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Flamengo: Qual é a receita para alcançar o outro patamar?

Atualizado: 12 de abr. de 2021



Campeão da América. Durante muito tempo, essa realidade passou longe da cabeça dos torcedores rubro-negros. No decorrer das últimas décadas, os flamenguistas viram seu time, uma vez consagrado campeão mundial, sofrer no cenário nacional. Sofrimento esse que se deu não apenas dentro do campo, mas também nas finanças do clube. Foram necessárias demissões, cortes de gastos, renegociações de dívidas, auditorias financeiras, dentre outras medidas, para que Eduardo Bandeira de Mello, então presidente do Clube de Regatas do Flamengo, transformasse o clube mais endividado do país naquele com maior receita da América do Sul.


A CRISE

Para os flamenguistas, os primeiros anos do século foram marcados pela falta de profissionalismo em sua gestão. Com dívidas crescentes, contas desorganizadas e estruturas do clube sucateadas, a saúde econômica do Flamengo estava à mercê de grupos políticos internos. E não parou por aí... Quando a ex-atleta de natação do clube, Patrícia Amorim, assumiu a gestão em 2010, a crise dentro do clube se intensificou ainda mais.


Ao assumir o clube, Patrícia encontrou uma dívida de aproximadamente R$330 milhões, e, ao perder sua segunda eleição em 2013, deixou-o com uma dívida que passava de R$750 milhões, recorde histórico de um clube brasileiro até então. Sendo assim, sob sua gestão, o clube aumentou sua dívida em quase 130% em 3 anos. A recorrência de salários atrasados de jogadores e funcionários era tão alta que o Centro de Treinamento do clube acabou sendo judicialmente interditado para uma penhora. Mesmo em um cenário tão desordenado, o clube apostava em diversas contratações de peso, sendo a mais famosa delas a de Ronaldinho Gaúcho, 2 vezes melhor jogador do mundo. Seu salário passava de R$1,2 milhão, o que, junto com os outros reforços, elevou a folha salarial do Flamengo de R$5,2 milhões (2009) para aproximadamente R$10 milhões (2011). Somente Ronaldinho representava 12% de toda a folha. Entretanto esse cenário começou a mudar em 2013, quando Eduardo Bandeira de Mello assumiu a presidência do clube.

TRANSFORMAÇÃO

Assim que tomou posse, Bandeira já foi surpreendido ao descobrir o valor das dívidas fiscais vencidas e teve que utilizar 100% da primeira parcela do patrocínio com a Adidas, fechado na última gestão, para pagar parte dessa dívida vencida com a PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional). O fluxo de caixa previsto para o ano era de R$130 milhões negativos, e os salários dos jogadores estavam 3 meses atrasados, sem previsão de pagamento. Então, em seu primeiro mês, Bandeira de Mello já tomou uma iniciativa: realizou cortes, começando pelo elenco de futebol. Um dos primeiros a sofrer com as medidas foi, justamente, a estrela do time na época, Vagner Love, que chegava a custar 1 milhão de reais mensais aos cofres rubro-negros e, além disso, trazia ao clube uma dívida de R$6 milhões com o seu antigo clube pela compra dos seus direitos. Em seguida, os esportes olímpicos sofreram contenções, uma vez que geravam pouca receita e eram, em sua maioria, sustentados pelo lucro do futebol. Por fim, o presidente interditou a piscina olímpica do clube, que, por conta de muitos vazamentos, era “o segundo jogador mais caro do clube”, custando cerca de meio milhão de reais por mês.


Além de cortar ao máximo os custos do clube, Bandeira foi atrás de renegociar as dívidas. O primeiro acordo com a PGFN, foi referente aos R$57 milhões em dívidas fiscais já vencidas. Ele permitiu a emissão de certidões negativas* ao clube, que certificavam a inexistência de dívidas vencidas entre o Flamengo e o governo. Com isso, o Flamengo poderia fechar patrocínios estatais e entrou na Lei de Incentivo ao Esporte. Essa foi, sem dúvidas, a maior conquista do início da sua gestão. Com a Lei, o clube começou a receber investimentos de pessoas físicas, as quais teriam essa doação abatida da declaração do imposto de renda. No entanto, essa “doação” teria que ser destinada aos esportes não profissionais. Além disso, o clube conseguiu fechar um grande patrocínio com a Caixa Econômica Federal, cujo valor passa de R$25 milhões por ano.


O segundo acordo com a PGFN foi a adesão ao Profut (Programa de Modernização da Gestão de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro), programa do governo, de acordo com o qual, se os clubes se encaixassem na Lei de Responsabilidade Fiscal**, teriam o pagamento de suas dívidas fiscais redistribuído para os próximos 20 anos com juros atrelados à taxa Selic, que na época era 13,65%. Para entrar no Profut, o Flamengo precisava então permanecer sem nenhuma dívida fiscal vencida, e não podia atrasar 3 meses de pagamentos futuros. Na época, o Flamengo conseguiu se adequar a todos os parâmetros, equacionando, assim, todas as suas dívidas fiscais. Isso se deve à redistribuição da dívida feita em parcelas do Profut, correspondendo a R$600 mil mensais.


As dívidas trabalhistas, que se aproximavam de R$185 milhões, já estavam negociadas. Por mais que o Flamengo figurasse como réu em mais de 600 processos trabalhistas, ele também fazia parte do Ato Trabalhista. Ao entrar no ato, a antiga gestão definiu que uma quantia próxima a 15% da receita do clube seria repassada mensalmente ao tribunal, que administraria a fila de pagamentos. Assim, suas receitas não seriam travadas quando o Flamengo perdesse uma ação. A única preocupação jurídica da gestão, daquele momento em diante, era garantir que a quantidade de processos não aumentasse e, ao mesmo tempo, tentar fazer o máximo de acordos.


Ao final de seu primeiro ano, Bandeira obteve um resultado surpreendente: em vez de um caixa negativo de R$130 milhões como era previsto, o clube terminou o ano com o balanço negativo de apenas R$19 milhões. Nos 5 anos seguintes de gestão, o faturamento cresceu quase em todos os anos, enquanto o endividamento diminuiu.

Depois de todos os cortes e renegociações de dívidas, Bandeira começou a aumentar a receita do clube. Além de fechar um contrato de patrocínio master com a Caixa Econômica Federal, outros patrocínios menores foram fechados, como da MRV, cujo contrato garantia ao clube R$5,3 milhões por ano durante três anos. Outra grande fonte de renda foi a venda de jogadores da base. Durante a gestão de Bandeira, o Flamengo, realizou duas das maiores vendas da história do futebol brasileiro: Vinicius Junior e Lucas Paquetá, por 45 e 35 milhões de euros, respectivamente. Um dos grandes projetos de planos de sócio torcedor do país foi desenvolvido: além de possuir alta taxa de adesão, o seu ticket médio está entre os maiores, gerando uma receita mensal de aproximadamente R$6 milhões atualmente.


O Flamengo, finalmente, estava com um pouco de folga no orçamento. Os investimentos começaram e, a partir de 2016, jogadores de renome no cenário nacional, como Paolo Guerrero e Diego Ribas, foram contratados para serem a cara deste novo Flamengo - desta vez com a certeza de que o clube conseguiria pagar os salários. Em seguida, investimentos em infraestrutura foram feitos. A construção de dois novos Centros de Treinamento no nível de grandes clubes de futebol mundial, assim como um departamento médico reconhecido continentalmente, foram indícios desses esforços por melhores resultados. Além disso, o clube saiu do Ato Trabalhista, do qual fazia parte desde 2003, e começou a pagar suas dívidas trabalhistas por conta própria, até quitá-las por completo no final de 2017.


No ano de 2018, já no fim de seu segundo mandato, Eduardo Bandeira de Mello tinha renegociado as dívidas fiscais, aquelas referentes ao não pagamento de impostos, quitado com as demais dívidas, reestruturado o clube e o seu Centro de Treinamento, além de ter formado um dos elencos mais caros do futebol brasileiro. No entanto, apesar de o Flamengo ter conquistado uma Copa do Brasil e dois campeonatos cariocas nos seus 6 anos de mandato, o resultado em campo não acompanhou a melhora financeira.


CONTINUAÇÃO DO TRABALHO

Em 2019, um novo presidente assumiu o Clube de Regatas do Flamengo: Rodolfo Landim, que tinha a difícil missão de continuar o bom trabalho financeiro da última gestão, além de trazer as tão esperadas conquistas dentro de campo. O resultado não poderia ser melhor. Landim conseguiu contratar grandes nomes como De Arrascaeta e Gabigol, além de um grande técnico, Jorge Jesus, para reforçar o elenco sem comprometer o orçamento, o que se deve ao fato de ter continuado a vender joias da base por valores astronômicos, como Reinier Jesus por mais de R$130 milhões, e também conseguir novos patrocínios, como o do banco BS2, que garantiu ao Flamengo em 2019 cerca de R$15 milhões fixos. Além de ter conseguido montar um dos elencos mais renomados da história do Flamengo, os resultados vieram. Em seu primeiro ano como presidente, Landim conseguiu levar o clube a duas grandes conquistas, Libertadores e Brasileiro, além de ser campeão Carioca, sendo o primeiro clube, desde 1963, a ganhar o estadual, nacional e continental no mesmo ano.


O ano de 2020 não começou muito diferente. O Flamengo continua a reforçar seu time, e, mais importante do que isso, conseguiu manter quase todos os jogadores da campanha anterior. Os resultados dentro de campo continuam a agradar, já que o clube ganhou todos os 3 títulos que disputou.


O QUE ESPERAR DO FUTURO

Em uma análise mais direta, existem dois cenários para o Flamengo nos próximos anos: continuar onde está, ou voltar para onde estava. O clube atingiu um nível econômico saudável, tem a maior receita do futebol brasileiro, passando dos R$950 milhões em 2019, tem o elenco mais valioso da América e ganhou quase todos os títulos que disputou. Para onde mais o Flamengo pode ir? A verdade é que ainda há muito espaço para crescer. No início de 2020, surgiram rumores sobre um possível acordo com a Amazon, uma das maiores empresas do mundo, cujo patrocínio, além de possivelmente gerar uma receita estratosférica, pode ajudar a internacionalizar a marca, Clube de Regatas do Flamengo. Atualmente, o clube tem a maior torcida do Brasil, mas quase não conta com torcedores ao redor do mundo, enquanto clubes europeus como o Barcelona, por um exemplo, vende mais camisas fora da Espanha do que dentro. Esse mercado de “clube internacional” ainda não é explorado no Brasil e, por isso, possibilita grandes chances de crescimento para o Flamengo.


Além de internacionalizar a marca, o projeto clube empresa está cada vez mais presente no futebol brasileiro, tendo como exemplo mais recente o Bragantino, que foi comprado pela empresa austríaca Red Bull. Por mais que não seja possível prever como a abertura de capital afetaria o clube, há uma certeza: o Flamengo, que possui mais de 40 milhões de “consumidores” fiéis da sua marca tem potencial para ser uma das maiores empresas do Brasil. Qual será o próximo patamar que o Flamengo vai alcançar?


*A Certidão Negativa de Débitos (CND) é um documento emitido por qualquer órgão do governo que confirma não haver pendências financeiras ou processuais em nome dessa pessoa física, jurídica ou mesmo de um bem.

**A Lei de Responsabilidade Fiscal foi criada com o intuito de definir o limite de gastos dos estados e municípios conforme a quantidade de tributos arrecadados por esses entes da Federação Brasileira. Com essa atitude, a Lei de Responsabilidade Fiscal busca criar uma condição de equilíbrio orçamentário, financeiro e fiscal.

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