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Economia Comportamental no Crime: a irracionalidade humana por trás do processo decisório criminal




O que leva alguém a cometer um crime? Quais os aspectos da mente humana que influenciam tal decisão? São essas as perguntas, dentre diversas outras, que a Economia Comportamental aplicada ao crime busca responder. Nesse sentido, em meio ao processo decisório criminal, os vieses cognitivos movem o ser - por muitos anos tido como perfeito, racional e calculista - a cometer delitos.



O reconhecimento da racionalidade limitada


Por muito tempo, o homem foi tratado como uma máquina perfeita capaz de associar todas as informações necessárias à sua volta para chegar à conclusão mais benéfica e inteligente. Dessa forma, no início do estudo da criminalidade pelos olhos da economia, ao fim nos anos 60, os agentes criminosos eram vistos como pessoas plenamente racionais, capazes de calcular friamente o benefício de praticar ou não um delito. Julgava-se, então, um ato ilícito como uma decisão plenamente econômica, na qual o sujeito compara seus ganhos no contexto lícito e no ilícito, buscando o mais vantajoso para si.


A partir da década de 70, a Economia Comportamental ganhou destaque ao romper com a ideia da mente humana perfeita e estudar seu processo de pensamento à luz da psicologia cognitiva - ciência que reconhece falhas na racionalidade humana e as estuda por meio da análise de padrões comportamentais movidos por emoções. Assim, pôde-se compreender as variáveis psicológicas associadas à criminalidade por meio de novos conceitos que ajudaram a explicar a ocorrência de crimes, tais como Aversão ao Risco¹, Efeito Manada², Custo de Oportunidade³.




Teoria do Prospecto


Sustentada por uma extensa evidência experimental, a Teoria do Prospecto aponta alguns fatores denominados vieses e heurísticas de decisão, que têm o poder de influenciar o processo de tomada de decisão dos indivíduos, bem como o modo como a informação é enquadrada ou transmitida. Enquanto a heurística é um atalho mental que facilita a tomada de decisão, simplificando a percepção e a avaliação das informações, o viés cognitivo se trata de um erro que o cérebro humano comete ao basear suas escolhas em pré-julgamentos. A partir dessa teoria, originaram-se três características cognitivas fundamentais:




1. Aversão à perda: a reação aos prejuízos é mais intensa do que a reação aos ganhos, ou seja, a insatisfação de perder uma determinada quantia é maior que a satisfação de ganhar o mesmo montante. Entretanto, além desse fator, a predisposição humana para correr riscos é influenciada pelo modo como as escolhas são apresentadas, estando mais propensos a arriscar quando há uma prévia possibilidade real de perda. Dessa forma, os indivíduos preferem arriscar mais do que ter a certeza de que perderão pouco, já que o prejuízo real é repulsivo.


2. Ponto de referência: a Teoria do Prospecto aponta o “status quo" como a tendência inconsciente humana de manter as coisas como estão, de aceitar a opção padrão, pois atribui-se grande preferência ao que é familiar. Assim, muitos problemas de decisão envolvem compensações entre perdas e ganhos e assumem a forma de um paradigma entre conservar o status quo e aceitar uma alternativa a ele.



3. Princípio da sensibilidade decrescente: as pessoas se tornam menos sensíveis a mudanças à medida que se afastam do seu ponto de referência. Diante disso, a diferença entre ganhos de $30 e $40, por exemplo, parecerá maior que entre $200 e $210, considerando-se como ponto de referência o valor $0. No caso da avaliação dos resultados, pode-se considerar como ponto de referência um “status quo” qualquer.


O processo decisório




O gráfico acima sintetiza as três características estudadas, podendo ser dividido em duas partes: a linha vertical, que representa o valor psicológico atribuído, com o ponto de referência - estado anterior no qual ganhos e perdas são avaliados - em seu ponto zero, e a linha horizontal, que representa o valor do montante. O formato de “S” da curva é fruto da Sensibilidade Decrescente, enquanto a assimetria do gráfico no que diz respeito a sua parte superior e inferior, é proveniente do fenômeno da Aversão à Perda. A partir do ponto de referência, a inclinação da função se altera e fica mais íngreme para perdas do que para ganhos, o que revela um desequilíbrio entre as reações.


Desse modo, uma vez que as punições criminais são perdas, os infratores estão, supostamente, mais dispostos a assumir maiores riscos a fim de evitá-las. Portanto, os indivíduos não são considerados maximizadores de seus ganhos ao tomarem suas decisões, pois, considerando a limitação de suas características cognitivas, são guiados pelo impacto emocional imediato de ganhos e perdas, não por perspectivas de longo prazo de riqueza.




Avaliação do risco de cometer um ato ilícito


A decisão entre cometer ou não um crime pode ser fortemente afetada pelo contexto da escolha e pela percepção de cada um acerca desse enquadramento. Dessa maneira, diante de um conjunto de propostas recebidas com ganhos equivalentes, a tendência de escolha do infrator será pela alternativa menos arriscada e com ganho certo. No entanto, o caminho percorrido muda completamente quando as propostas são enquadradas como uma perda.


Sob a ótica da Economia Comportamental, a condição de pobreza implica em um indivíduo vivendo abaixo do “status quo”, ou seja, inferior a qualquer informação inicial ou ponto de partida. Dessa maneira, uma mínima quantia de dinheiro recebida é percebida como redução de prejuízo, não como ganho. Portanto, sob privação de recursos, criam-se mecanismos que reforçam a situação de miséria na qual se está inserido, seja por problemas relacionados ao autocontrole, escolhas temporais inconsistentes, ou à falta de instrução ou formação. Consequentemente, a mudança de foco de ganho para perda provoca uma alteração da Aversão ao Risco para a busca por risco.


Com isso e sob o viés do Princípio da Sensibilidade Decrescente, prevê-se, no contexto penal, menor efeito no reforço da rigorosidade das leis sobre a criminalidade em comparação ao seu cumprimento correto, tendo em vista que os infratores temem muito mais ir para a prisão do que o tempo da pena. Por fim, vale destacar que o presente estudo não defende a inocência daqueles que infringem a lei, mas mostra que os fatores que antecedem um delito são muito mais complexos do que se imagina. Desse modo, aos olhos da Economia Comportamental aplicada ao crime, são fornecidos subsídios para se reavaliar o sistema penal e políticas de combate à criminalidade.



Glossário:


1 - Aversão ao Risco: é a relutância de uma pessoa para aceitar um negócio com um retorno incerto.


2 - Efeito Manada: tendência de indivíduos seguirem a opinião ou ação de um grupo irracionalmente e sem analisar os fatos ou fundamentos.


3 - Custo de Oportunidade: custo associado a uma determinada escolha, descrevendo o benefício perdido ao optar por uma opção em detrimento de outra.




Referências Bibliográficas:


“A Economia Comportamental Explica O Crime.” G1, 23 Fev. 2019, https://g1.globo.com/economia/educacao-financeira/blog/samy-dana/post/2019/02/23/a-economia-comportamental-explica-o-crime.ghtml. Acesso em: 28 Ago 2023.


Dagostim, Bez, Normando. “Análise Econômica Do Crime: Uma Abordagem Sob a Ótica Da Economia Comportamental”. 9 Set de 2021. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/227855. Acesso em: 26 Ago 2023.


Marcos Falleiro, Carlos Eduardo Lobo e Silva, Silvio H. T. Tai. “A Teoria do Prospecto: Estimação da Função Utilidade e da Função Ponderação das Probabilidades para uma Amostra Específica”. Set de 2018. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/AnaliseEconomica/article/view/70753. Acesso em: 28 Ago 2023.


Passos, Danilo e Adriana Sbicca. “Economia Do Crime: Da Visibilidade de Gary Becker Às Influências Da Economia Comportamental.” Economic Analysis of Law Review, vol. 13, no. 1, 27 Jun de 2022, pp. 114–135. Disponível em: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/EALR/article/view/11826. Acesso em: 25 Ago 2023.


“Vieses Cognitivos E Heurísticas: Como Funciona Nosso Cérebro.” Investidor Em Valor, 1 Jul de 2016. Disponível em: https://investidoremvalor.com/heuristicas-e-vieses-cognitivos/. Acesso em: 28 Ago 2023



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