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Jim Simons: O Matemático que Quantificou o Mercado Financeiro

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Com mais de 100 bilhões de dólares em lucros de negociação desde seu início, Jim Simons revolucionou Wall Street e se estabeleceu como o investidor mais bem-sucedido da história moderna usando um método único que se baseava em sua genialidade como matemático. Desprezando a intuição e a análise convencional, ele passou a confiar exclusivamente em modelos quantitativos, uma abordagem que o posicionou em uma categoria distinta, com uma performance que supera lendas como Warren Buffett e George Soros. O motor por trás desse feito é o Medallion Fund, o lendário e secreto fundo de hedge1 de sua empresa, a Renaissance Technologies. Entre 1988 e 2018, o fundo alcançou um retorno médio anual de 66% antes das taxas, um recorde que permanece inigualável e solidifica o status mítico do fundo. O mais fascinante é que o homem por trás de tudo isso não tinha formação alguma em finanças. Tais feitos nos levam a uma questão mais fundamental: por que a quantificação do mercado, um desafio que por décadas pareceu impossível para os especialistas de Wall Street, precisou de um grupo de matemáticos para ser decifrada?


As Origens do Pensamento Quantitativo


A semente do pensamento quantitativo foi plantada por uma teoria vinda da botânica do século XIX chamada de "caminho aleatório" (random walk). A origem do conceito remonta a 1827, quando o botânico Robert Brown observou o comportamento errático de partículas em suspensão, um fenômeno batizado de "movimento browniano". Décadas mais tarde, o economista Jules Regnault identificou uma forte analogia entre esse movimento e a flutuação dos preços dos ativos, adaptando a ideia para descrever os mercados. Essa nova teoria postulava que os movimentos de preços são fundamentalmente imprevisíveis e sem memória de eventos passados, uma premissa que desafiava diretamente a eficácia da análise de dados históricos para prever o futuro. Ao estabelecer essa base, Regnault construiu a primeira ponte entre a matemática e as finanças, atuando como um precursor essencial do investimento quantitativo.


Contudo, a analogia do "caminho aleatório" não era uma ferramenta. A verdadeira transformação dessa ideia em uma ciência aplicável veio com o matemático francês Louis Bachelier, hoje considerado o pioneiro da matemática financeira. Em sua tese de doutorado de 1900, "Théorie de la Spéculation", ele foi o primeiro a utilizar processos estocásticos2 para construir um modelo rigoroso de precificação de opções3, aplicando a matemática a um problema prático de Wall Street. Sua abordagem, no entanto, era uma heresia completa para a mentalidade da época. O mercado financeiro do início do século XX era dominado pela busca de uma vantagem informacional, pela análise de fundamentos e pela intuição de investidores experientes. A proposta de Bachelier de que os preços seguiam um percurso aleatório e podiam ser modelados probabilisticamente parecia invalidar a própria essência desse trabalho. Essa afronta filosófica, somada à ausência de poder computacional para testar e aplicar seus modelos, fez com que sua genialidade fosse incompreendida. Como resultado, seu trabalho revolucionário ficou esquecido por mais de meio século, esperando por uma era em que a tecnologia e a teoria estivessem prontas para suas ideias.


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Com o passar do tempo, durante a segunda metade do século XX, mesmo com sentimentos contrários, a academia começou a solidificar as ferramentas que os futuros "quants" (termo informal para analistas quantitativos) iriam utilizar. Assim, diante do desafio de construir uma carteira de investimentos racional em um universo de ativos com movimentos imprevisíveis. Com isso, o primeiro passo foi dado por Harry Markowitz com sua "Teoria Moderna do Portfólio". Ele criou a primeira estrutura matemática para a diversificação, mostrando como construir uma carteira ótima para minimizar o risco. No entanto, seu modelo carecia de uma informação crítica, ele precisava que o usuário inserisse o "retorno esperado" de cada ativo, um dado que a própria teoria não ensinava a calcular.


Essa lacuna foi preenchida pouco depois por William Sharpe com o Modelo de Precificação de Ativos de Capital (CAPM), a resposta direta ao problema de Markowitz. A teoria ofereceu uma solução para determinar o retorno esperado de um ativo com base em uma única variável, seu risco sistemático em relação ao mercado, medido pelo “beta”. O beta, em termos simples, quantifica a sensibilidade de um ativo às oscilações do mercado, um beta de 1.5, por exemplo, indica que o ativo tende a variar 50% a mais que o índice de referência. Com a estrutura de otimização de Markowitz e o motor de precificação do CAPM estabelecidos, foi a Hipótese de Mercado Eficiente (HME) de Eugene Fama que descreveu o ambiente em que esses modelos operavam. A HME postulou que os mercados são extremamente eficientes em incorporar informações nos preços. Para os quants, isso significava que qualquer oportunidade de obter um retorno acima do esperado pelo modelo, o chamado “alfa”, seria uma anomalia rara e passageira. O alfa tornou-se, assim, a medida matemática do "desempenho extra", e a busca por ele virou o grande desafio que definiria a análise quantitativa.


Nesse sentido, a ponte crucial entre a teoria acadêmica e a aplicação lucrativa no mundo real foi construída por Edward Thorp, um professor de matemática que provou que sistemas complexos, regidos por probabilidades, podiam ser sistematicamente vencidos. Seu primeiro campo de testes não foi Wall Street, mas os cassinos de Las Vegas. Ali, ele aplicou a teoria da probabilidade para desenvolver um sistema de contagem de cartas no blackjack4, uma metodologia descrita em seu célebre livro "Beat the Dealer", que demonstrava matematicamente como a vantagem da casa podia ser revertida a favor do jogador. Essa experiência foi muito mais do que uma aventura acadêmica, foi a criação de um modelo.


Dessa forma, o cassino funcionou como uma miniatura para os mercados, permitindo a Thorp forjar os princípios universais que mais tarde aplicaria em Wall Street. O primeiro princípio foi o da identificação de uma vantagem estatística, que consistia em aplicar a mesma lógica da contagem de cartas para buscar no mercado ativos com preços desalinhados de seu valor teórico. Atrelado a isso, ele desenvolveu o princípio da gestão de risco e alocação de capital, aprendendo a dimensionar suas apostas de acordo com o tamanho de sua vantagem – a base da gestão de risco moderna. Por fim, e talvez o mais importante, ele provou o valor da disciplina sistemática, demonstrando que o sucesso vinha da execução rigorosa de um modelo matemático, livre das emoções que dominam os mercados.


Com isso, em 1969, Thorp fundou o Princeton Newport Partners, hoje amplamente reconhecido como o primeiro fundo quantitativo da história. Utilizando modelos matemáticos, algoritmos e computadores para identificar e explorar ineficiências de preços, principalmente em opções3 e warrants5, Thorp estava substituindo a intuição subjetiva de um trader de Wall Street pela lógica fria e probabilística de um algoritmo. Com isso, o fundo alcançou um grande sucesso, alcançando um retorno médio anual de 19,1%, um desempenho que praticamente dobrou o resultado do S&P 5006 no mesmo período.


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Jim Simons: Por Trás do Decifrador de Códigos


A genialidade de James Simons no mercado financeiro foi forjada em duas experiências fundamentais que antecederam sua carreira como investidor. A primeira, foi sua trajetória na vanguarda da matemática, sua principal contribuição acadêmica, a Teoria de Chern-Simons, é crucial na física teórica por oferecer um método para encontrar estruturas profundas e invisíveis em sistemas complexos. Essa foi a habilidade-chave que ele transferiu para os mercados: a capacidade de tratar o fluxo de preços não como uma série de eventos econômicos, mas como um gigantesco sistema geométrico, cujas formas e padrões abstratos podiam ser mapeados e compreendidos. Assim, enquanto a academia lhe deu a estrutura teórica para enxergar padrões, seu trabalho como criptoanalista no Institute for Defense Analyses (IDA) para a Agência de Segurança Nacional (NSA) durante a Guerra Fria forneceu o treinamento prático. A criptografia é, em essência, a ciência de separar o "sinal" (a mensagem real) do "ruído" (a aleatoriedade que a esconde). Essa experiência foi o campo de treinamento perfeito para a análise quantitativa, ensinando-o a desenvolver algoritmos para detectar padrões significativos em meio a um fluxo de dados caóticos. Juntas, essas duas carreiras criaram a base de seu método: usar a matemática abstrata para modelar a estrutura do mercado e a criptoanálise para encontrar os sinais preditivos dentro dele.


Posteriormente, em 1978, no auge de uma bem-sucedida carreira acadêmica, James Simons tomou a decisão radical de deixar a segurança de seu posto na Stony Brook University para fundar sua própria empresa de investimentos. Com essa visão, ele fundou a Monemetrics, empresa que seria rebatizada como Renaissance Technologies. Nesse período, ele não apenas continuou seu trabalho acadêmico, mas também demonstrou um talento excepcional para a gestão, transformando um departamento relativamente novo em um centro de excelência de renome. Essa habilidade de liderança e de atrair os melhores talentos se mostraria essencial para construir a equipe de cientistas que, mais tarde, formaria o coração de sua operação em Wall Street.


Com isso, a chave para o sucesso de James Simons foi a mentalidade de criptógrafo que ele aplicou aos mercados, uma abordagem que subvertia completamente a lógica de Wall Street. A análise financeira tradicional busca entender o "porquê" dos movimentos de preços, construindo narrativas sobre lucros e tendências econômicas. Por outro lado, a filosofia de Simons, herdada de sua experiência em decifrar códigos, ignorava completamente o porquê. Seu foco era encontrar, de forma rigorosa, padrões estatisticamente preditivos no "o quê" dos dados. Essa abordagem agnóstica à causalidade explica por que Simons montou sua equipe com cientistas, físicos e matemáticos em vez de financistas. Na prática, seus algoritmos não precisavam de uma justificativa econômica para uma correlação funcionar. Se um padrão específico antecedia a alta de uma ação, bastava que a relação fosse estatisticamente robusta para ser explorada. Desse modo, ele não buscava pessoas que pudessem contar histórias sobre o mercado, mas sim especialistas que pudessem encontrar os padrões ocultos nos dados, replicando em Wall Street o trabalho que ele mesmo fazia ao analisar códigos para a NSA.


O Início da Renascença


A lição mais fundamental da Renaissance Technologies, aprendida através de um processo caro de tentativa e erro, foi a descoberta de que a intuição humana era o maior inimigo do lucro. Nesse sentido, o sucesso exigia a soberania absoluta do modelo matemático. Essa filosofia, hoje o pilar da empresa, foi o resultado de um laboratório nos primeiros anos da companhia, como detalhado no livro "The Man Who Solved the Market", Simons inicialmente tentou operar com um modelo híbrido, no qual os sinais quantitativos eram usados como um guia, mas a decisão final ainda podia ser influenciada pela análise e intuição dos gestores. Foi o fracasso decisivo dessa abordagem que forjou a regra de ouro da Renaissance, a diretriz de que o modelo deveria ser seguido rigorosamente, não importa o quão contraintuitivo parecesse.


A prova definitiva de que a intuição humana era um veneno para o sistema veio na forma de um prejuízo devastador em 1984, quando o fundo perdeu aproximadamente 40%. Esse fracasso foi causado por Leonard Baum, um ex-colega de Simons e um matemático brilhante cuja falha estava em sua recusa a abandonar a análise fundamentalista, e não em sua capacidade quantitativa. Quando o sistema sinalizava uma venda com base em um padrão puramente estatístico, a crença pessoal de Baum na força da economia de um país o levava a vetar o algoritmo. Para Simons, o resultado dessa abordagem mista foi a lição final e mais cara de todas. A experiência, que culminou na saída de Baum, solidificou a diretriz mais famosa da Renaissance Technologies, a de que não poderia haver meio-termo e o modelo deveria ser seguido rigorosamente, não importa o quão contraintuitivo parecesse.


Em seguida, a segunda lição fundamental da Renaissance, aprendida com o algebrista James Ax, foi que a capacidade de adaptação de um sistema era mais importante do que a genialidade de qualquer modelo individual. Essa filosofia foi forjada em uma crise em abril de 1989, quando uma súbita volatilidade do mercado causou uma perda de quase 30% no fundo Medallion, expondo a fragilidade do algoritmo de Ax. O conflito que se seguiu foi ideológico, Ax, com fé em sua criação, queria manter as posições, enquanto Simons, como gestor de risco, interveio ao perceber que o modelo estava quebrado. Assim, a saída de Ax após o episódio solidificou essa nova diretriz, a de que o foco da empresa não seria encontrar um sistema perfeito, mas sim construir uma máquina de evolução e adaptação contínua.


Assim, ​o ponto de virada veio quando Simons pediu a Elwyn Berlekamp, um professor de matemática de Berkeley e consultor da empresa, para intervir e reformular o sistema de negociação do Medallion Fund. Berlekamp e a sua equipe fizeram uma revisão completa do sistema, e os resultados foram imediatos e espetaculares, em 1990, o Medallion obteve um lucro líquido de 55,9%, provando que a abordagem sistemática, quando rigorosamente refinada, era não só viável, mas extremamente poderosa.


Este sucesso solidificou a filosofia que definiria a Renaissance. A sua política de contratação tornou-se icônica: ele se recusava a contratar pessoas apenas de áreas financeiras, fato enfatizado durante uma entrevista com Nils A. Baas, um professor norueguês de matemática, quando Jim disse: “Eu consigo ensinar finanças para um físico, mas é impossível ensinar física para alguém de finanças”. A partir daí, Simons percebeu que o segredo não estava em gênios individuais trabalhando isoladamente, mas num sistema colaborativo. Jim focou seus esforços em buscar os melhores cientistas no mundo acadêmico — matemáticos, físicos, estatísticos e, crucialmente, cientistas da computação e especialistas em linguística computacional, como Robert Mercer e Peter Brown, que se juntaram em 1993 vindos da IBM Research.


Sendo assim, a cultura interna da Renaissance passou a assemelhar-se mais a um departamento de investigação universitária de elite do que a um fundo de hedge1. A ênfase era colocada na colaboração total, com todos os investigadores incentivados a partilhar as suas descobertas, e no sigilo absoluto em relação ao mundo exterior. A verdadeira inovação da Renaissance não foi um único algoritmo genial, mas sim a criação de uma "fábrica de algoritmos" — uma infraestrutura cultural e tecnológica projetada para iterar e evoluir constantemente, tratando a busca por lucros como um problema científico contínuo, não como um quebra-cabeças a ser resolvido uma única vez.


A Anatomia do Medallion Fund


A verdadeira genialidade do Medallion Fund não está apenas em seus retornos exorbitantes, mas em sua indiferença às condições do mercado. Sua capacidade de prosperar enquanto o resto do mundo financeiro colapsava demonstrou a natureza verdadeiramente não correlacionada de sua estratégia, operando de forma isolada das tendências gerais. Essa performance se traduz em números que solidificam seu status superior, entre 1988 e 2018, o fundo alcançou um retorno médio anual de 66% antes de taxas e 39% após taxas, gerando mais de 100 bilhões de dólares em lucros. A consistência é a maior prova disso, o pior resultado do fundo (após seus anos iniciais) foi ainda um ganho de 31,5% em 1997. O teste definitivo de sua estratégia ocorreu em 2008, no auge da crise financeira global, quando, enquanto os mercados mundiais implodiam, o Medallion lucrou 152,1%.


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Assim, o fundo tornou-se tão bem-sucedido que, em 1993, foi fechado a investidores externos. A decisão visava evitar o vazamento de informações e proteger o fundo da volatilidade e do risco de resgates constantes que poderiam desestabilizar as suas posições e a sua estratégia. Desde então, o fundo passou a servir exclusivamente aos funcionários e afiliados da Renaissance. A estrutura de taxas reflete a sua performance incomparável, sendo a mais alta da indústria, com uma taxa de gestão de 5% e uma taxa de performance de 44%, assim, mostrando que mesmo com altíssimas taxas quando comparado com a média do mercado, de ~1,37% e ~20% , se mantinha como um dos fundos mais atrativos do planeta.


A genialidade do Medallion Fund não residia em previsões brilhantes, mas sim na construção de um sistema industrial para amplificar uma vantagem estatística minúscula a uma escala massiva. A base de tudo era uma vantagem preditiva marginal, com os modelos acertando suas apostas apenas 50,75% das vezes. Para transformar essa pequena margem em lucro, a estratégia se apoiava em três pilares: primeiro, a estratégia se apoiava em uma frequência massiva para transformar a pequena vantagem em um lucro certo. A lógica é a mesma de jogar uma moeda viciada que cai “cara” 51% das vezes. Para garantir o lucro, você precisa jogá-la milhares de vezes. O Medallion executava dezenas de milhares de negociações, "jogando a moeda" incessantemente para que a lei dos grandes números transformasse a pequena probabilidade em um resultado consistente.Segundo, a base que sustentava essa operação era uma diversificação extrema, mantendo milhares de posições compradas e vendidas ao mesmo tempo para criar um portfólio neutro e de baixa volatilidade, imune ao risco geral do mercado. Por fim, com o risco pulverizado, o fundo aplicava uma alavancagem colossal — em média 12,5 vezes o seu capital — para multiplicar os pequenos ganhos em retornos espetaculares. É revelador que, sem alavancagem, os retornos do Medallion seriam comuns, similares aos do S&P 5003.


Em suma, o motor da Renaissance era uma revolucionária arquitetura de machine learning adaptativa que operava em duas camadas para primeiro diagnosticar e depois explorar o comportamento do mercado. A inspiração para essa arquitetura veio diretamente do background de seus principais cientistas, como Robert Mercer e Peter Brown, que Simons recrutou da equipe de reconhecimento de voz da IBM. Com isso, eles perceberam que o mercado financeiro era um problema análogo ao que já haviam resolvido. No reconhecimento de voz, o desafio é analisar um sinal sonoro caótico (o dado observável) e deduzir a sequência de palavras que o gerou (o estado oculto). Dessa maneira, no mercado, os movimentos de preços eram o sinal caótico e observável, enquanto o "regime" do mercado — seja de pânico ou calmaria — era o estado oculto que precisava ser decifrado. A ferramenta estatística para ambos os problemas era a mesma. Assim, a primeira camada do sistema da Renaissance utilizava Modelos Ocultos de Markov (HMMs) para diagnosticar esse "regime" invisível. Uma vez que o estado do mercado era identificado, a segunda camada era acionada, contendo um arsenal de modelos de previsão, como redes neurais, cada um otimizado para os padrões daquele cenário específico. Em suma, foi uma vitória da engenharia de sistemas, que lhes permitiu minerar desequilíbrios estatísticos com uma eficiência que nenhum concorrente conseguia igualar.


O Legado de Simons e a Nova Wall Street


O sucesso inegável da Renaissance Technologies não apenas validou a análise quantitativa, como também desencadeou uma transformação fundamental em Wall Street, cujos efeitos definem o mercado atual. A abordagem de Simons, antes vista como excêntrica, tornou-se o novo padrão, forçando toda a indústria a adaptar-se a uma realidade dominada por dados e algoritmos.


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Desse modo, o impacto mais visível é o domínio da negociação algorítmica e de alta frequência (HFT), que hoje representa a esmagadora maioria do volume de negociação. Em alguns mercados, como o de câmbio (Forex), estima-se que os algoritmos sejam responsáveis por mais de 92% das negociações. Isso alterou a própria microestrutura do mercado: a velocidade de execução passou de minutos para microssegundos, a liquidez tornou-se, em grande parte, fornecida por máquinas, e a competição deslocou-se para a latência — a velocidade com que se pode reagir à informação. O mercado global de negociação algorítmica, avaliado em 21,06 bilhões de dólares em 2024, continua a crescer, com projeções de atingir 40,6 bilhões de dólares até 2032, segundo o Grand View Research. Isso mostra que esta não foi uma tendência passageira, mas uma mudança estrutural permanente.


Como consequência, esta nova realidade criou uma corrida tecnológica. O sucesso já não depende apenas do capital, mas do poder computacional, da qualidade dos dados e, acima de tudo, do talento humano capaz de construir os modelos. A Renaissance mudou o perfil do talento em Wall Street, desencadeando uma "fuga de cérebros" de campos STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) para o setor financeiro. PhDs em física, matemática e ciência da computação tornaram-se mais cobiçados do que os tradicionais MBAs, com o setor financeiro a competir diretamente com os gigantes tecnológicos do Vale do Silício pelos melhores cérebros.


Assim, para os investidores tradicionais, baseados em análise fundamentalista, este novo ambiente apresenta desafios sem precedentes. Isto é, competir com algoritmos que processam petabytes de dados e executam milhares de negociações por segundo é uma tarefa praticamente impossível para gestores baseados apenas em fundamentos. Como resultado, muitos gestores fundamentalistas, como Ken Griffin, da Citadel e Steve Cohen, da Point72 , estão a adotar abordagens híbridas, conhecidas como "quantamentais", que integram ferramentas quantitativas para refinar as suas estratégias e gerir o risco. Nesse contexto, a fronteira entre o investidor "tradicional" e o "quant" está a tornar-se cada vez mais ténue, à medida que a análise de dados se torna indispensável para o cotidiano.


O Futuro Quantitativo


A revolução iniciada por Simons está longe de terminar, encontra-se agora numa nova fase, impulsionada por avanços tecnológicos que prometem redefinir novamente as fronteiras do possível. O futuro do investimento quantitativo está sendo moldado pela convergência de duas forças poderosas: a inteligência artificial cada vez mais sofisticada e a explosão de "dados alternativos". A nova geração, por vezes chamada de "Quant 2.0", vai além dos modelos estatísticos tradicionais. Isso porque essa nova tecnologia utiliza deep learning, reinforcement learning e large language models para analisar dados não estruturados em busca de sinais preditivos que os dados de mercado tradicionais não revelam. Por exemplo, a análise de sentimento em notícias e redes sociais, o processamento de imagens de satélite para monitorar a atividade econômica (como o tráfego em parques de estacionamento de retalhistas ou os níveis de armazenamento de petróleo) e a análise de transações de cartões de crédito tornaram-se ferramentas padrão. O mercado de dados alternativos reflete esta mudança, projetado para crescer de cerca de 18,74 bilhões de dólares em 2025 para 135,8 bilhões de dólares até 2030, segundo o Grand View Research. Estima-se que até metade do lucro “extra” (alfa) que esses fundos geram hoje vem dessa habilidade de entender o contexto, algo que era impossível de se fazer em larga escala antes da IA.


No horizonte mais distante, a computação quântica representa a próxima mudança de paradigma, embora sua aplicação prática ainda seja uma aposta de longo prazo. A promessa da tecnologia é resolver problemas de otimização e simulação de risco que são intratáveis para as máquinas atuais, o que poderia revolucionar a gestão de portfólios e a precificação de derivativos. Contudo, a teoria ainda está muito à frente da prática. Os computadores quânticos de hoje são instáveis, propensos a erros e ainda não possuem a escala necessária para superar os supercomputadores clássicos em tarefas financeiras relevantes. Diante desse cenário, o pesado investimento de instituições como JPMorgan Chase e Goldman Sachs não busca um retorno financeiro imediato, mas sim estratégico. A corrida atual é para construir equipes de especialistas, desenvolver propriedade intelectual e estar "quantum-ready" para quando a tecnologia amadurecer. O "retorno" hoje é o capital intelectual e uma apólice de seguro contra a obsolescência futura. A maioria dos especialistas acredita que uma verdadeira "vantagem quântica" no setor financeiro ainda está a 5 ou 15 anos de distância, mas o medo de ficar para trás transformou esta área na mais nova e importante corrida armamentista de Wall Street.


Nesse sentido, a ascensão de máquinas cada vez mais inteligentes levanta uma questão existencial: haverá lugar para os quants humanos no futuro? A resposta parece ser um "sim" ressonante, embora a tecnologia esteja a evoluir drasticamente, a IA não está a substituir os quants, mas sim a torná-los mais poderosos, atuando como um "co-piloto" que automatiza tarefas rotineiras e acelera o ciclo de investigação de meses para dias. O quant do futuro se concentrará em tarefas que as máquinas ainda não conseguem dominar: o pensamento estratégico de alto nível, a criatividade para formular hipóteses e desenvolver modelos inovadores, e, crucialmente, a supervisão e gestão de risco dos sistemas automatizados. A colaboração entre a inteligência humana e a capacidade computacional da máquina será a chave para o sucesso, com o valor humano a deslocar-se da execução para a estratégia e a inovação.


Diante disso, conclui-se que a jornada de Jim Simons é a de um cientista que olhou para o mercado financeiro e não viu uma arena de emoções e narrativas, mas sim o maior e mais complexo conjunto de dados do mundo, à espera de ser decifrado. A sua história, desde as salas de aula do MIT até aos corredores secretos da NSA e, finalmente, ao epicentro de Wall Street, é a crônica de uma revolução. O verdadeiro legado de Simons não reside apenas nos bilhões que acumulou, mas na prova irrefutável de que uma abordagem rigorosa, científica, baseada em dados e sistemática poderia não apenas competir, mas dominar fundamentalmente o mundo das finanças. Ele não apenas jogou melhor do que os outros; redefiniu, de forma definitiva, as próprias regras do jogo. Com isso, inaugurou uma nova era em Wall Street, uma era governada não por instintos, mas por algoritmos.



Glossário

  1. Fundo de Hedge - Fundo de investimento que atrai capital de investidores qualificados para usar estratégias complexas e sofisticadas, com o objetivo de gerar retornos acima da média e gerenciar riscos.


  1. Processos estocásticos - Coleção de variáveis aleatórias indexadas por tempo ou outra variável, descrevendo sistemas que evoluem de forma aleatória.


  1. Opções - Contratos derivativos que dão ao comprador o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender um ativo subjacente a um preço e data futuros pré-determinados.


  2. Blackjack - Jogo praticado com cartas em casinos, que pode ser jogado com 1 a 8 baralhos de 52 cartas, em que o objetivo é ter mais pontos do que o adversário, mas sem ultrapassar os 21.


  1. Warrants - Instrumento financeiro derivativo que confere ao seu titular o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender um ativo subjacente a um preço predeterminado e até uma data de expiração específica.


  2. S&P 500 - O Standard and Poor’s 500 é um índice do mercado de ações que reúne as 500 maiores empresas do mundo listadas na NYSE e na Nasdaq, principais Bolsas de Valores dos Estados Unidos.


  3. Machine Learning -  Ramo que permite que sistemas aprendam e melhorem com base em dados e experiências, sem serem explicitamente programados. Utilizando algoritmos para identificar padrões em grandes volumes de dados, o ML permite que computadores tomem decisões e façam previsões, aumentando a precisão ao longo do tempo à medida que são expostos a mais informações.


Bibliografia


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Quem é Jim Simons? Conheça o matemático que revolucionou o mercado. Ufrr.br. Disponível em: <https://ufrr.br/matematica/noticias/quem-e-jim-simons-conheca-o-matematico-que-revolucionou-o-mercado/>. Acesso em: 7 set. 2025.





 
 
 

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