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O futuro das bets no Brasil: como a legalização pode transformar o mercado de jogos?

Foto do escritor: Rafael CasteloRafael Castelo

Atualizado: 11 de mar.


Um mercado em rápida expansão, movimentando bilhões de reais anualmente e enfrentando desafios como o vício e o endividamento de apostadores. Até pouco tempo, essas características estavam associadas a um setor sem regulamentação, muitas vezes operando à margem da lei. Hoje, as chamadas ‘bets’ — termo em inglês para ‘aposta’ — foram legalizadas e passaram a integrar um ecossistema formal, que abrange desde apostas esportivas até jogos de cassino. Com a recente regulamentação, o Brasil tem a oportunidade concreta de transformar essa indústria em um segmento sólido e altamente lucrativo. Segundo um levantamento da DataHub, empresa especializada em análise de dados financeiros, cedido com exclusividade à CNN, o setor de apostas online cresceu 734,6% entre janeiro de 2021 e abril de 2024 no país. No entanto, apesar da promessa de um ambiente mais seguro, o crescimento acelerado da atividade levanta preocupações sobre seus impactos sociais, principalmente em relação à dependência em jogos. Diante desse cenário, como o Brasil pode equilibrar a expansão do setor com a proteção dos consumidores, garantindo um ambiente regulado e responsável?


Cenário das apostas no Brasil

Os jogos de azar no Brasil têm uma história longa e conturbada. No início do século XX, cassinos e apostas faziam parte do cenário de entretenimento do país, atraindo não apenas jogadores, mas também movimentando setores como o de turismo e cultura. A partir disso, em 1932, a Lei nº 1.576 foi criada como um dos primeiros marcos para a regulamentação das apostas no país, consolidando a legislação das loterias no Brasil, estabelecendo normas para sua exploração e fiscalização. No entanto, em 1946, o então presidente decretou a proibição dos cassinos e demais jogos de azar, alegando que essas práticas representavam abusos nocivos à moral e aos bons costumes. Com isso, o país mergulhou em um longo período de mercado clandestino, no qual apenas modalidades controladas pelo Estado, como as loterias da Caixa Econômica Federal e o jogo do bicho — uma loteria ilícita que se tornou muito popular nacionalmente ao longo do último século — mantinham forte presença.


Todavia, com o avanço da tecnologia e o crescimento das casas de apostas online operando no Brasil sem regras definidas, tornou-se evidente a necessidade de uma regulamentação clara. Assim, a Lei 13.756, criada em 2018, foi o marco inicial para a legalização, permitindo as apostas esportivas de cota fixa, realizadas exclusivamente em plataformas digitais, onde o apostador sabe previamente quanto pode ganhar caso acerte o palpite. Essa legislação permitiu ao governo tributar um setor que, até então, operava na clandestinidade, movimentando grandes quantias de dinheiro sem gerar qualquer arrecadação para os cofres públicos. Desde então, o Estado avançou na criação de normas claras para as empresas e apostadores, com um processo mais rígido de regulamentação, institucionalizando o setor em território nacional como um novo mercado regulado.


Com a recente promulgação da Lei 14.790, estabelecida em 2023, o Brasil progride no fortalecimento de um mercado de apostas esportivas. Isso se dá porque essa nova legislação expande a regulamentação para incluir novos modelos de apostas, como as micro apostas, que permitem apostas em eventos específicos dentro de uma partida, criando requisitos mais rigorosos para as operadoras, incluindo a implementação de sistemas de controle financeiro e medidas de proteção ao consumidor. Além disso, a nova legislação contribui para a modernização do setor, alinhando o Brasil aos padrões internacionais e garantindo mais segurança para os apostadores. Dessa forma, o país avança para se tornar um mercado mais estruturado, com regras claras e fiscalizações rigorosas que impulsionam o crescimento econômico sustentável enquanto combatem a ilegalidade e protegem a população.



Com isso, a nova regulamentação fortalece a posição do Brasil no mercado de apostas, estabelecendo exigências rigorosas de licenciamento e altas taxas de outorga — valor pago por empresas para obter autorização do governo e operar no setor. Sob esse contexto, para operar no país, as empresas devem pagar R$ 30 milhões por uma licença válida por cinco anos e ter, no mínimo, 20% do capital social¹ proveniente de uma fonte brasileira. Além disso, estão sujeitas a uma tributação adicional de 12% sobre o Gross Gaming Revenue (GGR)², reforçando a arrecadação pública. Portanto, a transparência é ampliada com a obrigação de registro das empresas no Brasil, garantindo maior fiscalização e conformidade com as leis locais.


Ainda dentro do processo de regulamentação, foram estabelecidas restrições rigorosas quanto ao marketing das plataformas. Com isso, as operadoras devem respeitar limitações no horário, canais e formatos das campanhas publicitárias, sendo obrigatória a inclusão de avisos de desestímulo às apostas. Além disso, a regulamentação impõe restrições adicionais à participação de menores de idade, pessoas com dívidas em órgãos de proteção ao crédito, atletas, árbitros e demais indivíduos diretamente envolvidos em eventos esportivos. Essas medidas visam proteger os consumidores e garantir um ambiente mais ético. Logo, com esse quadro regulatório mais sólido, o mercado de apostas no Brasil se estrutura para crescer de forma sustentável, com uma base fiscal mais robusta e uma fiscalização mais eficaz.


Impactos do novo estatuto

A regulamentação das apostas esportivas no Brasil trouxe um impacto econômico expressivo, especialmente no aumento da arrecadação tributária para o governo federal e os estados. Com a formalização do setor, a empresa de consultoria Ernst & Young estima que ele movimentará cerca de R$ 100 bilhões por ano, um crescimento expressivo em relação aos R$ 53 bilhões que atualmente circulam, resultando em uma arrecadação potencial de R$ 6 bilhões em impostos. Segundo o Ministério da Fazenda, esses recursos serão direcionados para áreas estratégicas como saúde, educação e segurança pública. Em adição, ao exigir que as operadoras obtenham licenças e cumpram requisitos fiscais, a nova legislação permite uma fiscalização mais rígida, dificultando a atuação de empresas irregulares e garantindo maior transparência na arrecadação. Em suma, essa formalização contribui para um mercado mais confiável, reduzindo o número de sites ilegais e ampliando a proteção dos consumidores.



Outro impacto relevante está na geração de empregos diretos e indiretos em diversos setores. De acordo com o advogado e especialista em regulação de jogos, Tiago Gomes, a exigência de que as empresas instalem centrais de atendimento no Brasil pode criar até 10 mil vagas imediatas. Da mesma forma, o setor de tecnologia terá uma demanda crescente por desenvolvedores de plataformas e especialistas em segurança digital, já o marketing será impulsionado pelo crescimento das operadoras, que precisarão de estratégias eficazes para conquistar novos usuários. Ao mesmo tempo, a fiscalização do setor exigirá um número maior de reguladores, auditores e agentes de conformidade para garantir o cumprimento das normas e a segurança dos apostadores.


Ademais, a ampla base de apostadores digitais no Brasil, representados majoritariamente por jovens, conforme análise do Banco Central, torna o território nacional um destino atrativo para investimentos estrangeiros no setor. O Itaú BBA estima que, em 2024, os gastos do setor com marketing variaram entre R$ 5,8 bilhões e R$ 8,8 bilhões, demonstrando o apetite das empresas por um mercado promissor. Esse crescimento fomenta a inovação, impulsionando o desenvolvimento de novas plataformas de apostas, sistemas de análise de jogos e produtos personalizados para o público brasileiro. Logo, a legalização das apostas esportivas não apenas fortalece o setor esportivo financeiramente, mas também melhora a experiência dos torcedores como um todo, garantindo maior profissionalização e investimentos para o setor.


No entanto, a regulamentação das apostas também apresenta desafios significativos. O principal deles é o monitoramento das operadoras que atuam em paraísos fiscais, onde a supervisão é limitada e há menor controle sobre a origem dos recursos. Segundo a Transparência Internacional, que atua combatendo a corrupção e as atividades criminosas ligadas a atos ilegais, mais de 60% das operadoras globais de apostas online estão registradas em jurisdições de baixa tributação, o que dificulta o combate a crimes como a lavagem de dinheiro. Para evitar essa vulnerabilidade, o governo brasileiro precisa adotar regras rígidas para a operação de empresas estrangeiras, exigindo maior transparência financeira e a criação de um banco de dados integrado que permita identificar atividades suspeitas.


Além dos desafios econômicos e regulatórios, há preocupações sociais significativas relacionadas ao vício em jogos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 1% da população global sofre de transtorno do jogo, enquanto outros 4% são considerados jogadores de risco, evidenciando a gravidade do problema. Esse cenário levanta questionamentos sobre os impactos das apostas na sociedade e reforça a necessidade de medidas eficazes para mitigar seus efeitos negativos. A regulamentação prevê diretrizes de jogo responsável, como limites de apostas e ferramentas de auto exclusão, que são mecanismos que permitem que usuários se bloqueiem voluntariamente de plataformas de apostas e jogos de azar por um período determinado, mas sem uma fiscalização rigorosa, essas medidas podem se tornar meramente simbólicas. Portanto, para que a legalização cumpra seu papel de maneira equilibrada, é fundamental que o governo garanta a aplicação efetiva das regras, conciliando o crescimento econômico com a proteção dos consumidores.



O Brasil no cenário global

A nação brasileira vem se consolidando como um dos maiores mercados de apostas do mundo, mas ainda enfrenta desafios para alcançar a maturidade regulatória de países como Reino Unido e Estados Unidos. Enquanto essas nações possuem modelos avançados de fiscalização, combate ao vício e proteção ao consumidor, o Brasil ainda busca equilibrar crescimento econômico e segurança. A experiência internacional mostra que regras claras, monitoramento rigoroso e políticas de jogo responsável são essenciais para um setor sustentável. Com isso, o país precisa se inspirar nessas práticas para garantir um mercado competitivo, confiável e vantajoso tanto para a economia quanto para os apostadores.


O Reino Unido, pioneiro na regulamentação das apostas esportivas, serve como referência global. Desde 1960, quando a legislação permitiu a abertura de casas de apostas em áreas comerciais, o setor britânico evoluiu para um modelo altamente estruturado, reconhecido por sua transparência e credibilidade. Com regulamentações aprimoradas em 1986 e posteriormente com a criação da UK Gambling Commission, órgão que licencia e regula todos os tipos de jogos de aposta no país, o mercado se fortaleceu e as práticas irregulares foram reduzidas. Hoje, o Reino Unido se destaca pelo rigor na fiscalização e na proteção ao consumidor, além de estimular inovações tecnológicas para garantir um ambiente seguro e competitivo.


Além disso, nos Estados Unidos, a abordagem é descentralizada, permitindo que cada estado estabeleça suas próprias regras para o setor de apostas. Desde a revogação da proibição federal em 2018, mais de 30 estados legalizaram a atividade, gerando mais de US$ 15 bilhões em receita bruta somente em 2022, segundo a Bloomberg. Esse modelo de regulamentação flexível, aliado a parcerias estratégicas entre operadoras e grandes ligas esportivas como NFL e NBA, impulsionou o crescimento do setor. Logo, o sucesso norte-americano demonstra a importância de regras claras e da colaboração entre governos, empresas e entidades esportivas para garantir um mercado sustentável.


Diante desse cenário, o Brasil tem a oportunidade de adaptar as melhores práticas internacionais às suas particularidades culturais e econômicas. Com uma base de cerca de 22 milhões de apostadores, segundo o DataSenado, o país possui um potencial significativo para expandir suas receitas e fortalecer o setor. Para isso, é essencial desenvolver um modelo regulatório robusto, inspirado no que há de mais eficiente no mundo, garantindo não apenas crescimento econômico, mas também segurança e transparência. Ao seguir os exemplos do Reino Unido e dos Estados Unidos, o Brasil pode transformar sua indústria de apostas em um motor relevante para a economia nacional. 


Futuro das apostas no Brasil

A perspectiva de longo prazo para as apostas no Brasil é promissora, com chances de uma expansão significativa do setor. Além das apostas esportivas, há debates sobre a legalização de cassinos online e outros jogos de azar, o que poderia abrir novas avenidas para investimentos e aumentar a arrecadação do governo. Um estudo da Ernst & Young estima que o mercado de jogos no Brasil poderia gerar até R$ 6 bilhões por ano caso fosse completamente regulamentado. Contudo, a ampliação do mercado exigirá a criação de um quadro regulatório sólido, capaz de garantir que essas atividades sejam conduzidas de maneira transparente e segura. Esse processo não apenas fortaleceria a economia, mas também poderia atrair investidores e posicionar o Brasil como um centro de referência para a indústria de apostas na América Latina.


Além disso, a tecnologia será essencial para garantir a integridade e a segurança do setor de apostas no Brasil. O uso de ferramentas como inteligência artificial (IA) e blockchain³ podem transformar a fiscalização e a proteção dos consumidores. Isso se dá porque a IA, por exemplo, permite monitorar transações em tempo real, detectando padrões suspeitos e prevenindo fraudes, enquanto o blockchain assegura a transparência das transações, dificultando manipulações. Além disso, sistemas de verificação automatizada, como biometria facial, podem impedir fraudes relacionadas à identidade. De acordo com um relatório da Price waterhouse Coopers (PwC), a adoção dessas tecnologias tem sido um fator chave para reduzir fraudes em outros setores regulados, como o financeiro, e seu uso nas apostas pode aumentar a confiança do público no mercado.


Em síntese, fica evidente que a legalização das bets no Brasil pode apresentar diversos benefícios, que incluem o aumento da arrecadação tributária, a geração de novos empregos e a atração de investimentos para o país, além de impulsionar setores complementares como o de tecnologia e de serviços. Entretanto, há dificuldades notórias, destacando-se a necessidade de monitorar empresas localizadas em paraísos fiscais e o risco de vícios em jogos, o que poderia questionar a viabilidade do estatuto, dado o tamanho e a complexidade do território brasileiro. Em suma, é essencial que haja o acompanhamento do desenvolvimento de nações com regulações bem sucedidas, prevalecendo a transparência e seriedade entre as casas de aposta e os consumidores, a fim de garantir o sucesso dessa inovação e a prosperidade econômica brasileira como um todo.


Glossário

1.  Capital social: Valor total investido pelos sócios ou acionistas para a formação e operação de uma empresa. 

2. Gross Gaming Revenue (GGR): Receita bruta gerada por uma operadora de apostas, calculada como a diferença entre o valor total apostado pelos jogadores e os prêmios pagos a eles.

3. Blockchain: Tecnologia de registro descentralizado e imutável que garante transparência e segurança em transações digitais.

Bibliografia

ESTADÃO CONTEÚDO. Governo deve arrecadar entre R$ 3 bilhões e R$ 3,4 bilhões com bets em 2024. InfoMoney. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/economia/governo-deve-arrecadar-entre-r-3-bilhoes-e-r-34-bilhoes-com-bets-em-2024/>. Acesso em: 18 fev. 2025.


MESQUITA, Mario. Apostas on-line: estimativas de tamanho e impacto no consumo. Disponível em: <https://macroattachment.cloud.itau.com.br/attachments/a77e92d9-319f-45ca-b657-6c721241804b/13082024_MACRO_VISAO_Apostas_on-line.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2025.


GONTIJO, Joana. BETs: 1,6% dos brasileiros mostram dependência, prejudicando casamentos. Estado de Minas. Disponível em: <https://www.em.com.br/saude/2025/01/7034503-bets-16-dos-brasileiros-mostram-dependencia-prejudicando-casamentos.html>. Acesso em: 18 fev. 2025.


O impacto das apostas esportivas no consumo. Disponível em: <https://www.strategyand.pwc.com/br/pt/relatorios/impacto_apostas_esportivas_consumo_pub_strategy_2024.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2025.


CONTADO, Valeria. Explosão das bets: crescimento, impactos e regulamentação. Meio e Mensagem - Marketing, Mídia e Comunicação. Disponível em: <https://www.meioemensagem.com.br/videos/explosao-das-bets-crescimento-impactos-e-regulamentacao>. Acesso em: 18 fev. 2025.


BENTO, Guilherme. De MGM a DraftKings: Brasil entra na rota de gigantes globais de apostas esportivas. Bloomberg Línea Brasil. Disponível em: <https://www.bloomberglinea.com.br/negocios/de-mgm-a-draftkings-por-que-o-brasil-atrai-gigantes-globais-de-apostas-esportivas/>. Acesso em: 18 fev. 2025.


Conheça a história das apostas esportivas no Reino Unido, um dos símbolos do país - Ecos da Noticia. Ecos da Noticia. Disponível em: <https://ecosdanoticia.net/2021/05/conheca-a-historia-das-apostas-esportivas-no-reino-unido-um-dos-simbolos-do-pais/>. Acesso em: 18 fev. 2025.



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