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Energias renováveis: a solução para o futuro?


Desde os anos 80, a comunidade científica tem dado grande atenção para as mudanças climáticas e para as consequências irreversíveis do aquecimento global, futuro provável caso as emissões de gases de efeito estufa não sejam drasticamente reduzidas até 2050. Com o intuito de corroborar tal afirmação, a NASA destaca que a temperatura média do planeta elevou-se em 1,18ºC desde a primeira Revolução Industrial (século XIX), temperatura muito próxima do limite de 2ºC, tido como o aumento sem volta para as alterações climáticas. Com isso, a fim de frear tais mudanças, a descarbonização¹ da economia mundial torna-se prioridade, o que se daria - como muitos acreditam - pela substituição das fontes de combustíveis fósseis para fontes de energia renováveis. Contudo, seria mesmo esse o caminho para a descarbonização da matriz energética mundial e a solução para o aquecimento global? Ou essas energias seriam limitadas por suas próprias características?


Onde estamos


Desde o despertar da comunidade científica e, consequentemente da sociedade para os problemas ligados ao aquecimento global, as energias renováveis, como solar e eólica, que no início eram financeiramente inviáveis, tiveram seus custos reduzidos em aproximadamente 60%. Tal fato deve-se à evolução tecnológica, como o aumento na conversão de energia das placas solares e o barateamento ligado a economia de escala, tornando assim a tão necessária limpeza da matriz energética em uma realidade cada vez mais próxima, especialmente quando consideramos as metas ambiciosas de redução na emissão de carbono de países como Alemanha, EUA e China. Como exemplo, podemos citar o aumento de 15,3% desde 1971 na representatividade de energias renováveis dentro da matriz energética dos países membros da OCDE², que são responsável por quase 40% da energia consumida no mundo. Esse incremento relativo da matriz representa também um aumento de mais de 15x na produção de energia solar e eólica, as duas fontes de energia renováveis com maior projeção de crescimento para os próximos anos. Porém, para se chegar à meta de emissão zero de gases de efeito estufa até 2050, diretriz conforme com as metas do Acordo de Paris³ ainda há um longo caminho a percorrer em termos de transição da matriz energética.

Porém, ao observar o cenário dos países em desenvolvimento, que devido a diversos fatores como custo e disponibilidade de matéria prima são mais dependentes de termelétricas, identifica-se uma situação ainda mais urgente frente à representatividade de fontes renováveis na matriz energética. Este é o caso da África do Sul, que tem 90% de sua matriz representada por combustíveis fósseis. Tal conjuntura demonstra a necessidade da busca por uma solução energética de baixo carbono que seja rapidamente escalável a nível global, a ponto de fazer com que seja rentável até para países de menor renda.


Vale ressaltar que o Brasil, apesar de ter uma das matrizes energéticas mais limpas no mundo, possui apenas 38% de sua matriz proveniente de fontes limpas de energia.


Quebrando o estigma das fontes renováveis


Apesar de ser uma indústria relativamente consolidada, as fontes renováveis são um campo da ciência que ainda é foco de muitas pesquisas com o intuito de maximizar seu desempenho. Nesse sentido, as mesmas apresentam graves problemas ligados à sua utilização e, dentre seus principais reveses, pode-se citar a inconstância das fontes de energia, os impactos ambientais causados e o armazenamento de energia.


Sobre o primeiro problema, relacionado a intermitências das energias renováveis, é importante ressaltar que fontes renováveis produzem apenas de 10% a 30% de sua capacidade em um ano. A fim de exemplificar as possíveis consequências desse problema, é possível citar o exemplo da Alemanha, que em 2016 aumentou sua capacidade de energia solar em 4%, porém, produziu 3%a menos de energia do que em 2015 devido à menor incidência de luz solar. Ademais, ainda na Alemanha, temos que a capacidade produtiva de energia eólica aumentou em 11%, porém a geração de energia, em números absolutos, foi 2% menor devido a ventos mais fracos. Dessa forma, no caso de uma transição demasiadamente acelerada, corre-se o risco da inconstância de recursos naturais submeter o mundo a crises de apagões, como a ocorrida no Brasil no início do século XXI. Nesta ocasião, uma crise hídrica foi responsável pelo maior programa nacional de racionamento de energia elétrica da história, que durou quase um ano. Dessa forma, constata-se que essas energias podem variar muito, sendo imprudente sua dependência completa sem a ponderação das margens de erro.


Ademais, outra contrariedade enfrentada pelas energias renováveis diz respeito aos seus impactos ambientais. A fim de expor tal ponto, é possível ressaltar a extensão de território que fazendas de energia solar ou eólica necessitam para, por exemplo, gerar energia suficiente de forma a se equivalerem a usinas termelétricas ou nucleares. Como comparação, temos o parque eólico Volta do Rio, no Ceará, que tem uma potência de 42 MW ocupando uma área de 377 hectares, enquanto Angra 3, projeto de usina nuclear no Rio de Janeiro, terá potência de 1405 MW ocupando pouco mais de 8 hectares.


Por último, é necessário apontar as questões relacionadas ao armazenamento. Com o intuito de avaliar tal limitação, é preciso primeiro entender a tecnologia atual: quando faz-se uso de energia por combustíveis fósseis, a mesma é produzida sob demanda. Contudo, ao pensar em energias renováveis, a intermitência gera a necessidade de sempre armazená-la. Todavia, ao estudar a tecnologia por trás, não existem baterias suficientes no mundo para o armazenamento da eletricidade produzida por fontes renováveis, principalmente quando considerando os longos períodos de tempo necessários desde a produção até sua utilização.


Devido a tal fator, estuda-se a utilização de hidrogênio verde, dada a sua capacidade longínqua de armazenamento e baixo teor de carbono. Sendo considerado a fonte de energia do futuro, o hidrogênio pode ser obtido de quatro principais maneiras, dentre elas, o hidrogênio verde, realiza o armazenamento da eletricidade por meio de reações químicas, conservando de maneira permanente a eletricidade produzida em um combustível limpo⁴ e renovável⁵. Assim, o hidrogênio verde tem o potencial de substituir combustíveis fósseis em questões nas quais as energias renováveis por si só não podem, visto as limitações técnicas da eletricidade como, por exemplo, o transporte aéreo e o transporte rodoviário de longa distância, já que baterias de lítio (utilizadas em carros) exigem um espaço grande para seu armazenamento. Todavia, as tecnologias relacionadas ao hidrogênio verde ainda estão em fases precoces, sendo improvável que tal combustível seja o milagre energético que necessitamos. Sendo assim, é necessário abrir os horizontes para todas e quaisquer oportunidades que se apresentem (ou reapresentem).


Pôr do sol


Tendo em vista a diretriz de ter um olhar mais receptivo a propostas antes descartadas, é imprescindível voltar nossa atenção à energia nuclear. Com isso em mente, é cabível retornarmos a fatos históricos e suas repercussões: desde Chernobyl, ativistas anti-nucleares vem tomando uma posição ainda mais contrária à implementação de novas usinas, visto a contaminação radioativa, não só das proximidades quanto da atmosfera de maneira geral, principalmente de um dos locais mais densamente populados no mundo. Contudo, é importante lembrar dois fatos negligenciados pela ótica social. O primeiro, faz alusão aos dois maiores desastres - Chernobyl e Fukushima - estarem diretamente ligados a reatores obsoletos.


Além disso, uma das principais preocupações dos ativistas anti-nucleares é em relação ao lixo radioativo, devido ao longo período de armazenamento - cerca de 50 a 300 anos - que esse efluente exige. Porém, visando combater isso, os reatores de IV geração - tecnologia mais atual - são capazes de transformar o atual lixo radioativo de usinas de modelos mais antigos em energia, diminuindo em 80% tal detrito. Eles ainda possuem a capacidade de endereçar outros problemas relacionados à segurança, como o fato dessa geração de reatores não ser dependente de atividade humana ou energia para esfriar em caso de superaquecimento.


Entretanto, assim como observado com as fontes renováveis de energias, não existem somente pontos positivos. A segurança dos reatores é inquestionável, porém quando consideramos segurança mundial, é necessário levar em conta experiências prévias de programas nucleares como o do Irã que, mesmo com a fiscalização da ONU e de acordos de desarmamento nuclear, produziu armas nucleares por debaixo dos panos, fragilizando tais compromissos e possivelmente somando o número de países com tal tecnologia bélica.


Por fim, é extremamente necessário comentar como, apesar de ser uma energia limpa, visto sua ínfima poluição atmosférica, usinas nucleares não são renováveis, por utilizarem como matéria prima, recursos finitos. Tal fator torna a energia nuclear uma solução inviável no longo prazo, sendo apenas necessária como um ponto de parada para a transição completa da matriz energética mundial para fontes renováveis, servindo como um porto seguro para a sociedade em termos de segurança energética.


O futuro da energia


Apesar de não serem infundadas, as preocupações do movimento anti-nuclear representam uma ameaça à resolução de problemas gravíssimos para o futuro da humanidade, tendo em vista a urgência de uma transição energética dos combustíveis fósseis para combustíveis limpos. Com isso, vale recordar a fala de James Hansen, climatologista norte-americano precursor das pesquisas que evidenciaram o aquecimento global: "Energia nuclear salvou 1,8 milhão de vidas por prevenir a queima de combustíveis fósseis". Isso demonstra como a energia nuclear tem muito mais a oferecer do que a detrair, visto que necessitamos de uma solução energética que corte radicalmente a emissão de gás carbônico no curto prazo. Dessa forma, finalmente seremos capazes de realizar a tão esperada transição energética.


Glossário:

¹Descarbonização: no contexto descrito, seria o ato de ter uma economia 100% sustentável com emissão zero de carbono na atmosfera.

²OCDE: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, organização composta por 37 dos países mais ricos do mundo, da qual o Brasil faz parte.

³Acordo de Paris: acordo no qual 193 países se comprometeram a meta de não ultrapassar os 2 oC da temperatura média da terra desde o início da Primeira Revolução Industrial.

Combustível limpo: aquele que no total de sua produção, não libera gases de efeito estufa na sua produção de energia, como exemplo temos as energias nuclear e as provenientes de biomassa (etanol).

Combustível renovável: aquele que produz energia a partir de matéria-prima infindável, como exemplo temos as energias solar e eólica.


Referências:


3 Reasons Why Nuclear is Clean and Sustainable. Office of Nuclear Energy, 2021. Disponível em: <https://www.energy.gov/ne/articles/3-reasons-why-nuclear-clean-and-sustainable> Acesso em 05/05/21.


Climate Change: How Do We Know? Global Climate Change NASA, 2020. Disponível em: <https://climate.nasa.gov/evidence/> Acesso em 05/05/21.


Da falta de estrutura fez-se a ‘crise do apagão’ no Brasil do início do século XXI. Agência O Globo, 2001 Disponível em: <https://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/da-falta-de-estrutura-fez-se-crise-do-apagao-no-brasil-do-inicio-do-seculo-xxi-9396417> Acesso em 05/05/21.


Key World Energy Statistics 2020. International Energy Agency, 2020. Disponível em: <https://www.iea.org/reports/key-world-energy-statistics-2020> Acesso em 05/05/21.


RHODES, Richard. Why Nuclear Power Must Be Part of the Energy Solution. Yale Environment 360, 2018. Disponível em: <https://e360.yale.edu/features/why-nuclear-power-must-be-part-of-the-energy-solution-environmentalists-climate> Acesso em 05/05/21.


SIMON, Clea. The real trade-offs attached to going green with nuclear energy. The Harvard Gazette, 2020. Disponível em: <https://news.harvard.edu/gazette/story/2020/03/the-trade-offs-attached-to-going-green-with-nuclear-energy/> Acesso em 05/05/21.


WILKINSON, Paul & MARKANDYA, Anil. Electricity generation and Health. The Lancet, 2017. Disponível em: <https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2807%2961253-7> Acesso em 05/05/21.

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