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Foto do escritorDiego Medina

Da escuridão à luz: a recuperação dos cinemas no período pós-pandêmico



INTRODUÇÃO


Isolamento social. Crise financeira. Sucesso dos streamings¹. Essas foram as principais causas para a queda das bilheterias dos cinemas durante o período pandêmico. Com números muito abaixo dos anos anteriores, os cinemas viram as suas receitas caírem drasticamente, o que levou muitos a acreditarem que tais estabelecimentos caminhavam para a obsolescência². Entretanto, com o passar do tempo, os bons resultados de bilheteria voltaram a aparecer e, por essa razão, cabe analisar a seguinte questão: como e por que ocorreu essa recuperação?



O CINEMA DURANTE A PANDEMIA


Antes de 2020, os cinemas apresentavam um público expressivo, mesmo com a chegada e estabelecimento dos serviços de streaming no mercado. Em 2019, por exemplo, as bilheterias alcançaram um recorde histórico de 42,5 bilhões de dólares, impulsionados por grandes lançamentos, como Vingadores: Ultimato, Rei Leão e Frozen 2. Dessa forma, esse tipo de serviço apresentava uma grande estabilidade e, ainda que houvesse uma concorrência crescente, havia poucos indícios de qualquer sinal de queda.


No entanto, em 2020, um evento inesperado mudou todo o rumo dessa atividade: a pandemia da Covid-19. Sendo as salas de cinema ambientes fechados e propícios à propagação do vírus, elas tiveram seu funcionamento suspenso ou restrito por um longo período, afetando a viabilidade do negócio. Assim, muitas produtoras adiaram o lançamento de seus filmes, gerando, de acordo com a Motion Picture Association³, uma queda de 60% no número de lançamentos durante a pandemia e, aqueles que ainda apareciam em cartaz, não geravam grande apelo do público. Além disso, com a baixa desses estabelecimentos, serviços de assinatura para filmes e séries, como Netflix, Amazon Prime Video e HBO Max se fortaleciam cada vez mais, oferecendo exclusividade nos lançamentos e evitando a arriscada aglomeração nas salas. Como resultado, os cinemas tiveram um prejuízo significativo, passando por uma intensa crise.



A RECUPERAÇÃO PÓS PANDEMIA


Com o avanço da vacinação, a necessidade do isolamento social diminuiu gradativamente e a rotina foi voltando à normalidade, permitindo, assim, uma progressiva retomada da programação dos cinemas. Entretanto, a essa altura, os streamings já estavam muito bem estabelecidos no mercado e conquistaram a preferência de muitos devido a sua praticidade, diversidade de opções e acessibilidade. Segundo um levantamento realizado pelo Datafolha em parceria com o Itaú Cultural, apenas 26% dos brasileiros entrevistados foram ao cinema entre o começo de 2021 e 2022. Esses números revelam uma mudança de hábito, uma vez que, na mesma pesquisa realizada anos antes da pandemia, 59% responderam positivamente quanto a essa prática. Dessa forma, muitos cinemas tiveram que buscar novas estratégias para inovarem seus serviços e se adaptarem à nova realidade demandada pelos clientes.


Nesse sentido, um dos planos que muitas empresas desse ramo adotaram foi o programa de benefícios por assinatura, com intuito de estimular a ida aos cinemas aplicando um modelo de sucesso. A rede Cinemark, que representa cerca de 30% do mercado brasileiro, lançou, em 2022, o Cinemark Club, no qual clientes pagam um plano mensal ou anual e, em troca, recebem descontos em certos alimentos e gratuidades em dois ingressos. Com isso, a empresa observou seu público crescer novamente, mesmo que com um ritmo ainda lento.


Outro aspecto que os cinemas buscaram otimizar foi a experiência ao assistir os filmes, fator esse que os serviços de streaming não conseguem oferecer. Desde antes da pandemia, já ocorre esse processo de desenvolvimento das salas, com a instalação de assentos reclináveis e mais confortáveis, telas maiores e mais opções de comidas, logo, com a necessidade de reconquistar o público, essa busca se intensificou. Diante desse cenário de mudança, Mark Polydoros, presidente da agência de marketing de cinema PaperAirplane Media disse: “Há uma urgência dos cinemas agora de investirem para a melhor experiência dos consumidores”. Dessa maneira, é notório um foco maior na qualidade do serviço oferecido, com intuito de tornar a atividade de assistir a um filme a mais imersiva e interessante possível.


Somado a esses fatores, houve ainda lançamentos de grandes filmes que impulsionaram a recuperação das bilheterias. Como tais produções foram muito aguardadas nas redes sociais devido ao forte marketing, criou-se uma ansiedade para aproveitar a experiência da melhor forma. Assim, longas-metragens como Avatar: O Caminho da Água, Homem-Aranha: Sem Volta para Casa e Top Gun: Maverick lotaram as salas de cinemas ao redor de todo o globo, retornando altos rendimentos de bilheterias.



O IMPACTO NOS PREÇOS DOS INGRESSOS


Apesar dos esforços governamentais para ajudar os cinemas, como incentivos fiscais, os danos causados pela pandemia não foram contidos completamente. Paralelamente a isso, os grandes investimentos realizados visando à volta ao cinema, planos de marketing e reformas nas salas são custosos e, naturalmente, precisam de um alto retorno para o negócio se tornar rentável. Por exemplo, segundo Richard L. Gelfond, presidente-executivo da IMAX4, o custo para realizar e adotar o sistema IMAX é de cerca de 1 milhão de dólares. Como consequência, as empresas precisaram buscar uma forma de diminuir o prejuízo para equilibrar as contas, e, por essa razão, passaram a aumentar o preço dos ingressos.


Tal medida, apesar de ajudar a aumentar a rentabilidade dos estabelecimentos, causa indignação no público. De acordo com uma pesquisa realizada pela Quorum⁵, 49% dos que responderam que evitam ir aos cinemas apontam como motivo os preços abusivos cobrados. Com isso, verifica-se o desafio atual dos cinemas em achar o ponto de equilíbrio no preço do ingresso, capaz de maximizar seus lucros e garantir atratividade.



“BARBENHEIMER”: A RIVALIDADE QUE BOMBOU OS CINEMAS


Em 2023, surgiu um outro fenômeno que impactou os cinemas: o “Barbenheimer”. Esse foi o nome dado nas redes sociais, em tom de brincadeira, para a inesperada rivalidade entre os filmes Barbie e Oppenheimer. Apesar de apresentarem propostas totalmente diferentes - o primeiro um live-action da famosa boneca e o segundo sobre a vida do físico criador da primeira bomba atômica - ambos tiveram a mesma data de lançamento. Dessa forma, por apresentarem públicos-alvo completamente diferentes, logo se criou uma polarização e apelo popular pela estreia de ambos, o que foi extremamente positivo para os cinemas, já que esse fenômeno ocasionou a lotação das salas de exibição e recordes de bilheteria. Comprovando esse fato, Barbie apresentou um faturamento global de 1 bilhão de dólares e Oppenheimer de 552,9 milhões de dólares nas primeiras semanas de exibição.


O imediato sucesso de ambos os filmes não foi por acaso. Por trás dele, ocorreram estratégias de marketing que garantiram grandes retornos para as produtoras e cinemas. No caso de Barbie, a Warner, produtora do filme, procurou estabelecer diversas parcerias com produtos, como Xbox e marcas fashion de luxo, como a Chanel, além de eventos colaborativos para promover a obra protagonizada por Margot Robbie. Já em Oppenheimer, foi feita uma forte divulgação destacando os incríveis efeitos especiais e o excelente elenco, que conta com Cillian Murphy, Robert Downey Jr, entre outros.


Nesse sentido, essa disputa entre os filmes gerou um marketing complementar para ambos. Graças ao enorme alvoroço na internet e das tendências que surgiram, muitos usuários foram cativados a irem às salas de cinema e participarem da experiência tão comentada. Segundo uma pesquisa realizada pela Quorum na primeira semana de lançamento nos EUA, 6% dos entrevistados foram assistir Oppenheimer devido à lotação das salas de Barbie, o que equivale a cerca de 5 milhões de dólares arrecadados por essa motivação. Desse modo, esses dados revelam a importância do marketing orgânico⁶, que foi benéfico não só para ambas as obras cinematográficas, mas também para a arrecadação dos cinemas em geral.



O FUTURO DO CINEMA


A partir do exposto, foi possível concluir que, mesmo atravessando por momentos de instabilidades, com serviços concorrentes em constante crescimento, os cinemas ainda estão longe de chegarem ao fim. Passando por altos e baixos, prejuízos, recordes e investimentos em inovações, a tradição das grandes telas ainda continua mostrando sua força e relevância no mercado de entretenimento.


No entanto, apesar de apresentar um grande potencial de crescimento, especialistas apontam mudanças no modelo atual do serviço. De acordo com o cineasta brasileiro Ricardo Laganaro: “A realidade virtual é o futuro do cinema”. Assim, em uma sociedade que anseia uma constante evolução tecnológica, cabe a reflexão: até onde as inovações dentro dos cinemas serão suficientes para competir com as novas tecnologias e os investimentos nos serviços de streaming?



GLOSSÁRIO


1. Streamings: tecnologia de transmissão de conteúdo online que nos permite consumir filmes, séries e músicas em um aparelho.


2. Obsolescência: estado no qual certo produto ou serviço se torna ultrapassado, sem utilidade.


3. Motion Picture Association: associação comercial estadunidense que tem como função controlar a distribuição de filmes, trabalhar para combater a cópia ilegal de filmes e administrar as classificações de filmes.


4. IMAX: tecnologia que traz para os cinemas uma experiência mais imersiva e com maior qualidade, a partir de uma gravação de imagens e áudios mais aprimorados, se apresentando em salas diferenciadas.


5. Quorum: empresa de pesquisa especializada em filmes e cinema.


6. Marketing orgânico: estratégia de marketing, na qual permite com que o conteúdo chegue ao público-alvo de forma natural.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CARDOSO, Letycia. “Sem recuperar metade do público perdido na pandemia, cinemas criam assinatura mensal de ingressos com desconto”. OGlobo, 21 de Agosto de 2022. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2022/08/cinemas-criam-planos-de-assinatura-com-descontos-para-trazer-publico-de-volta-ao-escurinho-das-salas.ghtml. Acesso em: 9 de Agosto de 2023.


CONTADO, Valeria. “Os desafios e estratégias da volta para as salas de cinema”. MeioemMensagem, 21 de Dezembro de 2021. Disponível em: https://www.meioemmensagem.com.br/midia/os-desafios-e-estrategias-da-volta-para-as-salas-de-cinema. Acesso em: 7 de Agosto de 2023.


LUIS, Guilherme. “Cinema foi atividade cultural presencial que mais perdeu público após a pandemia”. Acessa.com, 25 de Agosto de 2022. Disponível em: https://www.acessa.com/cultura/2022/08/3551-cinema-foi-atividade-cultural-presencial-que-mais-perdeu-publico-apos-a-pandemia.html. Acesso em: 12 de Agosto de 2023.


MARGOLIES, Jane. “Larger Screens, Heated Seats, Sushi: Theater Owners Want You Back”. NYTimes, 31 de Maio de 2023. Disponível em: https://www.nytimes.com/2023/05/31/business/movie-theater-upgrade-pandemic.html. Acesso em: 8 de Agosto de 2023.


RUBIN, Rebeca. “Inside ‘Barbie’s’ Pink Publicity Machine: How Warner Bros. Pulled Off the Marketing Campaign of the Year”. Variety, 23 de Julho de 2023. Disponível em: https://variety.com/2023/film/box-office/barbie-marketing-campaign-explained-warner-bros-1235677922/. Acesso em: 9 de Agosto de 2023.


SILVA, Hugo. “Como os especialistas em marketing tornaram Oppenheimer em um sucesso de bilheteiras”. Business2Community, 25 de julho de 2023. Disponível em: https://www.business2community.com/pt/tecnologia/como-os-especialistas-em-marketing-tornaram-oppenheimer-em-um-sucesso-de-bilheteiras-09593. Acesso em: 9 de Agosto de 2023.


SILVESTRE, Paulo. “Mudanças comportamentais forçam cinemas a se transformar”. Estadão, 29 de Outubro de 2022. Disponível em: https://www.estadao.com.br/brasil/macaco-eletrico/mudancas-comportamentais-forcam-cinemas-a-se-transformar/. Acesso em: 8 de Agosto de 2023.


SOUZA, Bruna. “O futuro do cinema e a realidade virtual”. Prensa.li, 21 de Julho de 2021. Disponível em: https://prensa.li/@bruna.cruz/o-futuro-do-cinema-e-realidade-virtual/. Acesso em: 9 de Agosto de 2023.


TORRES, Alan. “Preço alto do ingresso faz com que as pessoas deixem de ir aos cinemas, revela pesquisa”. Cinepop, 30 de novembro de 2021. Disponível em: https://cinepop.com.br/preco-alto-do-ingresso-faz-com-que-as-pessoas-deixem-de-ir-aos-cinemas-revela-pesquisa-323148/. Acesso em: 9 de Agosto de 2023.


TORRES, Alan. “‘Oppenheimer’ vendeu US$ 5 milhões em ingressos porque ‘Barbie’ estava ESGOTADO”. Cinepop, 25 de julho de 2023. Disponível em: https://cinepop.com.br/oppenheimer-vendeu-us-5-milhoes-em-ingressos-porque-barbie-estava-esgotado-430787/. Acesso em: 9 de Agosto de 2023.


VOMERO, Renata. “Bilheteria global de 2019 é a maior da história, segundo Comscore”. Exibidor, 15 de Janeiro de 2020. Disponível em: .https://www.exibidor.com.br/noticias/mercado/10500-bilheteria-global-de-2019-e-a-maior-da-historia-segundo-comscore. Acesso em: 8 de Agosto de 2023.


ZULIANI, André. “Após dois anos malditos, cinema vê recuperação bilionária em 2022”. Tangerina, 7 de Janeiro de 2023. Disponível em: https://tangerina.uol.com.br/filmes-series/anos-malditos-cinema-recuperacao-bilionaria/. Acesso em: 8 de Agosto de 2023


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