A derrota da mídia tradicional
Não é uma novidade que meios de comunicação convencionais estão perdendo um significativo espaço no que se refere à transmissão de filmes, séries e, mais do que nunca, esportes. Isso não foi ao acaso. Passaram-se décadas para ocorrer essa redução de audiência provocada por fatores, como: o avanço da tecnologia e a praticidade de acessar um conteúdo pelo celular, até questões políticas.
Ao mesmo tempo, existem pontos mais específicos que contribuem para tal decadência. Exemplificando isso, o Grupo Globo, mesmo obtendo números impressionantes de audiência e conseguindo um faturamento de 1 bilhão de reais em patrocínios para a Copa de 2022, irá obter um prejuízo com o campeonato. Como isso é possível?
Direitos caros: Os direitos de transmissão que a FIFA cobrava no Brasil estavam entre os mais caros do mundo, acima do nível de países europeus. O valor atual é equivalente a quase R$ 500 milhões, encarecido por uma cláusula que garante exclusividade para a emissora. Em função do tamanho do custo financeiro, em 2026, a Globo abriu mão dessa cláusula, permitindo que outras emissoras também comprem o direito de transmissão.
Crises, Catar e data: Existem questões específicas dessa Copa e do momento em que ela está acontecendo que fomentaram a grave situação do Grupo Globo. Primeiramente, o mercado de publicidade como um todo está em um processo de retração devido ao receio de crises em 2023 provocadas pelo aumento da taxa de juros dos bancos centrais, na tentativa de conter o avanço da inflação. Junto a isso, a Copa ocorre no Catar, um país polêmico, o que afasta possíveis patrocinadores devido ao temor de associação da marca às práticas do governo local, pouco alinhadas com os direitos humanos. Por fim, com o clima do país sede, que apresenta altas temperaturas em meados dos anos, o evento está ocorrendo em uma época próxima a feriados importantes para o comércio, como o Natal e a Black Friday. Dessa forma, nem toda a verba publicitária é destinada ao evento, o que causa um menor interesse de investir em marketing na Copa.
Streaming: Por último, a ascensão do streaming tem sido uma peça fundamental em toda essa história. Isso porque agora existem diversas outras empresas pagando pela exibição da Copa, afinal, em 2022 não há exclusividade de transmissão na internet, apenas na TV Aberta e Fechada. A partir disso, as companhias que desejam divulgar um anúncio não precisam pagar uma fortuna à Globo se, em outro local, há o mesmo evento, para um público também numeroso, por um preço mais acessível.
Diante desse cenário, surge um personagem chave que anda junto à evolução do streaming, cujo nome é Casimiro Miguel. Além de cativar um público muito significativo em suas lives, ele mostra que é possível transmitir um evento esportivo com qualidade, sem precisar gastar milhões em passagens, hotéis, dezenas de funcionários de produção e outros inúmeros custos que empresas tradicionais ainda pagam.
Quem é Casimiro?
Nascido e criado no Rio de Janeiro, estudou jornalismo numa faculdade particular da Zona Sul da cidade. Com 29 anos, o streamer¹ viralizou na internet após fazer transmissões diárias na plataforma Twitch, cativando inúmeras pessoas que estavam em suas residências durante o período de pandemia. Atualmente, já conta com mais de 7 milhões de seguidores em suas redes sociais, sendo o mais seguido do Brasil na Twitch, com quase 3,5 milhões.
Além das lives, ele também trabalha na TNT Sports, onde ficou conhecido por fazer parte do quadro “De Sola 2", no Youtube. Com seu sucesso em 2021, o carioca foi um dos 15 indicados ao Prêmio Comunique-se, na categoria “Jornalista Influenciador Digital”. Além disso, venceu os prêmios iBest na categoria “Twitcher do Ano” e o “eSports Brasil'' na categoria "Personalidade do Ano", também sendo eleito pela revista GQ Brasil como o “Homem do Ano” na categoria Conteúdo Digital.
Conquistando a Copa
Antes de adentrar em valores e recordes do streamer, é importante entender como foi possível que jogos do maior torneio esportivo do mundo fossem transmitidos de forma gratuita pela internet - algo que há 5 anos seria considerado extremamente improvável, marcando o início de uma nova era na transmissão esportiva.
Até 2020, a exclusividade dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2022 no Brasil era do Grupo Globo, e isso incluia todas as principais mídias: TV aberta, fechada e internet. No entanto, com a pandemia do COVID-19, a emissora foi à justiça contra a FIFA para renegociar as dívidas, já que não concordava com os valores de contrato pré estabelecidos à crise. Isso provocou a perda dessa exclusividade, visto que a justiça não acatou a vontade da empresa brasileira. Desde essa decisão, a entidade esportiva autorizou a negociação desses direitos com outros interessados. Com isso, a empresa LiveMode³, detentora dos direitos comerciais de Casimiro, adquiriu tais direitos e, assim, os jogos passaram a ser transmitidos no Youtube. Vale ressaltar que a plataforma de vídeos divulgou uma nota informando que não participou de nenhum acordo com a FIFA.
O fato do Casimiro transmitir 22 jogos da Copa do Mundo de 2022 em seus canais na internet faz parte de uma nova estratégia adotada pela FIFA para o Mundial. De acordo com números da Nielsen - empresa global de informação, em julho deste ano, 34,8% dos cidadãos norte-americanos utilizaram as plataformas de streaming, com 191 bilhões de minutos consumidos, o que corresponde a um aumento de 22,6% em relação a julho de 2021. Nesse mesmo período, a TV a cabo registrou 34,4% de participação, enquanto a TV aberta ficou com 21,6%, o que mostra o desejo da entidade em captar, por meio do streamer, esse público crescente.
Tal estratégia de enxergar o futuro do esporte em plataformas de streaming já é a mesma adotada por diversas empresas. De acordo com informações do Wall Street Journal, algumas propostas pelos direitos televisivos da WSL (Liga Mundial de Surfe), circuitos de ciclismo e eventos de tênis masculino estariam em fase de negociação para que pertencessem à Netflix a partir de 2023.
Ademais, a Netflix não quer se ver atrás na concorrência com outros players do setor, casos da Apple TV+, que passou a transmitir MLB (Major League Baseball) e MLS (Major League Soccer), da Amazon Prime Video, que detém os direitos da NFL (National Football League) e da NBA (National Basketball Association), e também da Paramount+, que passou a exibir a Copa Libertadores e a Copa Sul-Americana no Brasil.
Para a cobertura da Copa, Casimiro investiu em uma equipe com diversos nomes relevantes do entretenimento em suas transmissões, como os repórteres André Hernan, Alexandre Oliveira, Rafael Morientes, Isabela Pagliari e Jackson Pinheiro, além do comediante Diogo Defante. Segundo Bruno Maia, sócio da Feel The Match, desenvolvedora de propriedades intelectuais para Web3 e streaming, essas transmissões diferem das existentes na mídia tradicional e atendem um público específico - geralmente os jovens. Ainda segundo o especialista, essa peculiaridade da forma de transmissão - com um tom humorístico - foi introduzida ao público há três anos e, durante esse tempo, foi acostumado a aceitar por completo esse tipo de entretenimento. Dessa forma, foi garantida uma série de excelentes resultados por Casimiro.
Os números da Copa
A estratégia adotada para a transmissão dos jogos mostrou-se eficaz, visto que o influenciador digital alcançou a marca de 5,2 milhões de visualizações simultâneas no Youtube durante o jogo de Brasil e Suíça, batendo o próprio recorde nacional, que era de 3,8 milhões. Vale ressaltar que ele desbancou Elon Musk, que realizava uma live no mesmo momento, mas com “apenas” 4,1 milhões de usuários.
Além do direito de transmissão, incluindo todos os confrontos da seleção brasileira, a semifinal e a final, Casimiro também exibe, por meio do canal “Cortes do Casimiro'', os gols e os melhores momentos dos outros jogos, além de entrevistas com os jogadores. Um exemplo desse conteúdo seria o vídeo dos lances da derrota da Argentina contra a Arábia Saudita, que possui quase 5 milhões de visualizações.
Tendo isso em vista, em um recente vazamento durante uma de suas transmissões da Copa, foi possível descobrir que o carioca faturou mais de 160 mil dólares (R$ 832 mil na cotação atual) somente com visualizações no Youtube durante o mês de novembro. Além disso, durante o mesmo período, o vazamento mostrou que o streamer obteve mais de 210 milhões de visualizações. Não à toa, a LiveMode conseguiu vender todas as suas cotas de patrocínio para grandes marcas como Coca-Cola, Nubank, McDonald's, iFood e Unilever. Vale ressaltar que o número de inscritos aumentou em 660 mil no dia da estreia do Brasil, tendo outro salto de 600 mil no terceiro jogo da seleção. Dessa forma, o interesse das marcas em serem amplamente divulgadas está claramente se concretizando.
E na final da Copa?
Portanto, diante de todos esses pontos, o streaming esportivo e o Casimiro podem ser vistos como seres dependentes. Obviamente, o meio de stream é muito maior que o Cazé - como é carinhosamente chamado por seus fãs -, mas, pelo menos no Brasil, foi essencial que esse novo jeito de transmitir esportes tivesse um rosto carismático e cômico. Tudo isso acelerou significativamente todo o processo de popularização desta mídia - principalmente entre os mais jovens.
A principal dúvida não é se eles irão continuar crescendo, mas sim, quando os recordes serão quebrados. E na final da Copa? Será que já vai quebrar de novo?
Glossário:
1 - Streamer: Criador(a) de conteúdo digital que faz gravações e transmissões ao vivo de qualquer tipo de conteúdo e publica na internet. O termo vem de outra palavra em inglês, o “streaming”.
2 - De Sola: Canal de humor no YouTube que pertence à TNT Sports e conta com a participação dos influenciadores Pedro Certezas, Casimiro, Luisinho e Formiga. O perfil traz desafios, reacts, entrevistas e lives sobre futebol e outros esportes.
3 - LiveMode: Empresa de transmissão esportiva, detentora dos jogos do Athletico Paranaense como mandante no Brasileirão em parceria com o próprio Casimiro. Ela possui como proposta digitalizar o futebol, utilizando plataformas midiáticas distintas da mídia tradicional, como Youtube e TikTok, para realizar as transmissões.
Referências:
Moura, Rayane. Quem é Casimiro Miguel, fenômeno das lives. Uol, 2021. Disponível em: <https://gizmodo.uol.com.br/quem-e-casimiro-miguel-fenomeno-das-lives/>. Acesso em: 30 de nov. de 2022.
Cruz, Felipe. As armas de Casimiro para dar olé na Globo em transmissão da Copa. Veja, 2022. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/coluna/tela-plana/as-armas-de-casimiro-para-dar-ole-na-globo-em-transmissao-da-copa/>. Acesso em: 30 de nov. de 2022.
Mattos, Rodrigo. Casimiro vai transmitir jogos da Copa-2022 em novo canal no Youtube. Uol, 2022. Disponível em: <https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rodrigo-mattos/2022/11/09/casimiro-vai-transmitir-jogos-da-copa-2022-no-youtube-e-tera-patrocinadores.htm>. Acesso em: 30 de nov. de 2022.
Vazamento ao vivo mostra que canal do Casimiro já ganhou mais de R$ 800k na Copa. PIXELD, 2022. Disponível em: <https://pixeld.news/casimiro-ja-ganhou-mais-de-r-800k-na-copa/>. Acesso em: 02 de dez. de 2022.
Surfe ao vivo na Netflix? O streaming aposta nas transmissões esportivas. Exame, 2022. Disponível em: <https://exame.com/casual/surfe-ao-vivo-na-netflix-o-streaming-aposta-nas-transmissoes-esportivas/>. Acesso em: 02 de dez. de 2022.
Bruce, Graeme. The rise of sports streaming: Where is it most popular. YouGovAmerica, 2021. Disponível em: <https://today.yougov.com/topics/sports/articles-reports/2021/03/01/rise-sports-streaming-where-it-most-popular>. Acesso em: 02 de dez. de 2022.
Vinícius, Caio. Saiba quais canais estão transmitindo os jogos da Copa. Poder360, 2022. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/brasil/saiba-os-canais-que-estao-transmitindo-os-jogos-da-copa/>. Acesso em: 05 de dez. de 2022.
Casimiro e LiveMode se unem para revolucionar transmissões de futebol. MKTEsportivo, 2022. Disponível em: <https://www.mktesportivo.com/2022/01/casimiro-e-livemode-se-unem-para-revolucionar-transmissoes-de-futebol/>. Acesso em: 05 de dez. de 2022.
Ravache, Guilherme. Prejuízo da Globo com Copa mostra dilema de Disney e Warner. Uol, 2022. Disponível em: <https://www.uol.com.br/splash/colunas/guilherme-ravache/2022/11/27/prejuizo-da-globo-com-copa-mostra-dilema-de-disney-e-warner.htm>. Acesso em: 05 de dez. de 2022.
Comments