináculo¹ do automobilismo. Contudo, o esporte sofreu, por volta de 2010, uma forte decadência. Devido a uma série de decisões estratégicas tomadas, de forma errada, pelos organizadores da competição, o brilho e a emoção, que outrora eram intensos, começaram a desvanecer. Esse enfraquecimento, por sua vez, desencadeou uma série de resultados insatisfatórios no campo financeiro e cultural da competição, deixando a modalidade cada vez menos influente no mercado. Portanto, diante desse contexto, a questão é: quais mudanças foram adotadas para que o declínio fosse convertido no grande sucesso atual da Fórmula 1?
A história da Fórmula 1
O surgimento do esporte
No ano de 1950, após a Segunda Guerra Mundial, a Federação Internacional do Automobilismo (FIA) deu início, oficialmente, à categoria do automobilismo conhecida como Fórmula 1. O objetivo central da iniciativa era formalizar uma competição entre as maiores fabricantes de carros do continente Europeu, sendo elas Alfa Romeo, Ferrari, Maserati e Mercedes. De forma resumida, o esporte gira em torno da realização de uma série de corridas nomeadas de Grandes Prêmios (GP), que ocorrem em circuitos ou em vias públicas diferentes ao decorrer do campeonato. Cada corredor faz parte de uma equipe e, para se tornar vencedor, é necessário apresentar a maior pontuação2 entre os seus adversários ao final de toda a competição.
Logo em sua primeira década, a disputa obteve um ótimo desempenho, atingindo proporções globais impulsionadas pelas inovações tecnológicas automobilísticas no pós-guerra. Com isso, a partir da escolha de novos circuitos fora da Europa e dos Estados Unidos, o campeonato, no ano de 1954, passou a ter caráter mundial.
A Era Ecclestone
Em 1970, Bernie Ecclestone, o então proprietário da equipe Brabham Racing Organization, assinou um contrato com a FIA para administrar a estrutura e a logística dos GPs da Fórmula 1. O empresário trouxe novas propostas para o gerenciamento do torneio: o que antes era apenas um esporte virou uma fonte de lucro, um negócio. Nesse sentido, ao decorrer das décadas de 70 e 80, Ecclestone fundou a Formula One Management (FOM), hoje conhecida como Formula One Group, que é um conglomerado de empresas responsáveis por administrar o campeonato - a FOM era controlada por seus acionistas a partir da holding3 de Serviços Discricionários ao Consumidor4, a Delta Topco.
Com a Fórmula 1 tendo seus direitos comerciais gerenciados pela Delta Topco, as inovações tecnológicas, a velocidade, o glamour e, principalmente, o lucro, passaram a ser o objetivo principal. Para que isso fosse possível, a empresa investiu na comercialização dos direitos de mídia e no marketing tradicional, conferindo, assim, ótimos resultados financeiros tanto para a companhia, quanto para as equipes do esporte.
De 2001 a 2010, a Fórmula 1 conquistou e manteve um faturamento anual impressionante de, aproximadamente, US$ 4 bilhões, o que representou uma consistência e eficiência no modo como o campeonato era controlado. No entanto, essa sucessão de conquistas foi afetada de maneira brusca quando Bernie Ecclestone assumiu uma posição polêmica: o conservadorismo empresarial.
De líder a retardatário: o período de decadência
A decadência (2010 - 2016):
O século XXI é marcado pela volatilidade e dinamicidade, portanto, aqueles que não prezam por formular estratégias flexíveis estão fadados ao fracasso. Ao se mostrar pouco adaptável às mudanças e inovações que aconteciam pelo mundo, Bernie Ecclestone, o principal responsável pela forma como o esporte era vendido na mídia, fez com que a Fórmula 1, gradativamente, perdesse influência entre 2010 e 2016. Isso ocorreu porque o empresário tinha absoluta convicção de que manter a estrutura do esporte intocável de forma eterna não alteraria o seu desempenho. Esse foi seu maior equívoco.
A decadência do esporte ocorreu por três principais fatores, sendo eles:
1. Tabu das Redes Sociais
"Eu não estou interessado em Twitter, Facebook ou qualquer que seja essa bobagem.” (Bernie Ecclestone)
A postura tradicionalista do britânico frente às novas tendências virtuais se tornou um dos principais fatores que contribuíram para o afastamento entre o público e o esporte. A falta de frequência de publicações sobre o campeonato nas principais mídias sociais representou um verdadeiro obstáculo para criar e manter o interesse e a interação da nova geração com o esporte, impactando diretamente no seu desempenho no mercado. Dessa forma, o público começou a não se identificar mais com os corredores, dado que, na atualidade, as plataformas digitais são indispensáveis quando se trata de conexão com os indivíduos. Como consequência disso, a competição foi perdendo cada vez mais audiência, em especial o público mais jovem.
2. A preferência por um público minoritário
“A maioria dos jovens não tem nenhum dinheiro. Eu prefiro ir ao cara de 70 anos que possui bastante dinheiro" (Bernie Ecclestone).
É perceptível que a preferência do empresário por um público mais restrito se tornou, de certa forma, contraditória, pois a maior parte dos telespectadores do esporte não estão inclusos nessa faixa etária 60 anos ou mais. Em termos estratégicos, essa escolha acarretou um grande desperdício financeiro, já que o público com mais de 60 anos não conseguiria gerar, de maneira independente, receita para sustentar o esporte. Com isso, a falta de conhecimento do seu público colaborou para a grande queda na audiência e no lucro da companhia, resultando em prejuízo financeiro.
3. Dissipação do poder televisivo
Com a ascensão do streaming, as pessoas passaram a ter mais opções além do serviço de mídia tradicional. Nesse sentido, várias empresas tiveram que lidar com a baixa audiência em suas transmissões televisivas, sendo a Fórmula 1 uma das mais afetadas. O problema foi intensificado quando a Delta Topco, por influência de Bernie Ecclestone, decidiu permanecer investindo no mesmo modelo de transmissão, apesar de já ser considerado obsoleto.
A queda da audiência televisiva combinada com a baixa visibilidade do esporte em outros meios de comunicação, fizeram com que os patrocinadores da categoria automobilística não despertassem um grande interesse em permanecer investindo. Por conta disso, a Fórmula 1 começou a enfrentar dificuldades financeiras.
Portanto, as adversidades em manter o legado do campeonato fizeram com que a decadência tomasse dimensões preocupantes, o que foi entendido pela Delta Topco como uma oportunidade de vender os direitos do esporte. Foi a partir disso que, em 2017, a Liberty Media, empresa de mídia de massa estadunidense, tornou-se a detentora do império Ecclestone por uma bagatela de US$ 8,5 bilhões.
A Era Liberty Media - a reinvenção da Fórmula 1
Por ser sócia do time de beisebol Atlanta Braves, a Liberty Media já possuía bastante experiência no mercado de mídia esportiva, conferindo grande ambição aos seus planos. Com isso, dentre as novas medidas adotadas, destaca-se a criação de uma nova gestão de marketing, a qual passou a tratar o esporte como um negócio altamente flexível de acordo com as tendências da atualidade.
Nesse sentido, uma das primeiras grandes mudanças promovidas pela corporação foi a inserção do campeonato em uma gigante do nicho do streaming, a Netflix. A série “Fórmula 1: Drive to Survive” mostra a realidade dos bastidores das corridas e, com isso, tenta incentivar uma interação maior com o público mais jovem, construindo, assim, uma presença digital influente. Ademais, o esporte começou a ter uma maior presença no YouTube, Twitter e Instagram, quebrando de vez o tabu atrelado ao uso das redes sociais para alavancar a visibilidade da modalidade automobilística.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, a Liberty Media iniciou uma série de alterações nas regras do esporte com a finalidade de promover uma maior competitividade entre os corredores e as equipes. Portanto, uma das principais modificações foi a implementação do teto de gastos para as equipes, que viabiliza certa equiparidade na corrida, pois limita o poder de compra dos times mais ricos. Dessa maneira, a disputa pela liderança tende a ficar cada vez mais acirrada entre as grandes e pequenas equipes, o que é um fator determinante para manter o interesse do público.
A partir da importância atribuída às mídias sociais por parte da Liberty Media, as equipes, os pilotos e a mídia da Fórmula 1 começaram a ter menos restrições para postarem conteúdo nas plataformas digitais, o que contribuiu para uma interação maior com os fãs da categoria automobilística. Essa decisão se revelou um grande acerto, já que, em 2020, foi apurado que o engajamento total dos fãs aumentou em 99% (810 milhões) devido ao aumento de conteúdo sobre os bastidores das corridas e o cotidiano dos pilotos. Como resultado disso, a admiração pelos competidores voltou a ser algo influente na experiência dos espectadores no esporte, deixando para trás o retrógrado distanciamento entre público e piloto.
Por fim, a estratégia para representar ainda mais a virada de chave da parte administrativa foi o rebranding5 do campeonato mundial. A troca de logo foi um modo de sinalizar o começo de uma nova era, afirmar que a nova direção por trás do esporte iria trazer de volta a glória perdida.
O futuro da competição
A Fórmula 1, com a nova gerência, passou a ter uma preocupação maior em compreender as motivações e os desejos do grande público, o que, para um século marcado por inovações a todo momento, é algo indispensável. Quando um indivíduo é induzido a agir pela emoção, ele, involuntariamente, fica inclinado a adentrar o propósito do projeto, estando disposto a pagar pela experiência proporcionada. Essa foi a estratégia utilizada pela Liberty Media: trazer de volta a sensação de glória para a Fórmula 1 e, consequentemente, lucrar com isso.
Portanto, o futuro da categoria automobilística mostra-se bastante promissor, uma vez que possui todos os recursos necessários e uma gestão competente para expandir ainda mais a sua influência no mundo do entretenimento. A expectativa que surge com essa nova era é: a grande ambição da Liberty Media conseguirá tornar a Fórmula 1 no maior entretenimento esportivo do mundo?
Glossário:
1 - Pináculo: Refere-se, de maneira literal, ao ponto mais alto de um lugar. Levando em consideração o contexto, o pináculo do automobilismo seria o esporte que mais se destaca ou é considerado referência na categoria automobilística.
2 - Pontuação: Em uma corrida sem interrupções ou casos excepcionais, há a utilização de uma tabela padrão de pontuação. Em 2022, o primeiro lugar recebia 25 pontos, enquanto o segundo e o terceiro lugar ganhavam, respectivamente, 18 e 15 pontos - essa tabela sofreu alterações ao decorrer do tempo. Ao final de todas as corridas da temporada, quem acumular mais pontos ganha a competição.
3 - Holding: A função de uma empresa holding é controlar outras companhias. Isso pode ocorrer de diversas formas, como, por exemplo, aquisições de imóveis e direitos autorais. Com isso, a holding consegue se tornar sócia majoritária de uma ou mais subsidiárias.
4 - Serviços discricionários ao consumidor: O segmento de Consumo Discricionário engloba indústrias que fabricam automóveis, bens domésticos duráveis, têxteis e vestuário e equipamentos de lazer.
5 - Rebranding: É uma estratégia de marketing que consiste em mudar a logotipo, a denominação ou até mesmo o design da marca com a finalidade de formar uma nova identidade.
Referências Bibliográficas:
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BONFIM, João; ZOGHBI, Hassan. A reinvenção da Fórmula 1. Disponível em <<https://sportinsider.com.br/a-reinvencao-da-formula-1/>>. Acesso em jan. 2023.
FALDON, Gustavo. Dos 8 títulos na 'era de ouro', à crise de pilotos: a história do Brasil nos mil GP's da F1. Disponível em <<https://motorsport.uol.com.br/f1/news/de-senna-piquet-e-emerson-na-era-de-ouro-a-crise-de-pilotos-relembre-a-historia-do-brasil-nos-mil-g/4367271/>>. Acesso em jan.2023.
GOUVÊA, Kadu. Estratégia da Liberty Media aumentou número de telespectadores da F1. Disponível em <<https://www.f1mania.net/f1/estrategia-da-liberty-media-aumenta-numero-de-telespectadores-da-f1/>>. Acesso em jan.2023.
IZPLAI. Formula 1 – driving audience engagement. Disponível em <<https://dizplai.com/f1-driving-audience-engagement/>>. Acesso em fev.2023
LESME, Adriano. Fórmula 1: história, piloto, equipes e números. Disponível em <<https://brasilescola.uol.com.br/educacao-fisica/formula-1.htm#:~:text=No%20decorrer%20das%20guerras%2C%20os,o%20nome%20de%20Fórmula%201>>. Acesso em jan. 2023.
MOTORSPORT NETWORK. Fórmula 1 e Motorsport Network revelam resultados da maior pesquisa esportiva de fãs realizada pela Nielsen Sports. Disponível em <<https://motorsport.uol.com.br/general/news/formula-1-e-motorsport-network-revelam-resultados-da-maior-pesquisa-esportiva-de-fas-realiza/6693831/>>. Acesso em jan.2023.
PORTO SEGURO. A história da Fórmula 1: entenda como tudo começou. Disponível em <<https://blog.portoseguro.com.br/a-historia-da-formula-1-entenda-como-tudo-comecou>>. Acesso em jan.2023.
VERBRAN, Romário. Case Completo do Rebrand da Fórmula 1. Disponível em <<https://temporalcerebral.com.br/formula-1-redesign-rebrand/>>. Acesso em jan.2023.
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WIKIPÉDIA. Bernie Ecclestone. Disponível em <<https://pt.wikipedia.org/wiki/Bernie_Ecclestone>>. Acesso em jan.2023.
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