
Historicamente, a bolsa de valores representa onde se localiza o centro econômico de um certo país e a sua presença promove quantidades enormes de capital circulando por determinada economia. Anunciada em 2024, a empresa brasileira de negociação eletrônica Americas Trading Group (ATG) criará a mais nova bolsa de valores brasileira, a Base Exchange. Sediada no Rio de Janeiro, suas operações são estimadas de iniciarem no segundo semestre de 2025 e, sob controle do fundo de investimentos emiradense Mubadala, surge como uma concorrente direta à Brazilian Stock Exchange (B3), bolsa de valores paulista e a única brasileira a dominar o ramo desde 2017. Nesse sentido, o retorno de uma bolsa de valores carioca, após aproximadamente 30 anos, é visto como uma medida positiva por parte do mercado de investimentos devido à alta possibilidade de melhora nos serviços oferecidos, em virtude da competitividade, e a atração de novos investimentos internacionais, além de ampliar os horizontes da inovação tecnológica.
Entretanto, de acordo com o especialista graduado pelo MBA em finanças, Hulisses Dias, há desconfiança sobre o sucesso da nova bolsa, já que o mercado brasileiro pode não ter a capacidade de comportar duas bolsas ao não ter tantas empresas com tamanho suficiente para abrirem capital. Considerando um grande fator limitante de apenas 5% de investidores como pessoas físicas na B3, a nova Bolsa carioca pode estar fadada ao fracasso antes mesmo de iniciar suas operações. Sendo assim, a Base Exchange proporcionará um engrandecimento do mercado brasileiro ou o país ainda não é economicamente maduro para suportar duas bolsas?
Consolidação das bolsas de valores no Brasil
Após mais de dois séculos à criação da primeira bolsa de valores na Holanda, as primeiras movimentações se iniciaram no Brasil, nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador, em 1851 durante o período Monárquico. Dessa forma, no final do século, foi fundada também a bolsa de valores paulista, conhecida como a então Bolsa Livre - atual Bovespa -, por Emílio Rangel Pestana, um influente negociante da época. Naquele momento, no entanto, a atuação de uma bolsa de valores era limitada, já que se restringia a negociar títulos de dívida emitidos por governos e empresas, além de ações emitidas por companhias.
Ao passar dos anos, devido a manipulações financeiras e falta de transparência nas suas gestões, as duas primeiras bolsas de valores brasileiras quebraram ao final do século XIX. Enquanto isso, a Bovespa passou por diversas mudanças regulamentares e transformações institucionais, experimentando um processo de modernização e aumento da transparência com os investidores, com a introdução de regras mais rígidas e a criação de órgãos reguladores. Seguindo na mesma linha de ampliar a confiabilidade do mercado financeiro brasileiro, houve a criação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nessa época, com o objetivo de fiscalizar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil. Junto a tais medidas, houve a incorporação da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ) em 2002 pela Bovespa, mantendo o controle das transações do mercado de ações restritas a São Paulo.
Após cinco anos da finalização das operações no Rio, houve um marco significativo para o mercado financeiro brasileiro devido à fusão da Bovespa com a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), formando a BM&FBovespa. Alguns anos depois, em 2017, houve um novo movimento de integração do mercado que culminou na criação da Brasil, Bolsa, Balcão (B3), um conglomerado unindo a BM & FBovespa, a Cetip - entidade privada que integra o mercado brasileiro, oferecendo serviços de registro, negociação e liquidação de ativos - além de outras operações financeiras. Com isso, vale ressaltar a divergência entre a BM&F da atual B3; a primeira é responsável por negociar commodities através de derivativos agrícolas e financeiros enquanto a B3 se consolidou como responsável por intermediar negociações de ações, caracterizadas por pequenas parcelas de empresas compradas e vendidas dentro desse ambiente controlado.
Assim, atualmente, a bolsa de valores possui uma importância extrema para a economia de um país, facilitando o acesso das empresas ao capital necessário para seu crescimento e inovação por meio da emissão de ações e outros instrumentos financeiros. Outrossim, assegura maior confiabilidade e regulamentação do mercado das ações, promovendo a confiança dos investidores ao garantir a divulgação de informações precisas e a proteção contra fraudes. Ademais, permite também a diversificação dos portfólios e oferece alta liquidez às aplicações de curto e longo prazo, o que facilita a compra e venda de ativos, contribuindo para o desenvolvimento econômico ao atrair investimentos, gerar empregos e atuar como indicador para diagnosticar a economia nacional.

Tendo isso em vista, tal cenário pode ser mudado no segundo semestre de 2025, pois a Base Exchange está sendo lançada para competir com a B3. No momento, o processo se encontra na fase final do processo de obtenção das autorizações regulatórias junto ao Banco Central (BC) e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Contudo, como esse cenário estável seria aprimorado com a adição de uma nova bolsa?
Motivações para a abertura da Bolsa
A existência de apenas uma bolsa de valores nacional não é uma prática comum entre os países mais ricos, já que tal situação diminui a segurança acionária devido à baixa diversificação em caso de falência de uma das bolsas. Como exemplo, Brasil e Espanha são os únicos países do G20 - grupo das economias mais influentes do mundo - que possuem somente uma bolsa, em forte disparidade aos Estados Unidos que possuem mais de 15 em seu território.
No que tange ao Brasil, a supremacia do mercado financeiro nacional é nítida em relação aos países latinos, tendo em vista a detenção da maior bolsa de valores na América Latina. Dessa forma, nos dias atuais, a B3 possui 6,3 milhões de contas de investidores, atingindo, aproximadamente, 26 bilhões de reais transacionados por dia. Enquanto isso, a Bolsa Mexicana de Valores (BMV), maior bolsa latina após a B3, apresenta cerca de 2,8 milhões de contas de investidores e, em termos de movimentação financeira, o volume médio diário transacionado na BMV gira em torno de 17 bilhões de pesos mexicanos - aproximadamente 4,5 bilhões de reais.

Nesse sentido, pode-se observar a grandeza da economia brasileira em relação aos países vizinhos, sendo um ponto-chave no discurso de defensores da nova bolsa de que há a necessidade da diversificação do mercado financeiro a fim de estimular o cenário econômico nacional. Sob essa ótica, essa diversificação do sistema financeiro promove maior resiliência diante de choques econômicos, uma vez que o eventual colapso de uma bolsa não compromete a estabilidade do sistema como um todo.
Ademais, diversas bolsas de valores podem se especializar em segmentos específicos ou em diferentes categorias de ativos, como ações de empresas de pequeno e médio porte, commodities, derivativos ou títulos de renda fixa. Tal especialização contribui para ampliar as opções disponíveis tanto para investidores quanto para emissores, permitindo que atendam a perfis de risco e objetivos financeiros distintos. Corroborando com o pronunciamento de anúncio da Case Exchange do CEO do Américas Trading Group (ATG), Claudio Pracownik: “o intuito da Case Exchange não é roubar clientes da B3, visto que também buscará operar nos mercados de derivativos e de câmbio, apesar de negociar algumas mesmas ações da B3, incluindo os papéis das blue chips¹ Vale e Petrobras.”
Seguindo essa ótica, o município do Rio de Janeiro anunciou que deve implementar um incentivo com o objetivo de fomentar sua devida instalação. Tal medida estratégica estadual deve acontecer por meio da redução da alíquota do Imposto Sobre Serviços (ISS) de 5% para 2%, buscando atrair empresas do setor financeiro, como corretoras e bancos, que utilizam a infraestrutura das bolsas de valores para suas operações. Assim como promovido pela prefeitura, o Governo do Estado também planeja oferecer benefícios fiscais por meio de uma lei que reduza o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) para a instalação e operação de data centers² e para a aquisição de equipamentos para o funcionamento deles em todo o estado. Dessa forma, é possível notar que a carga tributária carioca torna-se mais atrativa e competitiva para empresas que atuam no mercado financeiro, já que não haverá diferenças na experiência do investidor individual, como ao efetuar a compra de ações ou títulos públicos pelo fato de os valores negociados para os mesmos ativos permaneceram idênticos entre as bolsas.
Há outras questões desafiadoras, todavia, como desenvolver a infraestrutura tecnológica e competir com a já estabelecida B3, que possui know-how³ e capital acumulados ao longo de décadas, pontuou Mauro Rochlin, coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da FGV. Outra grande lacuma da expansão do mercado brasileiro segue sendo a baixa participação de investidores pessoa física, que não chega a 5% da população. Essa adesão é relativamente pequena em comparação com outros mercados globais, enquanto, por exemplo, nos EUA, a porcentagem é de 61%. Tal diferença pode ser explicada pela ausência de conhecimento e informação da população, decorrida de uma educação financeira precária no país latino-americano, além de uma pirâmide social muito fragilizada com menos de um terço da população com ensino superior completo e menos de 5% da população recebendo mais de 10 mil reais.

Impactos da reabertura da Bolsa
O principal impacto em escala nacional destacado será a ampliação da presença de investidores estrangeiros, criando um ambiente mais dinâmico e competitivo, visto que, como destacado por Cláudio Pracownik, há potencial para trazer mais capital para o Brasil, por diversos motivos. Um deles é que uma nova empresa operando nesse segmento permite que os investidores, especialmente os internacionais, tenham mais alternativas para fazer hedge 4 ao aplicar no país. Ademais, a competição entre essas instituições pode incentivar a redução de barreiras de entrada, como a diminuição de custos operacionais e a flexibilização de regulamentações.
Na mesma linha, Hulisses Dias adiciona que a concorrência entre as bolsas pode resultar em menores custos de transação e melhores condições para os investidores, incentivando mais empresas a abrir capital e captar recursos no mercado. Ademais, ressalta-se a inovação tecnológica, com ambas partes buscando oferecer plataformas de negociação mais rápidas e eficientes, além de novos produtos financeiros que atendam de forma mais eficiente às necessidades dos investidores, como a criação do Robotic Process Automation (RPA) em 2000.
Já na escala estadual e, especialmente, municipal, espera-se uma maior atratividade do mercado de negócios devido aos incentivos fiscais, estimulando a instalação de novas empresas na cidade, aumentando a arrecadação tributária e, consequentemente, promovendo o desenvolvimento econômico. Analisando os dados da Secretaria Municipal de Fazenda e Planejamento (SMFP), é possível notar a importância do setor ao longo de 2021 a 2023, visto que o financeiro foi o quarto maior pagador de impostos (ISS) do Rio, representando 9,1% da arrecadação total. Dessa maneira, empregando cerca de 68,5 mil pessoas, o setor registrou a criação de 2,7 mil novos postos de trabalho, com um salário médio de R$ 9,5 mil mensais por trabalhador com mais de 4 mil fundos de investimento, reforçando sua posição como um polo financeiro de destaque no Brasil.
Diante disso, há estipulações de especialistas para que a iniciativa envolva um maior número de empresas do setor financeiro para o município, resultando em uma expansão significativa da oferta de empregos qualificados nessas organizações. Além disso, acredita-se que o crescimento desse setor impulsionará outros segmentos da economia local, como os setores imobiliário, de serviços e gastronômico, promovendo um aquecimento geral da atividade econômica. Por consequência, a criação de novos postos de trabalho indiretos também é prevista, juntamente com um aumento na arrecadação do ISS, gerado pelas transações financeiras.
Conclusão
Embora haja uma grande parcela do mercado defensora da prosperidade da Case Exchange, outros especialistas acreditam que o sucesso da nova bolsa está diretamente vinculado à mobilização das empresas do setor financeiro. Há, portanto, o risco de que o mercado não reaja conforme o esperado, o que revelaria a ausência da capacidade do Brasil em gerenciar a operação de duas bolsas de valores.
Nessa ótica, o recente cenário econômico brasileiro não demonstra uma estabilidade positiva no mercado de investimentos ao final de 2024 devido à negativa repercussão do anúncio do pacote de corte de gastos. A título de exemplo, a Taxa Selic - taxa básica de juros que guia as alíquotas de empréstimos e financiamentos, influenciando diretamente o rendimento de aplicações - atingiu um alto patamar de 12,25%. Além disso, a depreciação do câmbio se encontra como tópico prejudicial ao atingir uma alta histórica pela cotação do dólar a R$6. Dessa forma, em situações econômicas negativas no país, os investidores procuram outras opções de investimento mais seguras, o que gera uma fuga de capital das bolsas de valores.
Em síntese, fica evidente que a criação de uma nova bolsa de valores no Rio de Janeiro apresenta diversos benefícios esperados, que incluem o aumento da competitividade, a geração de novos empregos e a atração de investimentos para a cidade, além de impulsionar setores complementares como o imobiliário e de serviços. Entretanto, há dificuldades notórias, destacando-se a necessidade de atrair um número significativo de empresas do setor financeiro e o risco de o mercado não responder de maneira satisfatória, o que poderia questionar a viabilidade de operar com duas bolsas no Brasil, dado o tamanho e a complexidade do mercado financeiro nacional. Em suma, é essencial que haja a consciência do aprendizado na antiga Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, prevalecendo a transparência e seriedade entre as negociações financeiras a fim de garantir o sucesso desta inovação e a prosperidade econômica brasileira como um todo.
Glossário:
Blue chips: ações de grandes empresas que estão bem consolidadas no mercado, sendo buscadas por muitos investidores devido à sua segurança.
Data center: local físico que armazena máquinas de computação e seus equipamentos de hardware relacionados.
Know-how: conhecimento de normas, métodos e procedimentos em atividades profissionais, que exigem formação técnica ou científica.
Fazer hedge: forma de evitar que a volatilidade dos papeis na bolsa de Valores afete os seus investimentos de modo muito negativa ao realizar a compra de variadas opções de ações ou investindo em índices que são beneficiados com a movimentação do mercado.
Bibliografia:
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Entenda como funciona o mercado de ações e a bolsa de valores. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/guias/mercado-de-acoes/>.
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