Do Bloquinho ao Império: Como a LEGO se Salvou Construindo com os Seus Fãs
- Júlia Carneiro
- 20 de abr.
- 17 min de leitura

Fonte: Unsplash
Sendo uma das marcas mais icônicas do mundo, presente na infância de milhões de pessoas, a LEGO tem uma história marcada por transformações e superações. Fundada em 1932 por Ole Kirk Christiansen, inicialmente como uma fabricante de brinquedos de madeira, a empresa se reinventou ao longo das décadas, desenvolvendo o revolucionário sistema de encaixe dos blocos. Em 1958, essa inovação trouxe maior estabilidade às peças, diferenciando-se dos modelos anteriores e estabelecendo a empresa dinamarquesa como um sistema modular de construção que conquistaria várias gerações ao redor do mundo. Atualmente, a companhia, que, de acordo com o Brickset, um dos bancos de dados mais completos sobre LEGO, conta com 21.697 conjuntos e outros itens lançados nos últimos 75 anos, conhecida por seus blocos de montar, cativa diferentes públicos com seus produtos e parcerias estratégicas.
Entretanto, apesar de ter a receita para o sucesso, a LEGO enfrentou duas fortes crises que quase a levaram à falência. Em um primeiro momento, a diversificação excessiva e a falta de priorização comprometeram suas finanças. Na sequência, a segunda crise, impulsionada pela perda de identidade da marca, gerada por investimentos arriscados em produtos pouco alinhados ao seu core business¹, ameaçou seu império. No entanto, em ambas as ocasiões, a empresa conseguiu se recuperar e expandir de forma impressionante.
No presente, a LEGO está presente em mais de 130 países, com centenas de lojas próprias e um faturamento anual superior a 9 bilhões de dólares, consolidando-se como líder no setor de brinquedos. Contudo, uma pergunta ainda permanece em aberto: como a empresa conseguiu se recuperar dessas crises e expandir seu império na atualidade?
A Quase Falência e o Retorno às Origens
Liderando o setor de brinquedos e jogos infantis por décadas, com um faturamento de US$2,2 bilhões no final dos anos 1990, a LEGO entrou nos anos 2000 motivada por um otimismo que a levou a um processo de expansão acelerada e desordenada. Com o objetivo de diversificar seu portfólio, a empresa investiu em segmentos pouco estruturados e alheios ao seu core business, como parques temáticos, vestuário e videogames. No entanto, embora esses investimentos parecessem promissores à primeira vista, eles exigiram aportes financeiros elevados — como os US$500 milhões destinados a videogames e outros segmentos não relacionados — sem gerar o retorno esperado. Isso fica evidente ao analisarmos que, entre 1999 e 2003, a empresa acumulou um prejuízo de US$238 milhões, comprometendo sua sustentabilidade financeira. Além disso, a participação da empresa nos videogames, que só atingiu a marca de 100 milhões de cópias vendidas em 2014, demorou a apresentar resultados expressivos. Dessa forma, o que parecia um caminho para a inovação e o crescimento acabou se tornando uma armadilha financeira.
Ao mesmo tempo, enquanto direcionava recursos para áreas pouco alinhadas ao seu foco, a LEGO falhava em compreender as mudanças no comportamento de seu público-alvo. Isso porque, entre 2000 e 2004, o avanço do entretenimento digital, impulsionado pela popularização dos vídeos online e dos videogames, transformou drasticamente os hábitos das crianças e adolescentes. O tempo dedicado a brinquedos físicos caiu até 30%, enquanto o consumo de conteúdo digital aumentou quase 50%. No entanto, embora tenha tentado responder a essa mudança diversificando seu portfólio — incluindo investimentos em videogames —, a LEGO geriu essa estratégia de forma ineficaz. O alto investimento de 500 milhões de dólares na diversificação acabou sendo mal direcionado, umas vez que investiram diretamente em estúdios próprios, uma iniciativa que resultou em jogos de baixo desempenho comercial, com vendas inferiores a um milhão de unidades. Além disso, em uma tentativa de atrair um público mais velho, a empresa tornou seus produtos mais complexos, resultando em conjuntos com maior número de peças e montagens mais demoradas. Essa estratégia, contudo, afastou as crianças menores, que se viam desmotivadas por desafios excessivos.
Paralelamente, a crescente complexidade dos produtos resultou no aumento do custo médio por unidade de brinquedo, que subiu 15% nesse período. Posto isso, a diferenciação desenfreada dos produtos elevou consideravelmente os custos operacionais da empresa. Para sustentar sua expansão para novas áreas, a LEGO criou divisões de negócios independentes, investiu em infraestrutura e contratou equipes especializadas. Como exemplo, em 2001, a empresa destinou US$150 milhões para o desenvolvimento de um parque temático, mas o retorno sobre esse investimento foi irrisório, gerando impactos negativos em sua rentabilidade. Ainda, para viabilizar sua estratégia diversificada, a companhia intensificou os investimentos em marketing, direcionando centenas de milhões de dólares para campanhas publicitárias que não conseguiram gerar o engajamento esperado.
Diante desse cenário, a combinação de custos elevados, queda na demanda e falta de uma estratégia efetiva levou a empresa a uma grave crise financeira. Em 2003, a LEGO registrou um prejuízo de aproximadamente US$300 milhões e acumulou US$800 milhões em dívidas, evidenciando o impacto severo de suas decisões estratégicas mal sucedidas. Ao mesmo tempo, sua estrutura operacional tornou-se disfuncional, com processos produtivos fragmentados, caracterizados por fábricas operando de forma descentralizada, falta de padronização na produção e logística ineficiente, o que aumentava custos e dificultava a escala. Com isso, as margens tornaram-se cada vez mais pressionadas. Assim, com um modelo de negócios inchado e baixa rentabilidade, a companhia chegou à beira da falência, entrando em uma das fases mais turbulentas de sua história.

Com o intuito de reverter esse panorama de forma ágil, a LEGO precisou adotar medidas drásticas, iniciando um profundo processo de reestruturação. Dessa forma, em 2004, Jørgen Vig Knudstorp assumiu a liderança da empresa e implementou uma abordagem focada na eficiência operacional e no resgate da identidade da marca — que foi reforçado por meio da volta às origens da empresa, com foco no público alvo e na valorização dos blocos clássicos, além da redução da diversificação excessiva de produtos. Sob sua gestão, a LEGO passou a priorizar a rentabilidade, resultando em um aumento significativo no ROA², que saltou de -5% em 2003 para 12% em 2006, evidenciando a recuperação financeira da companhia.
Para alcançar esses resultados, a nova administração promoveu cortes estratégicos, descontinuando linhas de produtos pouco rentáveis e encerrando iniciativas desalinhadas ao core business. Além disso, a cadeia de suprimentos foi reformulada, adotando processos produtivos mais enxutos, como a padronização de componentes e a otimização da logística de distribuição, o que reduziu custos e aumentou a eficiência. Como reflexo dessas mudanças, o lucro operacional, que havia sido negativo em 2003, atingiu US$300 milhões em 2006. Paralelamente, a empresa reduziu em 50% o número de fornecedores e concentrou a produção em menos fábricas, permitindo um controle mais eficiente dos custos e dos prazos de entrega.
A Revolução da Cocriação
Além da racionalização operacional, a LEGO reorientou sua estratégia de produtos, priorizando a revitalização de linhas emblemáticas como LEGO City e LEGO Technic. Esse movimento não apenas representou um maior investimento nessas categorias em comparação com períodos anteriores, mas também foi uma consequência natural do corte de outras linhas de produtos que não se mostravam tão estratégicas ou rentáveis. Paralelamente, a empresa expandiu sua presença no mercado por meio de parcerias estratégicas reguladas por licenciamento e royalties. Diferentemente da diversificação desordenada do passado, essas colaborações foram estruturadas para fortalecer o portfólio focal da empresa, conectando seus blocos de montar a franquias de grande apelo, como Star Wars e Harry Potter. Essa estratégia teve um impacto expressivo na receita da LEGO, que voltou a crescer consistentemente entre 2005 e 2010.

O impacto foi significativo e rapidamente perceptível. No agregado, essas iniciativas resultaram em um crescimento expressivo para a empresa. Embora o licenciamento de franquias tenha começado ainda em 1999, com o lançamento da linha LEGO Star Wars, foi somente após a crise financeira dos anos 2000 que essa estratégia foi consolidada e ampliada para outras propriedades intelectuais. Inicialmente, o sucesso da linha Star Wars impulsionou as vendas totais em 25% no primeiro ano, estabelecendo um novo padrão para produtos licenciados. Nos anos seguintes, essa categoria se tornou uma peça central na recuperação financeira da empresa, chegando a representar cerca de 60% do faturamento total. No entanto, essa alta concentração de receita em um único segmento representava um risco, levando a LEGO a diversificar seu portfólio ao longo dos anos seguintes para reduzir essa dependência. Além disso, a base de clientes se expandiu para além do público infantil, atraindo um número crescente de colecionadores e adultos. Em 2015, esse grupo já correspondia a aproximadamente 20% dos consumidores da linha Star Wars, consolidando a LEGO no mercado de colecionáveis premium.
Em paralelo, a entrada no setor de videogames reforçou essa abordagem estratégica mais estruturada. A LEGO optou por uma parceria com a TT Games, resultando em uma linha de jogos bem-sucedida. Essa mudança se mostrou altamente lucrativa: títulos como LEGO Star Wars: The Video Game (2005), LEGO Star Wars II: The Original Trilogy (2006), LEGO Indiana Jones: The Original Adventures (2008) e LEGO Batman: The Videogame (2008) venderam, juntos, mais de 33 milhões de cópias globalmente nos dez anos seguintes ao lançamento do primeiro título. Em contraste, as tentativas anteriores da LEGO no setor de games, realizadas de forma independente nos anos 90, tiveram desempenho fraco e não conseguiram estabelecer a marca no segmento. Esse diferencial evidencia o sucesso do novo direcionamento, que não só ampliou o alcance da marca no entretenimento digital, mas também consolidou o segmento de videogames como um pilar complementar ao portfólio tradicional da empresa.
O sucesso das colaborações também se refletiu no segmento de colecionáveis de alto valor. O lançamento de conjuntos detalhados, como a Ultimate Collector 's Millennium Falcon e o Castelo de Hogwarts, elevou o ticket médio³ e consolidou a LEGO nesse mercado. Em 2007, a Millennium Falcon foi lançada por US$499,99 e rapidamente se tornou um dos produtos mais vendidos da linha. Com o passar dos anos, seu valor disparou no mercado secundário, ultrapassando os US$2.000, evidenciando o forte apelo desses produtos para colecionadores e entusiastas.
Assim, devido a essas mudanças estratégicas, a LEGO conseguiu reverter seu quadro financeiro adverso e retomar sua trajetória de crescimento. O impacto da reestruturação começou a se refletir rapidamente nos resultados financeiros. Em 2005, apenas um ano após as primeiras medidas, a empresa já apresentava sinais de recuperação, com um aumento de 19% na receita e uma melhoria substancial na margem operacional. Esse avanço foi impulsionado, sobretudo, pelo sucesso das linhas licenciadas e pela otimização dos processos produtivos.
À medida que as iniciativas foram sendo implementadas, os números continuaram a subir. Em 2008, a firma consolidou seu retorno à lucratividade, registrando um lucro líquido de US$280 milhões, um salto significativo em relação às perdas acumuladas nos anos anteriores. O crescimento se manteve, e, em 2009, o faturamento da empresa atingiu US$1,8 bilhão. Essa expansão foi sustentada tanto pela revitalização de produtos clássicos quanto pela aposta em novas linhas estratégicas, como LEGO Friends e LEGO Ninjago, que ampliaram o público-alvo da marca.
Além disso, a consolidação das franquias licenciadas e o sucesso de The LEGO Movie, lançado em 2014, impulsionaram ainda mais a receita da companhia. O filme arrecadou impressionantes US$468 milhões globalmente, um retorno significativo considerando seu custo de produção de aproximadamente US$60 milhões. Sob essa perspectiva, seu impacto foi duplo: além de garantir alta lucratividade para a produção cinematográfica, a animação também alavancou as vendas dos brinquedos relacionados e fortaleceu a presença da marca no mercado do entretenimento. Como resultado, em 2014, o faturamento da LEGO atingiu US$4,8 bilhões — um crescimento de mais de 160% em relação a 2009 — tornando-se a maior fabricante de brinquedos do mundo, superando gigantes como Mattel e Hasbro.
Dessa forma, o equilíbrio entre inovação e tradição, aliado a uma execução mais eficiente, permitiu que a empresa superasse a crise e se consolidasse como uma das marcas mais valiosas do setor de brinquedos e entretenimento.
Novos desafios e inovações da segunda crise
Contudo, em 2015, a LEGO voltou a enfrentar um período de desaceleração. No ano anterior, a empresa havia registrado um crescimento de 19% no faturamento, alcançando US$5,2 bilhões, mas o mercado começou a demonstrar sinais de saturação. Esse cenário refletia um esgotamento da capacidade de expansão no modelo adotado, com desafios como a complexidade crescente da cadeia de suprimentos — resultado do amplo portfólio de produtos e da necessidade de gerenciar uma grande variedade de peças e componentes. Esse fator elevava os custos operacionais, tornando a logística e a produção menos eficientes. Além disso, a diversificação excessiva do portfólio dificultava a gestão de estoque e distribuição, contribuindo para a desaceleração do crescimento.
A rápida expansão global agravou esses problemas, tornando o sistema logístico menos eficiente e aumentando prazos e custos. Esse impacto era particularmente visível devido à localização de suas fábricas e centros de produção. A LEGO conta com unidades produtivas na Dinamarca, Hungria, México, China e República Tcheca, enquanto seus principais mercados de venda incluem Europa, América do Norte e, mais recentemente, Ásia. Esse descompasso geográfico, somado à alta demanda, elevava os custos logísticos e os desafios na gestão de prazos. Além disso, a diversificação excessiva do portfólio levou a um aumento no número de produtos ativos, ultrapassando a marca de 450 conjuntos em produção simultânea — um volume significativamente superior à média do setor, que gira em torno de 200 a 300 itens ativos por grandes fabricantes de brinquedos. Esse cenário contribuiu para atrasos na cadeia produtiva e maior complexidade operacional.

Embora a receita da LEGO ainda apresentasse crescimento, a empresa passou a enfrentar desafios mais significativos. Entre 2010 e 2014, o faturamento havia saltado de US$2,7 bilhões para US$4,6 bilhões, um aumento de aproximadamente 70%. No entanto, nos anos seguintes, o lucro líquido começou a diminuir, evidenciando um mercado mais competitivo e um modelo que precisava ser ajustado para evitar uma nova crise. Para enfrentar esses desafios, a empresa precisou reavaliar sua estrutura operacional e buscar soluções para simplificar processos. Entre as principais medidas adotadas, destacaram-se a redução do número de produtos ativos, a otimização da produção por meio de um planejamento mais eficiente das linhas de montagem e da realocação estratégica da fabricação entre suas fábricas globais, além de uma abordagem mais seletiva na escolha de novas linhas e parcerias.
Contudo, apesar desses desafios, a LEGO conseguiu manter sua lucratividade, diferentemente da crise dos anos 2000, quando esteve à beira da falência. Dessa vez, a empresa possuía uma base de consumidores mais consolidada, um branding⁴ fortalecido e uma visão estratégica mais madura, o que permitiu uma resposta ágil e eficaz. Esses ajustes garantiram não apenas a estabilidade financeira da empresa, mas também a construção de um modelo mais sustentável para seu crescimento futuro. Com isso, observa-se que, em 2015, apesar da desaceleração, a LEGO manteve sua trajetória de crescimento, comprovando sua resiliência e a eficácia de suas estratégias para enfrentar desafios sem comprometer sua estabilidade financeira. Além disso, a marca continuou expandindo sua presença global, investindo em novos mercados e ampliando sua linha de produtos. Diferentemente da crise dos anos 2000, quando a diversificação foi desordenada e se afastou do core business, dessa vez a expansão foi conduzida de forma mais estruturada, com um foco claro em categorias complementares e de alta sinergia com seu portfólio principal.
Para superar essa nova crise, a LEGO adotou uma abordagem inovadora e focada na experiência do consumidor. A empresa intensificou seus investimentos na robótica educativa, fortalecendo a linha LEGO Mindstorms, voltada para o ensino de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Esse movimento se mostrou estratégico não apenas pelo potencial de crescimento da categoria, mas também por apresentar margens significativamente mais altas em comparação aos sets tradicionais. Enquanto as margens operacionais dos conjuntos clássicos da LEGO giravam em torno de 15% a 20%, os produtos voltados para educação e tecnologia podiam alcançar margens superiores a 30%, devido ao alto valor agregado e ao público disposto a pagar mais por inovação e aprendizado.
Esse direcionamento estratégico expandiu sua atuação para um público interessado em aprendizado interativo e tecnologia, sem repetir os erros do passado, pois manteve-se dentro de sua área central de expertise: blocos de montar e construção criativa. Além disso, ao contrário das tentativas anteriores de diversificação excessiva, essa estratégia estava alinhada à crescente demanda por soluções educacionais e integrava-se ao portfólio existente da LEGO de forma complementar.
Esse direcionamento trouxe resultados expressivos para a empresa. A lucratividade permaneceu sólida, impulsionada tanto pela expansão na robótica educativa quanto pelo fortalecimento de iniciativas como o LEGO Ideas, um programa de cocriação que permite que os próprios consumidores criem novos conjuntos. O envolvimento direto dos fãs não apenas fomentou a inovação dentro da empresa, mas também resultou no lançamento de edições altamente demandadas, como o NASA Apollo Saturn V e o Central Perk de Friends, que figuraram entre os sets mais vendidos no período. Em 2019, os conjuntos originados do LEGO Ideas representaram uma fatia significativa das vendas, demonstrando o sucesso da estratégia de engajamento e cocriação.

Ademais, essa reformulação da experiência nas LEGO Stores desempenhou um papel crucial na recuperação da marca. Em um cenário onde o entretenimento digital ganha cada vez mais espaço, a LEGO seguiu um caminho inverso ao reforçar a fisicalidade de seus produtos. Em vez de competir diretamente com jogos virtuais, a empresa apostou na criação de centros interativos, nos quais os consumidores pudessem vivenciar a construção com blocos de forma imersiva e coletiva.
O conceito “Construa Junto” não apenas resgatou o valor do tato e da experiência sensorial dos brinquedos físicos, mas também fortaleceu o engajamento da marca ao proporcionar momentos compartilháveis, impulsionando um marketing orgânico poderoso. A combinação de interatividade e presença física nas lojas se tornou um diferencial competitivo, transformando o ato de brincar com LEGO em uma experiência inovadora e alinhada à sua identidade, ao mesmo tempo em que desafiava a tendência predominante de digitalização do entretenimento.
Além disso, a LEGO expandiu sua presença global de forma mais estruturada, aprendendo com os desafios enfrentados no passado. Entre 2020 e 2022, a empresa abriu mais de 130 novas lojas, com foco especial na China, onde concentrou a maior parte dessas inaugurações. Para evitar os problemas logísticos e de custos operacionais que acompanharam expansões anteriores, a LEGO adotou uma abordagem mais estratégica, fortalecendo sua cadeia de suprimentos localmente e investindo na produção dentro do próprio país. Em 2020, a LEGO anunciou planos para abrir 80 novas lojas além das 55 já existentes na China. Em 2022, a empresa inaugurou 155 novas lojas globalmente, com uma parte significativa delas nesse mercado, que se consolidou como um dos principais pólos tecnológicos do mundo. Com cerca de 40% de seus formandos atuando em áreas STEM, a China gerou uma demanda crescente por brinquedos educativos, favorecendo a estratégia da LEGO.
Esse cenário impulsionou as vendas da empresa no país, que registrou crescimento de dois dígitos em 2021, apoiado na expansão física e na ampliação de sua presença digital. Apesar da forte concorrência local, com produtos similares a preços mais baixos, a LEGO conseguiu se destacar ao combinar sua marca globalmente reconhecida, o alto padrão de qualidade e a forte associação com a educação STEM.
Ainda assim, o investimento não apenas fortaleceu a lealdade dos consumidores, mas também consolidou a LEGO como referência em inovação e experiência de marca, provando sua capacidade de competir em mercados desafiadores ao oferecer valor além do preço, apostando em aprendizado, qualidade e engajamento com o público. Avançando ainda mais em atender ao que os consumidores passaram a visar em uma empresa, a sustentabilidade e o propósito passaram a integrar a estratégia corporativa de forma mais estruturada. A LEGO anunciou um compromisso ambicioso de neutralidade de carbono até 2030, investindo no desenvolvimento de peças fabricadas com plásticos sustentáveis, como os derivados de cana-de-açúcar e materiais recicláveis. Além disso, a empresa tem destinado recursos significativos para a pesquisa e implementação de processos produtivos mais ecológicos, refletindo sua preocupação com o impacto ambiental e sua responsabilidade corporativa.

Percebe-se que esse posicionamento fortaleceu a imagem da marca e atraiu um público cada vez mais consciente e engajado. Como resultado dessas iniciativas, a LEGO conseguiu reverter a tendência de desaceleração e retomou sua trajetória ascendente. Entre 2020 e 2024, período em que a empresa intensificou seus investimentos em políticas sustentáveis e ESG, o impacto positivo dessa abordagem também se refletiu em seu desempenho financeiro. A adoção de materiais ecológicos, a redução da pegada de carbono e o compromisso com práticas responsáveis ajudaram a consolidar a reputação da LEGO como uma marca inovadora e comprometida com o futuro. Essa estratégia não apenas gerou maior fidelização do público, mas também impulsionou os resultados da companhia. Dessa forma, a marca reafirmou seu status como líder global no segmento de brinquedos, demonstrando que, com planejamento estratégico e adaptação às demandas do mercado, é possível superar desafios e garantir um crescimento sustentável.
O Futuro da LEGO
A trajetória da LEGO representa uma das mais impressionantes recuperações empresariais do mercado global, baseada na valorização da comunidade, inovação contínua e adaptação estratégica. Após superar períodos de crise, a empresa consolidou um modelo de negócios que equilibra tradição e modernidade, garantindo sua posição de liderança na indústria de brinquedos. Seus próximos passos refletem esse compromisso com a evolução e sustentabilidade a longo prazo, fundamentados em três pilares principais:
Cocriação e engajamento do consumidor: O programa LEGO Ideas permitiu que os próprios fãs contribuíssem para o desenvolvimento de novos produtos, fortalecendo o vínculo com a comunidade e garantindo lançamentos alinhados às expectativas do público. Esse modelo impulsionou a demanda por edições especiais e colecionáveis, tornando a participação dos consumidores um diferencial competitivo da marca.
Expansão no meio digital: A LEGO ampliou sua atuação digital sem comprometer sua identidade, integrando blocos físicos a experiências interativas. Iniciativas como a robótica educativa do LEGO Mindstorms, os jogos eletrônicos baseados em franquias populares e as plataformas de realidade aumentada, como LEGO Hidden Side, garantiram que a marca permanecesse relevante em um cenário cada vez mais digital.
Compromisso com a sustentabilidade: A empresa assumiu a meta de substituir plásticos convencionais por materiais ecológicos até 2030, reforçando sua responsabilidade ambiental e respondendo às crescentes exigências dos consumidores por práticas mais sustentáveis. O investimento em pesquisa e inovação para o desenvolvimento de peças recicláveis e embalagens ecológicas reflete essa visão de longo prazo.
Apesar da solidez de seu modelo de negócios, a LEGO precisa continuar aprimorando sua estratégia para evitar que os erros do passado se repitam. Um dos principais desafios enfrentados nas crises de 2003 e 2014 foi o excesso de diversificação do portfólio, que elevou a complexidade operacional e os custos. Para garantir uma expansão sustentável, a empresa deve manter um equilíbrio cuidadoso entre inovação e foco estratégico, priorizando linhas que se integrem ao seu core business e adotando critérios rigorosos para avaliar novos produtos e parcerias. Além disso, uma gestão eficiente da cadeia de suprimentos e da estrutura operacional será essencial para sustentar o crescimento sem comprometer a rentabilidade.
Ao unir criatividade, estratégia e propósito, a LEGO transformou desafios em oportunidades e consolidou-se como referência em inovação e gestão empresarial.
Glossário
1- Core business: Atividades centrais e essenciais de uma empresa para o seu sucesso e o seu propósito
2- ROA: "Retorno sobre o Ativo" em português. Métrica financeira que avalia a eficiência de uma empresa em gerar lucro a partir de seus ativos.
3- Ticket médio: Valor médio que um cliente gasta em uma transação com uma empresa
4- Branding: Gestão da identidade de uma marca, com o objetivo de torná-la mais conhecida e desejada
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