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De pequenas a grandes empresas: por que os processos de recuperação judicial vêm ganhando força?


Um novo fenômeno vem ganhando destaque no Brasil: as recuperações judiciais (RJs). O Serasa Experian, empresa de análise de crédito, contabilizou um aumento de processos em território nacional de 37% no primeiro trimestre de 2023, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Com isso, as RJs chegaram a 289 pedidos abertos na justiça até os primeiros meses de 2023, atingindo o seu maior patamar em 5 anos. Nesse contexto, saltam aos olhos os pedidos feitos por algumas das maiores companhias do país, como Americanas, Oi, Cervejaria Petrópolis e Light.


Surge, então, o seguinte questionamento: quais são os fatores do cenário brasileiro que estão levando tantas empresas de peso a optarem por esse caminho?


Recuperação Judicial ou Falência?


Para começar, vale destacar a diferença entre dois processos que ocorrem quando empresas não conseguem arcar com suas obrigações financeiras, a falência e a recuperação judicial. No primeiro, as companhias encerram totalmente suas atividades, portanto, não há mais geração de receita e suas dívidas serão pagas por meio de seus ativos, que serão recolhidos e vendidos pela justiça.


Já o segundo se apresenta como uma forma da empresa montar um plano para se reestruturar e manter sua função social. Para isso, uma companhia precisa evidenciar que, além de gerar lucro para seus sócios e investidores, ela gera renda aos seus trabalhadores e colaboradores, assim como fornece um serviço que é, muitas vezes, essencial para a população.


No entanto, é importante frisar que alguns requisitos são necessários para entrar com esse processo:

  • Ser uma empresa privada com mais de 2 anos de operação;

  • Não ter solicitado o mesmo tipo de processo nos últimos 5 anos;

  • Não haver empresários na gestão com crimes falimentares¹.


Adicionado a isso, a empresa tem alguns documentos a apresentar para abrir o processo de RJ, como:


  • Balanço dos últimos anos de operação;

  • Lista de seus credores;

  • Razões pelas quais chegou àquele estágio.


Com a aprovação da recuperação judicial, as companhias têm 180 dias de pagamento de dívidas congeladas e 60 dias para montar um plano de reestruturação, criados por firmas de consultoria estratégica ou escritórios de advocacia contratados pela empresa. Esse projeto é atualizado mensalmente perante à justiça e aos credores para que seja visto o avanço da situação financeira da firma. Entretanto, caso não haja melhora dos indicadores, a falência pode ser decretada.



Mas por que esses processos vêm crescendo tanto em todo o país em 2023?


Devido ao término da pandemia da COVID-19, os juros e inflação do país aumentaram significativamente. Atualmente, a taxa Selic está em 13,75%, uma alta significativa se comparada aos 2% predominantes ao longo de 2020. Portanto, isso demonstra uma elevação nas parcelas a serem pagas aos financiadores de empresas que fizeram aportes financeiros durante períodos de juros menores, gerando um cenário no qual elas não conseguem arcar com os valores presentes.

Somado a isso, com o aumento da inflação e a consequente diminuição do poder de compra² da população, as companhias não estão conseguindo aumentar os seus faturamentos para continuarem com seus pagamentos administrativos, operacionais e de dívidas. Sendo assim, elas acionam as recuperações judiciais, a fim de saírem de uma situação de crise financeira, visto que há o direito de se reestruturarem e terem suas dívidas cessadas por um certo período vantajoso.


Há algumas outras explicações econômicas para o aumento de recuperações judiciais, que também ocorrem por consequência dos juros e inflação altos. Por exemplo, o expressivo crescimento da inadimplência³, visto em 2023 no país, causa uma insegurança no sistema financeiro, o qual reduz o fornecimento de crédito e a possibilidade de negociação de dívidas por parte das empresas. Esse difícil cenário se agravou ainda mais com o inesperado pedido de recuperação judicial da Lojas Americanas, no início de 2023, motivado por inconsistências de 43 bilhões de reais em seu balanço. Por fim, esse panorama gera, para todas as empresas em âmbito nacional, uma baixa liquidez e uma grande dificuldade em conseguir mais empréstimos.


Essa situação de redução do crédito estagnou o crescimento de diversas companhias que, em muitas ocasiões, dependem de investimento para gerirem suas atividades, movimentarem seus caixas e, também, cobrirem dívidas a curto prazo. Um exemplo disso são firmas como o grupo Petrópolis, Marisa e Light, as quais não conseguiram empréstimo para pagar suas pendências financeiras, o que provavelmente seria mais fácil de adquirir se não tivesse ocorrido o caso Americanas. Nesse sentido, o Banco Central estima que o número de financiamentos dados a companhias por bancos e instituições financeiras sofreu uma redução de 8,6% somente no período de janeiro a fevereiro de 2023, logo após o caso Americanas ter ganhado visibilidade midiática, indicando sua capacidade de agravar a situação macroeconômica ainda mais.


Além disso, o complexo cenário econômico global traz turbulências para o já deficitário contexto brasileiro. Trazendo essa questão para números, pode-se ver que, globalmente, há uma dívida de 240 trilhões de dólares, com diversos países sofrendo com inflações altas após uma pandemia que trouxe altos gastos públicos e pouca receita para muitas companhias e governos. Consequentemente, acentuando todo esse panorama, agências de classificação de riscos estão sendo mais rigorosas com empresas brasileiras em 2023. A Fitch Ratings⁴, por exemplo, reduziu a nota de crédito de 13 empresas somente nos primeiros meses deste ano, enquanto o normal é de 9 diminuições anuais.


Com isso, os setores da economia brasileira em geral foram afetados por essa estagnação nacional. Nesse sentido, a área que mais pediu recuperações foi a de serviços, com 77 pedidos até fevereiro, seguidos pelos setores industrial e comercial, com 99 pedidos ao todo. Por fim, o setor primário acumulou 20 pedidos nesse mesmo período.


A partir dos dados do Serasa Experian, os pedidos de RJs entre grandes empresas, no Brasil, cresceram 94,4%, em 2023, número maior que os 44% vistos em micro e pequenas empresas (MPEs). Portanto, essa tendência de aumento para macroempresas é explicada pela visão mais atenta às mudanças de cenário, utilizando-se de estratégias como as recuperações judiciais para mudarem seus rumos. Enquanto as MPEs acabam por demorar um tempo a mais para perceber suas possibilidades e próximos passos em períodos de crise. Entretanto, as MPEs sentem mais as consequências da conjuntura econômica nacional, pois elas têm uma limitação de geração de caixa e faturamento, aliados a um menor poder de barganha com os fornecedores em comparação a grandes empresas. Com isso, as microempresas podem chegar a um cenário em que atingem a falência sem passar por uma RJ, com os processos de falência desse tipo de firma tendo um aumento de 42%, frente aos 30% para grandes companhias.


Ademais, as grandes empresas entrando em recuperação na justiça e tendo menos investimentos, também corroboram para uma má performance das companhias de pequeno porte, como um efeito cascata. Isso se deve à redução de pessoas empregadas e da renda das famílias, com uma estimativa de que 40% da população adulta do país esteja endividada. A partir disso, esse cenário traz um corte no número de compras em firmas menores, tanto pela população quanto pelas macroempresas, por terem menores faturamentos.


Por fim, outro fator interno das empresas brasileiras é a má gerência de recursos, processos e atividades. A longo prazo, corporações que não sabem se planejar acabam sofrendo com as oscilações da economia e se endividando mais.


Como melhorar esse cenário?


A inadimplência, a dificuldade de obtenção de crédito e a diminuição do poder de compra, somadas à alta nos juros e na inflação, traçam um cenário desafiador para quem empreende e gera empregos no país. Como resultado, a consultoria Alvarez & Marsal, especialista em reestruturação de empresas, estima que, até o fim de 2023, 1300 empresas entrarão com recuperações judiciais, registrando um aumento de 60% frente ao ano anterior, e com o valor de dívidas podendo ultrapassar os 100 bilhões de reais.

Portanto, para as empresas prosperarem, um ambiente mais fértil para se fazer negócios precisa renascer no país. Uma medida que traz oportunidade para isso a curto prazo e causa certa curiosidade no mercado sobre suas aplicações é a do arcabouço fiscal, que foi proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para instituir uma nova regra para os gastos públicos. Caso essa medida seja implementada, existe a possibilidade de uma redução na taxa de juros e de um aumento na credibilidade do quadro fiscal brasileiro para se investir.


Por fim, para evitar que virem apenas histórias e nostalgia ao pedir falência, as firmas continuarão utilizando de seu direito para pedir à justiça um tempo para se readequarem, em períodos de economia estéril. É difícil que sejam zerados os números de processos desse tipo, entretanto, deve-se ter como meta diminuir cada vez mais essa quantidade. Diante dessa conjuntura, fica o questionamento: será que as medidas econômicas em pauta serão capazes de trazer prosperidade às empresas em meio a esse período de crise?



Glossário

1- Crimes falimentares: Quaisquer atos fraudulentos cometidos em processos de recuperação judicial ou falência, a fim de trazer benefícios para os devedores.


2- Poder de compra: capacidade de um montante de dinheiro em adquirir uma certa quantidade de bens e serviços.


3- Inadimplência: quando não se cumpre algum dever ou obrigação.


4- Fitch Ratings: agência de classificação de risco de crédito para empresas com atuação e repercussão global, sendo uma das maiores do mundo nessa área.



Bibliografia:

BRANDÃO, R. Pedidos de recuperação judicial e falência disparam para o maior patamar em cinco anos. Disponível em: <https://exame.com/invest/mercados/pedidos-de-recuperacao-judicial-e-falencia-disparam-para-o-maior-patamar-em-cinco-anos/>. Acesso em: 1 jun. 2023.


DECLOEDT, C.; JUNIOR, A. S. Pedidos de recuperação judicial disparam e devem ter alta de 50% neste ano. Disponível em: <https://www.estadao.com.br/economia/coluna-do-broad/pedidos-de-recuperacao-judicial-disparam-e-devem-ter-alta-de-50-neste-ano/>. Acesso em: 1 jun. 2023.


EXCLUSIVO, R. Recuperações judiciais crescem 87,3% no Brasil. Disponível em: <https://exclusivo.com.br/_conteudo/negocios/2023/03/16/recuperacoes-judiciais-crescem-873--no-brasil.html>. Acesso em: 1 jun. 2023.


GONÇALVES, I. Relembre empresas que pediram recuperação judicial nos últimos anos. Disponível em: <https://einvestidor.estadao.com.br/comportamento/recuperacoes-judiciais-brasil-relembre-casos/>. Acesso em: 1 jun. 2023.


LEAL, G. O alerta do indicador de falências e recuperações judiciais; insolvência deve crescer, diz Serasa. Disponível em: <https://www.moneytimes.com.br/o-alerta-do-indicador-de-falencias-e-recuperacoes-judiciais-insolvencia-deve-crescer-mais-diz-serasa/>. Acesso em: 1 jun. 2023.


MOLITERNO, D. Pedidos de falência e recuperação judicial aumentam em cenário de juro alto e crédito escasso. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/pedidos-de-falencia-e-recuperacao-judicial-aumentam-em-cenario-de-juro-alto-e-credito-escasso/>. Acesso em: 1 jun. 2023.


Pedidos de recuperação judicial e falências disparam neste ano. Disponível em: <https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/04/13/alta-da-inadimplencia-pressiona-pedidos-de-recuperacao-judicial.ghtml>. Acesso em: 1 jun. 2023.


Recuperação Judicial no Brasil: Tendências e Impactos na Economia. Disponível em: <https://economicnewsbrasil.com.br/2023/05/19/recuperacao-judicial-no-brasil-tendencias-e-impactos-na-economia/>. Acesso em: 1 jun. 2023.


SANTANA, W. Muito além de Grupo Petrópolis, Americanas e Oi: quase 200 empresas pediram RJ só nos dois primeiros meses de 2023. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/negocios/muito-alem-de-grupo-petropolis-americanas-e-oi-quase-200-empresas-pediram-rj-so-nos-dois-primeiros-meses-de-2023/>. Acesso em: 1 jun. 2023.


ZANOBIA, L.; MENDES, F. Por que os pedidos de recuperação judicial disparam em 2023. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/economia/por-que-os-pedidos-de-recuperacao-judicial-disparam-em-2023>. Acesso em: 1 jun. 2023.

Americanas pede recuperação judicial; entenda como funciona. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/19/o-que-e-a-recuperacao-judicial.ghtml>. Acesso em: 1 jun. 2023.



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