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Animações japonesas: de indústria estagnada a mercado atrativo

Atualizado: 12 de abr. de 2021



Quando perguntamos qual indústria teve um crescimento absoluto de 62% em seis anos, poucos devem associar a resposta às animações japonesas. Atualmente, o gênero não só deixou de ser um mercado quase exclusivamente pertencente ao Japão para representar um forte símbolo da cultura pop mundial. É uma indústria que, apesar de saturada em vendas domésticas, se mantém crescendo internacionalmente, movimentando mais de 20 bilhões de dólares por ano - valor que supera toda a indústria da música (US$ 19,1 bilhões ao ano). Assim, hoje, representa uma das principais áreas de investimento e disputa entre as gigantes do streaming, como Netflix e Amazon. Neste artigo, vamos analisar o porquê do segmento crescer tanto e como o interesse do ocidente tem mudado as dinâmicas desse mercado, tornando-o cada vez mais lucrativo.


De cultura alternativa ao mainstream

Apesar do sucesso atual, os números nem sempre denotaram um cenário tão positivo nessa indústria, que teve baixa visibilidade internacional em seus primeiros anos de existência. Seu primeiro grande passo em direção à popularidade mundial veio com o lançamento da famosa série de jogos “Pokémon”, pela Nintendo, no ano de 1996. Esses jogos, vendendo mais de 31 milhões de cópias, tornaram-se uma febre no mundo todo. Acompanhada desse boom de vendas no mercado de games, a animação da série também foi um grande sucesso de público, sendo transmitida em mais de 100 países. Pokémon é hoje a franquia de maior receita da História, totalizando 92 bilhões de dólares com seus diversos produtos até 2019, de forma a superar os números de franquias como Batman, Homem-Aranha e Harry Potter juntas.


Podemos observar outro grande destaque que contribuiu para a popularização do gênero ainda nessa época: os filmes feitos pelo Estúdio Ghibli. Inicialmente com seus lançamentos restritos ao Japão, em 1996 o estúdio firmou uma parceria com a Disney e a Buena Vista Pictures para a distribuição internacional de seus filmes. Dessa forma, grandes títulos como “Princesa Mononoke” conseguiram maior visibilidade fora do país, o que culminou no lançamento de “A viagem de Chihiro” em 2001. O filme, que contava com um orçamento de 16 milhões de dólares, obteve mais de US$ 277 milhões em bilheteria, quase 1730% vezes seu orçamento. Além disso, o filme ficou marcado como o primeiro longa-metragem estrangeiro a ganhar o Oscar de melhor animação.



Por que hoje cresce tanto?

Desde 2003, a indústria não teve outro grande pico de visibilidade até 2016. Nesse meio tempo, seu crescimento internacional ocorreu de forma tímida, majoritariamente junto ao aumento do uso da internet, com sua popularidade tendo crescido principalmente por canais de distribuição feitos pelos próprios fãs. O que chama atenção é como seu desempenho se comportou a partir de 2012, completando, em 2018, seis anos de crescimento consecutivos, a uma taxa de crescimento anual composta de 27% aproximadamente.

Fonte: Associação de Animadores Japoneses


A partir de 2014, pode-se ver um aumento muito acentuado de vendas fora do país, em movimento contrário à diminuição nas vendas domésticas. Fatores como a redução nas vendas de merchandising (venda de produtos relacionados às animações), por exemplo, foram responsáveis pela estagnação interna do setor. Já o crescimento internacional se deu, em grande parte, pela maior facilidade de acesso mundial às marcas pela internet e pelo firmamento do gênero como o principal meio para suprir uma das maiores lacunas do mercado de entretenimento dos últimos anos: animações voltadas para audiências adultas.

Esse é um nicho do competitivo setor que é muito pouco explorado pelas animações ocidentais, no qual existia demanda até então pouco atendida. Isso pode ser visto em casos de sucesso como “Os Simpsons”, que gerou, em pouco mais de um ano após seu lançamento, 2 bilhões de dólares em merchandise. Outro exemplo é “South Park”, que em 2019 teve um seus direitos de transmissão vendidos à HBO por 500 milhões de dólares, mesmo valor pago pela NBC pela compra dos direitos de transmissão do clássico dos sitcoms “The Office”, título que anteriormente era o de maior exibição da Netflix.


Afinal, diferentemente das séries e dos filmes comuns, animações possuem barreiras criativas mais fracas, o que lhes permite adotar uma diversidade maior de temas e situações. Isso as deixou muito atraentes nos últimos anos, nos quais se pôde observar um aumento no interesse pelo entretenimento guiado por temas que “fogem” à realidade. Podemos encontrar exemplos dessa outra tendência analisando grandes sucessos com essa temática, como o caso de “Rick and Morty”, desenho animado que em 2017 foi considerada a comédia mais popular entre adultos de até 40 anos nos Estados Unidos. Também há casos da própria indústria, sendo o mais emblemático deles o filme de fantasia e drama “Your Name”, lançado em 2016, que superou “A Viagem de Chihiro” em bilheteria, alcançando a marca de 357 milhões de dólares mundialmente.


A demanda nesse nicho é crescente e a indústria dos animes veio se adaptando a ela com o passar do tempo. A quantidade de minutos produzidos para animações direcionadas à adultos do mundo todo superou a quantidade feita para o público infantil em 2015. O número de títulos produzidos também aumentou substancialmente: em mais de 50% entre 2012 e 2016.


Fonte: Associação de Animadores Japoneses

O interesse das gigantes do Streaming

O grande crescimento dos canais de streaming nos últimos anos tem firmado cada vez mais o meio como o futuro do entretenimento. Dessa forma, é de grande importância que séries e animações hoje em dia estejam presentes nesses canais, para que consigam obter sucesso e popularidade. Já exibida em algumas plataformas, a indústria das animações japonesas também entrou na mira das gigantes Netflix e Amazon Prime Video. Esse interesse veio, em um primeiro momento, a partir da identificação de um grande mercado potencial em países ocidentais.


Enquanto em um segundo momento, o interesse se deu pelo movimento feito pela Disney de retirar seus títulos de outros veículos de streaming para criar sua própria plataforma, a Disney+. Assim, os investimentos da Amazon e da Netflix no gênero dos animes se intensificaram, de forma a se diferenciarem da grande competidora, oferecendo temas direcionados para audiências mais maduras. Esse aumento do interesse se traduz expressivamente em números, tendo o mercado de licenciamento dos direitos de transmissão das animações japonesas para os canais crescido de 115 milhões de dólares em 2009 para 502 milhões em 2017, um aumento de quase 5 vezes.


Considerando a importância dos canais distribuidores nesse mercado, podemos analisar os grandes nomes que atuam no setor. Sendo a maior distribuidora mundial e com 10 anos de experiência no mercado, a Crunchyroll é a empresa mais antiga nesse ramo. Ela oferece seus serviços tanto por assinatura quanto gratuitamente, lucrando, assim como o Youtube, por meio de anúncios. Incluindo os dois tipos de serviço, ela atualmente reúne mais de 60 milhões de usuários em todo o mundo - um pouco mais de um terço dos usuários da Netflix - e oferece em seu catálogo um total de mais de 900 produções, totalizando aproximadamente US$ 200 milhões anuais em receita. A plataforma hoje faz parte do grupo Warner, que a adquiriu a fim de entrar nesse mercado crescente. Recentemente, a Crunchyroll tem firmado contratos com diferentes estúdios para produzir seus próprios animes originais, além de ampliar os investimentos para o licenciamento dos principais títulos e se manter como líder.


Um pouco depois, em 2014, foi a vez da Netflix dar seus primeiros passos na competição, com o lançamento da produção original “Knights of Sidonia”. A partir desse momento, a empresa foi adquirindo direitos sobre títulos famosos como “Death Note”, e hoje possui mais de 50 produções do tipo em seu catálogo. John Derderian, executivo responsável pelos projetos de anime na Netflix, afirmou em entrevistas que a empresa fez investimentos significativos no setor, sendo um dos seus maiores focos de atuação. Apenas em 2018, a plataforma lançou aproximadamente 30 animações originais, e destinou mais de US$ 1 bilhão - ou 11% de seu orçamento para produção de conteúdo - às animações. Estima-se que até 2022 esse investimento cresça para US$ 5 bilhões, cerca de 16% do do total. Em fevereiro de 2020, a plataforma adquiriu os direitos de transmissão de 21 filmes do estúdio Ghibli, esses que em 2019 pertenciam ao grupo Warner, em um movimento que deixa clara a alta competitividade nesse meio.


A gigante que mais demorou a entrar no mercado, começando a licenciar títulos somente em 2017 e que hoje possui o catálogo mais enxuto é a Amazon Prime Video. Com apenas cerca de 35 títulos disponíveis, a empresa tem altas ambições para o mercado e, apesar do atraso, não pretende ficar para trás na competição, tendo investido cerca de 300 milhões de dólares em 2018 nessas animações, com expectativas para que esse número cresça para quase 2 bilhões de dólares em 2022.



Agora que sabemos como as companhias têm investido no mercado, é importante entendermos as principais dinâmicas de organização do segmento para que possamos analisar a disputa entre elas. De forma resumida, para que a produção de uma animação comece, é formada uma comissão entre vários investidores para que haja distribuição dos riscos do financiamento entre eles. A partir disso, esses lançamentos são anunciados aos canais de streaming, que então competem para a obtenção dos direitos de transmissão dos títulos de maior popularidade, visando conquistar consumidores e deixar seus catálogos mais atraentes.


A fim de tomar a dianteira nesse processo, uma estratégia cada vez mais comum entre as plataformas é o fechamento de contratos para produções originais diretamente com os estúdios de animação japoneses, prática já observada anteriormente nos casos da Netflix e Crunchyroll. Isso lhes confere exclusividade sobre o título produzido, ajudando a trazer uma maior variedade ao seu catálogo, algo tido como diferencial dentro do ramo. Essa é uma nova dinâmica, que surgiu justamente da capilarização do streaming no setor, e que têm trazido diversos benefícios à indústria.


Um mercado cada vez mais lucrativo e seu futuro

Com o aumento da competição por esse mercado, ele tem se tornado mais lucrativo também para quem está por trás das animações: os estúdios e animadores. Isso ocorre graças à introdução da dinâmica de financiamento de obras originais, que vem substituindo o sistema antigo de comissões de produção, e faz com que a quantia dos lucros que deve ser dividida entre os investidores seja menor. Assim, os novos bilhões injetados pelas plataformas têm possibilitado aos estúdios e animadores ficarem com uma maior parcela desses lucros e alcançarem margens mais altas. Além disso, o aumento da competição pelo setor também tem ajudado a aumentar essas margens, já que as distribuidoras estão dispostas a investir mais no licenciamento dos títulos não originais.


A indústria dos animes, como consegue-se ver, é um grande exemplo de um segmento que conseguiu sair de uma situação de pouca visibilidade e estagnação para se tornar um gigante de seu setor no mundo todo. Essa saída foi feita a partir da identificação de um nicho que era muito pouco explorado e da adaptação à ele, buscando se tornar o principal meio para suprir essa demanda.


Hoje, é um mercado que vale mais de 20 bilhões de dólares e que encaminha-se para fechar seu sétimo ano de crescimento ininterrupto, quebrando recordes de receita. Não só entrou na mira das redes de streaming internacionais - ao representar uma oportunidade de diferenciação e atração de novos públicos - mas também uma atividade cada vez mais lucrativa à todos os envolvidos.


Com sua infinidade de temas disponíveis, é também uma das principais apostas do mercado de entretenimento para os próximos anos, nos quais é prevista a continuidade de sua ascensão, à uma taxa de 8,8% ao ano. Assim, pode-se concluir que essa indústria, apesar de muitas vezes vista como infantil ou não promissora, recompensará com bons resultados aqueles que nela resolverem se aventurar. A invasão da cultura oriental é uma realidade, e o mundo dos investimentos precisa se atentar a isso e acompanhar as tendências.


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