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Foto do escritorGuilherme Bragunci Adayme

Espaço: a próxima fronteira de investimento


Passado mais de meio século após o homem ter deixado suas primeiras pegadas na Lua, a natureza da exploração espacial humana se encontra frente a um cenário de completa disrupção. Enquanto, por anos, a indústria aeroespacial concentrou seus esforços em missões tripuladas na Órbita Terrestre Baixa (a uma altitude de 500 a 1.500 km da Terra) e na exploração científica não tripulada, hoje os objetivos são mais ambiciosos. O elevado financiamento privado, os avanços tecnológicos e o crescente interesse do setor público estão, portanto, renovando o desejo de alcançar as estrelas.


No decorrer dos últimos cinco anos, uma enorme especulação tem surgido em torno desse mercado. Temas como a colonização de Marte, o turismo espacial e outros muitos projetos que atingem o apogeu do imaginário humano vêm se tornando alvos frequentes de manchetes e o motivo para o surgimento de novas companhias privadas - circunstância nada usual ao se comparar com alguns anos atrás. No entanto, a indústria aeroespacial é um exemplo clássico de indústria difícil de conquistar uma posição consolidada. Este é um setor extremamente complexo e com altos custos de entrada em razão do uso intensivo de capital, das aptidões técnicas necessárias e impeditivos regulatórios. Embora muitos tenham falhado em capitalizar nesse mercado, na última década um fenômeno vem mudando esse cenário: o protagonismo da iniciativa privada nas inovações do setor. O ambiente espacial, portanto, não é mais um privilégio exclusivo dos órgãos governamentais. As empresas privadas entraram no domínio da exploração e estão impulsionando o setor com mais vigor e rapidez do que seria caso limitado apenas a alguns governos. Nesse cenário, ainda que o espaço detenha uma vertente inegavelmente especulativa - especialmente em torno do desenvolvimento de um modelo de negócio rentável -, uma série de fatores estão se juntando para sugerir que a incursão das grandes empresas no espaço está aqui.


2020: Uma Odisseia no Espaço


Em 1957, com o lançamento bem-sucedido do programa Sputnik (responsável pela primeira série de satélites em órbita), e a sucessiva corrida espacial travada entre Estados Unidos e União Soviética, desencadeou-se uma nova era de inovações que mudaram por completo a forma como o homem olha para o espaço. Hoje, o desenvolvimento de foguetes reutilizáveis ​​pode proporcionar um ponto de inflexão semelhante. Isso porque a principal restrição à expansão da indústria aeroespacial - o custo de lançamento - poderá ser minimizada, abrindo, assim, novas oportunidades potenciais para o mercado, seja em campos como banda larga via satélite, entrega de produtos em alta velocidade e até viagens espaciais humanas.

A NASA calcula que os custos de lançamento comercial para as estações internacionais foram reduzidos em mais de quatro vezes nos últimos 20 anos, enquanto para a Órbita Terrestre Baixa esse decréscimo foi na ordem de vinte. Embora tamanha redução seja causada por dezenas de fatores, incluindo modernizações e maior eficiência nos processos de design, desenvolvimento e fabricação dos foguetes, uma parcela considerável pode ser atribuída ao uso de hardware reutilizável em vez de descartável. Posto isso, enquanto o ônibus espacial da NASA teve, até o início da década, um custo de cerca de US$ 1,5 bilhão para lançar uma carga média de 27.500 kg para a Órbita Terrestre Baixa, hoje, o Falcon 9 da SpaceX anuncia um custo de US$ 62 milhões para lançar 22.800 kg. Ou seja, o custo relativo total decaiu de US$ 54.500/kg para US$ 2.720/kg. Seguindo essa lógica, ainda que ambos os casos utilizassem foguetes reutilizáveis, a eficiência nesse reaproveitamento é consideravelmente maior hoje. Estima-se que, atingindo a máxima eficiência - de maneira análoga à utilização de aviões comerciais - o custo com o lançamento poderia ser reduzido em até 100 vezes. Desse modo, à medida que foguetes reutilizáveis se tornam mais simples e a alta demanda promove economias de escala na produção, essa tendência de queda permanecerá visível.

A combinação de custos em queda contínua e a melhora de desempenho operacional promete, portanto, um ambiente econômico análogo ao vivenciado durante o boom do software na década de 80 ou da internet na década de 90. Nesse momento, foram poucos os que previram o enorme impacto que seria desencadeado sobre o modelo de sociedade vigente. Contudo, aqueles que anteciparam tal evento angariaram fortunas, alguns inclusive ao ponto de começar empresas de foguete. Diante disso, muitos aspirantes a empreendedores devem se perguntar seriamente por que os fundadores do PayPal, Google, Amazon, Virgin e Microsoft despejam bilhões em empresas espaciais. Em linhas gerais, muito disso reflete, de fato, uma verdadeira paixão pela indústria e uma visão ímpar das tendências do mercado, mas, francamente, parte é simplesmente medo de chegar atrasado à festa.

Capitalizando o espaço

Embora os "unicórnios espaciais" tenham sido foco da atenção da mídia, centenas de outras novas empresas foram criadas nos últimos anos para explorar as oportunidades em infraestrutura espacial - fabricação de satélites, recursos de lançamento, hardware - e áreas adjacentes, como viagens comerciais ao espaço, banda larga via satélite, mídia e até mineração de asteróides. Enquanto em 2011 havia apenas 100 companhias atuando no setor, hoje temos cerca de 1.000, sendo 700 delas companhias privadas. Sob essa perspectiva, mesmo com a ampla quantia de capital requisitada, o interesse de investidores anjos, empresas de capital de risco e private equity manteve um ritmo intenso.

Por enquanto, esses investidores estão tendo uma visão relativamente otimista da perspectiva de ganhar dinheiro no espaço. No terceiro trimestre de 2020, mesmo com uma baixa nos meses iniciais do ano por conta da Covid-19, foram investidos US$ 3,6 bilhões em empresas espaciais - quase o dobro do valor investido no mesmo período de 2019, de acordo com o relatório divulgado pela Space Capital LP, uma das principais empresas de capital de risco do setor. O financiamento total desde 2010 ultrapassa US$ 20 bilhões investidos em 435 empresas diferentes, e estima-se que em 2040 o setor poderá gerar mais de US$ 1,1 trilhão em receita - ante os atuais US$ 350 bilhões.

Nesse cenário, os Estados Unidos permanecem como o maior país em investimentos aeroespaciais, com 62% do financiamento total em 2020 sendo destinados a empresas sediadas em solo estadunidense. Porém, países como Reino Unido e China têm recebido cada vez mais financiamentos, apoiados também fortemente pela iniciativa privada, além de fundos governamentais.

Sob essa lógica, os principais focos dos investimentos e os protagonistas da indústria aeroespacial pertencem a três grupos: os provedores de serviços de lançamento, os fabricantes de satélites e os operadores. Dentre esses, os responsáveis pelos lançamentos - espinha dorsal do mercado espacial - se destacam na atração desse capital, por justamente, serem os maiores focos de inovação na indústria atual. No entanto, alguns outros setores, como é o caso de telecomunicações, também sofrem um impacto considerável, ainda que indiretamente. Logo, as oportunidades mais significativas de curto e médio prazo podem vir, principalmente, do acesso à Internet de banda larga via satélite, o qual, segundo projeções do banco Morgan Stanley, representará 50% do crescimento projetado da indústria até 2040.

Espaço: a província dos bilionários


Além das oportunidades geradas pela internet de banda larga via satélite, os novos aperfeiçoamentos em foguetes oferecem outras muitas possibilidades tentadoras. Diante disso, esquecida a velha guerra sem quartel entre União Soviética e Estados Unidos, a irrupção de ambiciosos magnatas como Elon Musk, Jeff Bezos e Richard Branson marca um novo capítulo na corrida espacial.

Sob o comando deles estão três das companhias privadas mais proeminentes do setor voltadas para voos espaciais humanos: a SpaceX, Blue Origin e Virgin Galactic, respectivamente. O objetivo central das três empresas é a redução do custo de acesso ao espaço - principalmente por meio da reutilização de lançadores e espaçonaves -, a fim de torná-lo acessível a indivíduos que não são astronautas especialmente treinados. No longo prazo, porém, tais empreendimentos possuem propósitos distintos.

Musk fundou em 2002 a SpaceX com o objetivo de colonizar Marte e tornar a humanidade uma espécie multiplanetária, tornando-nos efetivamente resilientes contra o que ele considera nosso maior ponto de falha para a preservação da raça humana: a dependência a um único planeta. Para tanto, a empresa se especializou no projeto, fabricação e lançamento de foguetes, proporcionando concorrência direta à United Launch Alliance - joint venture entre Boeing e Lockheed Martin - que havia sido a titular do contrato de escolha para lançamento do foguete da NASA e do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

Desde então, a empresa vem colecionando inúmeros recordes. Em 2012, se tornou a primeira companhia privada a lançar uma missão de reabastecimento para a ISS (International Space Station). Três anos depois, pousou o primeiro estágio de um foguete orbital pela primeira vez na história, e em 2020 se tornou a primeira empresa comercial a lançar astronautas ao espaço. Hoje, a companhia opera o foguete mais poderoso do mundo, o Falcon Heavy, e em 2019 lançou 13 dos 21 voos de base estadunidense em órbita.

Em termos financeiros, a companhia obteve uma receita média de US$ 80 milhões por lançamento - em especial de satélites e cargas para a ISS - totalizando cerca de US$ 1,2 bilhão no ano de 2020. Notavelmente, a empresa cobra dos clientes - em especial órgãos públicos (como a NASA e o Departamento de Defesa) e empresas de telecomunicações - muito menos por lançamento em comparação com os demais competidores, o que, embora tenha resultado em margens de lucro menores em comparação com os concorrentes, permite com que a SpaceX realize mais lançamentos, dando-lhe uma maior oportunidade de refinar e avançar sua experiência na reutilização de componentes. Em outras palavras, os serviços de lançamento espacial mantêm os fluxos de caixa positivos, possibilitando o foco nos aspectos de P&D de sua meta de longo prazo de viagens interplanetárias. Logo, diante do reconhecido sucesso de seu modelo de negócios, a companhia de Musk é avaliada em um valor de mercado de US$ 46 bilhões, ocupando o terceiro lugar na lista das startups mais valiosas do mundo, perdendo apenas para as gigantes chinesas de tecnologia - a empresa de transporte privado Didi Chuxing e a empresa-mãe do TikTok, ByteDance.

A SpaceX, no entanto, nunca teria chegado onde se encontra hoje sem a NASA. Em 2006, antes que a SpaceX tivesse pilotado um foguete, a NASA concedeu à empresa um contrato do programa Commercial Orbital Transportation Services (COTS), voltado para a entrega de tripulação e carga à ISS, injetando US$ 396 milhões na empresa enquanto desenvolvia a espaçonave Dragon e o foguete Falcon 9 - que viriam a ser dois grandes marcos da companhia. Atualmente, a NASA atua em parceria não somente com a SpaceX, mas também com outras 16 companhias privadas, dentre elas a Blue Origin, fundada em 2000 por Jeff Bezos e todo o poder da Amazon por trás.

Hoje, ainda que em passos um pouco mais lentos, a Blue Origin também visa a atingir algumas metas ambiciosas, porém diferentes da SpaceX. A companhia concentra hoje seus esforços em realizar voos espaciais humanos suborbitais comercialmente disponíveis - visando a indústria do turismo espacial. Por esse motivo, a Blue Origin possui ainda uma concorrência com a Virgin Galactic, a qual se descreve como “a primeira linha espacial comercial do mundo”.

Formada em 2004 por Richard Branson, fundador do Grupo Virgin, a Virgin Galactic planeja oferecer a seus passageiros alguns minutos de ausência de peso durante um voo de aproximadamente 2 horas. No entanto, a tecnologia utilizada difere tanto da SpaceX quanto da Blue Origin, uma vez que o lançamento ao espaço não é feito do solo, mas de um avião a jato. Esta nave-mãe voa a uma altitude de cerca de 18 km (cerca de duas vezes mais alta que uma aeronave normal) e libera uma espaçonave menor, movida a um foguete, que é impulsionada a uma altitude de cerca de 100 km. Atualmente o programa da companhia foi atrasado por conta de dificuldades técnicas e de grandes acidentes durante os períodos de teste. Inclusive, esse é um dos fatores mais determinantes para a incerteza intrínseca à natureza do setor, e motivo da interrupção de muitos programas de incursão ao espaço, seja governamental ou da iniciativa privada.


Mediante essa perspectiva, um modelo de negócios sustentável é, para muitos, claramente o objetivo. Para outros, porém, sustentar perdas é um pequeno preço a pagar pela busca de algo maior e potencialmente mais significativo. Por fim, talvez convenha afirmar que o principal motivador dessas pessoas tangencia muito uma espécie de meta aspiracional. Afinal, aqui estamos presos a esse grão de poeira se movendo pelo universo com a completa ideia de que podemos ser capazes de escapar disso. Em última análise, esse é um dos grandes impulsionadores do sucesso na indústria.

Ao infinito e além

Finalmente, após décadas de dependência de alguns governos, a indústria aeroespacial transfigura-se em direção a um modelo desenvolvido em larga escala e autossuficiente, uma vez impulsionada por agentes privados. Dito isso, ao longo dos últimos anos, as empresas abraçaram rapidamente o espaço como um setor econômico promissor e com valor potencial de trilhões. Ainda que grande parte disso seja baseado em satélites e telecomunicações, as empresas estão mirando mais longe na capacidade de longo prazo da economia espacial emergente. Para tanto, a perpetuação de planos ambiciosos - e muitas vezes extravagantes - é de suma importância para a concretização dessa indústria em escala global.


Como o sucesso no espaço promete ser um empreendimento de várias décadas - com retornos que podem estar a muitos anos de distância - esta nova economia requer investidores pacientes e, mais do que isso, críticos. Embora deva-se tratar a idealização de uma economia espacial desenvolvida com um ceticismo saudável, seria de grande irresponsabilidade tratá-la como mera ficção científica.

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