top of page
Foto do escritorJoão Santos de Mendonça da Costa

Inflação: o assaltante silencioso


Nos últimos 2 anos, após a recuperação dos impactos sanitários e econômicos provocados pela pandemia do COVID-19, o mundo voltou a conviver com um velho conhecido: a inflação. Nesse cenário, os Estados Unidos vêm enfrentando os maiores índices inflacionários dos últimos 40 anos e a Europa o mais severo aumento de preços desde a criação do Euro. Mas, afinal, quais são as causas e as consequências da inflação?



O que é inflação?


Costuma-se definir a inflação como um processo de aumento generalizado de preços em toda a economia. Contudo, essa definição apresenta uma imprecisão em relação a tal fenômeno, à medida que não expõe a verdadeira causa, mas sim, o efeito mais perceptível: a elevação dos preços. Para exemplificar essa confusão, pode-se traçar um paralelo na medicina com o câncer, o qual não pode ser definido simplesmente como provocador de cansaço e mal-estar, sendo, na verdade, a reprodução de células maléficas ao corpo humano. Aspectos biológicos à parte, a verdadeira razão para o surgimento da inflação passa, geralmente, pelo aumento da quantidade de moeda em circulação na economia, cujo principal sintoma é a elevação de preços.


Exemplificando o fenômeno, suponha que, em uma sociedade, existam 100 “dinheiros” e sejam ofertados 100 produtos iguais, de forma que cada um custe 1 “dinheiro”. Porém, imagine agora que, nessa mesma economia, capaz de ofertar os mesmos 100 produtos, existam 200 “dinheiros” em circulação. O resultado dessa alteração seria o salto de custo desse bem de 1 “dinheiro” para 2 “dinheiros”. Portanto, a elevação dos preços é apenas a consequência imediata do aumento da quantidade de “dinheiros” disponíveis naquela sociedade, que, em economia, é chamada pelo termo técnico de base monetária¹.


Em suma, caso o aumento de moeda em circulação seja superior ao crescimento da quantidade de bens e serviços em uma economia, tem-se como consequência inevitável o crescimento dos preços. Conjugando essa dinâmica com a manutenção da remuneração dos salários, tem-se a perda do poder de consumo da população.



Consequências econômicas da inflação


Muitas vezes, ao pensar na inflação, é comum associá-la a uma consequência negativa: a perda de poder de compra da moeda. Nesse sentido, é inegável que processos inflacionários corroem a capacidade de consumo da população, pois reduzem a quantidade de bens e serviços que determinado salário poderia adquirir.


Como estamos na véspera da Copa do Mundo do Catar, é possível trazer um exemplo de perda de poder de compra relacionado a esse evento. Dessa forma, completar um álbum de figurinhas tem se tornado mais caro a cada edição, provocado pela deterioração da capacidade de compra do Real Brasileiro.


Contudo, para além da consequência mais imediata da inflação, que é o empobrecimento da população, há também a perda de eficiência econômica, causada pela distorção do sistema de preços.


Para que um produto chegue na casa de um consumidor, milhares de processos estão envolvidos, desde a sua fabricação, com a compra de matéria prima e a contratação dos trabalhadores, até a sua distribuição e venda. Todavia, como saber a quantidade que deve ser produzida, de acordo com os desejos dos consumidores? A resposta para isso é o sistema de preços. Por meio de um sistema de preços livres, o capitalismo conseguiu criar uma espécie de um grande telefone sem fio, capaz de informar a todos quais são os produtos e qual a quantidade demandada naquele momento, tornando-o eficiente.


Nessa perspectiva, explicando a ideia, um produtor ofertará cada vez mais produtos, conforme o aumento do preço vendido, afinal, há uma possibilidade maior de lucro. Da mesma forma, quando os preços de venda de um bem caem, também é reduzido o incentivo para que os produtores ofereçam as mercadorias, uma vez que o seu potencial de ganho é menor. Com isso, é possível concluir que a quantidade de produtos ofertados na economia varia em função do preço.


Todavia, quem define os preços? A sociedade. A resposta pode parecer surpreendente, mas são os próprios consumidores, de forma não intencional e em conjunto, que definem os valores a serem pagos em cada um dos produtos, cuja explicação é dada por meio da lei da oferta e da procura. Dessa forma, quando há uma busca muito grande por um determinado bem, o seu preço tende a aumentar, enquanto, quando não há demanda por ele, tende a cair. Portanto, os preços das mercadorias de uma sociedade representam o resultado das preferências de consumo de toda a população.



Em suma, alterações nos preços dos bens e serviços ofertados em uma economia refletem as preferências do público consumidor, as quais, por sua vez, irão definir o comportamento dos empresários e dos consumidores, chegando à quantidade de bens ofertados.



  • Elevação de um preço


Dessa forma, pelo sistema de preços livre, quando há uma elevação no valor cobrado por determinado bem, é transmitida a mensagem para os produtores que há uma demanda em relação a essa mercadoria que ainda não foi atendida. Com isso, os empresários aumentarão a sua produção, buscando aproveitar essa oportunidade de alavancar as suas vendas. Tudo isso compõe o mecanismo de autorregulação do mercado.


Entretanto, é nessa parte de aumento de preços que a inflação se torna algo extremamente prejudicial, uma vez que ela interfere na troca de informações do sistema. Isso ocorre, porque, em uma economia inflacionada, na qual os preços aumentam constantemente, os empresários passam a não conseguir distinguir se os aumentos foram provocados pela demanda dos consumidores, ou se foram causados pelo incremento da base monetária em circulação. Portanto, nesse cenário, a economia torna-se ineficiente, afinal, os produtores não conseguem mais definir estratégias capazes de atender os clientes, levando a má alocação de recursos, falências e mal-estar econômico.


  • Controle de preços


Num cenário onde há um controle de preços, o governo interfere no valor cobrado pelo bem e, consequentemente, em qual ponto a demanda dos consumidores entrará em equilíbrio com a oferta do setor produtivo. Com isso, supondo que seja tabelado um preço máximo, abaixo do que seria o preço de equilíbrio do mercado, há um incentivo para elevar a demanda por bens, ao passo que há desincentivo para a oferta dos empresários. Como consequência, cria-se uma conjuntura de excesso de demanda e escassez de oferta. O resultado desses dois fatores é o desabastecimento, o qual produzirá prateleiras vazias nos supermercados, padarias, farmácias e outros estabelecimentos.


Em suma, ao controlar preços, impondo um limite permitido de ser cobrado abaixo do equilíbrio de mercado, o governo o torna desregulado, afinal, cria um excesso de demanda e falta de oferta, contribuindo para a insatisfação do consumidor e o desabastecimento do comércio.



Efeito Cantillon


Além da redução da capacidade de consumo produzida pelo fenômeno inflacionário, outra importante e grave consequência social é a concentração de renda promovida pela expansão da quantidade de papel moeda em circulação. Nesse sentido, no século XVII, um relevante banqueiro francês, Richard Cantillon, percebeu que nações nas quais a expansão monetária - ou impressão de dinheiro - era mais comum, apresentavam piores indicadores demográficos, em especial no aspecto da distribuição de renda.


Portanto, ao analisarmos o coeficiente de Gini² de cada um dos países, a possível correlação entre inflação e má distribuição de renda parece inegável, à medida que as nações com histórico de descontrole de preços, como os latinoamericanos e os africanos, se destacam negativamente.


Para explicar essa aparente correlação entre os dados, Richard formou a sua tese em torno de um ponto: cada parcela da sociedade sentirá os efeitos da inflação em diferentes momentos e em diferentes quantidades. Basicamente, a explicação dessa afirmação passa pelo entendimento que a expansão monetária não provoca inflação imediata, sendo necessário um determinado período de tempo para que esse dinheiro entre em circulação e os preços subam. Por conseguinte , aqueles que têm acesso a esse dinheiro primeiro saem favorecidos, afinal, eles detêm mais capital, sem a correção dos preços.


Exemplificando essa situação, suponha que o governo emitiu moeda para financiar uma série de obras públicas. Como efeito, essa será uma medida benéfica para as empreiteiras, que aumentarão os seus lucros e iniciarão novas construções. Produtores de matéria-prima também irão vivenciar um aumento de demanda, o que irá favorecê-los. Dessa forma, todos os setores econômicos atrelados à construção terão acesso a esse novo capital e poderão utilizá-lo para consumo. Assim, a expansão da base monetária irá ser sentida na economia, conforme os detentores desse capital extra começam a consumir, e a moeda passa a circular, provocando aumento de preços para toda a sociedade, inclusive para aqueles que não tiveram acesso a esse novo capital.


Portanto, os setores que receberam esse dinheiro emitido pelo governo antes do aumento de preços serão favorecidos, não sendo impactados negativamente pela inflação. Em paralelo, aqueles que não estão próximos a esse grupo de pessoas beneficiadas serão prejudicados, à medida que enfrentarão preços mais altos, sem, no entanto, ter a sua renda aumentada.


Esse é o processo que acontece na realidade. Inúmeros governos, como o caso brasileiro, que, na década de 70 e 80, emitiu moeda para custear obras públicas, contratar novos funcionários públicos e oferecer benesses tributárias3 a grandes empresários. Com isso, criou-se um modelo no qual a elite econômica do país era constantemente favorecida pela impressão de dinheiro, enquanto a maior parte da população sentia apenas os efeitos negativos de tais medidas. Em suma, a parte mais favorecida economicamente se tornava mais rica, enquanto o resto era empobrecido pela correção de preços, elevando a desigualdade social.



A polícia contra o habilidoso ladrão


Para combater os avanços da inflação, os governos buscaram desenvolver instituições, cujo objetivo seria perseguir o equilíbrio de preços. Daí surge o Banco Central, autoridade máxima de política monetária em cada um dos seus respectivos países, sendo o FED nos EUA, o BCE na Europa e o BACEN no Brasil. Dessa forma, por meio da manipulação dos juros, é possível “aquecer” ou “esfriar” a economia.


Portanto, se aprofundando no entendimento dessa importante ferramenta de política monetária, os Bancos Centrais podem aumentar, manter ou reduzir as taxas que os governos pagam para financiar a sua dívida. Com isso, caso haja um aumento da taxa, é elevado o custo dos empréstimos daquela economia, desincentivando financiamentos, o que reduz a demanda e, consequentemente, desloca o preço de equilíbrio para um valor inferior, reduzindo a inflação. Além disso, também é válido o raciocínio contrário, no qual são reduzidos os juros, barateia-se o crédito, estimula-se o consumo, eleva-se a demanda, aumentando os preços.



O futuro da inflação no Brasil


Após um passado econômico extremamente problemático, felizmente, com a implementação do Plano Real4, o Brasil iniciou uma trajetória de controle inflacionário, já estabilizado há mais de 30 anos. Nesse sentido, o plano econômico liderado pelo Ministério da Fazenda sob o comando de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, o país foi capaz de melhorar, significativamente, os seus indicadores sociais. Com a moeda estabilizada, foi possível distribuir, de forma menos desigual, a renda brasileira, o que tornou a sua economia menos ineficiente como um todo.


Contudo, as cada vez mais frequentes pressões políticas pelo aumento do gasto público com obras e populismos fiscais, trazem um cenário desafiador, à medida que a impressão de dinheiro carrega consigo a volta da ameaça inflacionária e todas as suas repercussões negativas. O desequilíbrio orçamentário, materializado pelo constante desrespeito ao orçamento público, pode cobrar o seu preço. Dessa forma, fica a questão: será que o país voltará a cometer os mesmos erros do passado?



Glossário:


1- Base monetária: é o termo técnico em economia utilizado para representar a soma de todo o dinheiro em circulação na sociedade, podendo este em papel moeda ou em créditos bancários, como o PIX, ou saldo na conta bancária.


2- Coeficiente de Gini: é uma estatística demográfica que tem como objetivo metrificar a distribuição de renda em um país. Dessa forma, quanto maior o valor, mais desigual aquele país é, enquanto valores inferiores significam uma distribuição de renda mais igualitária.


3- Benesses tributárias: são isenções fiscais autorizadas pelo governo em relação a algumas empresas ou setores. Em suma, representa uma alíquota menor de algum imposto. Em 2021, estimou-se que o governo autorizou 351 bilhões de reais em benesses fiscais.


4- Plano Real: plano de estabilização financeira do Brasil, implementado em 1993-94, durante o governo de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, que foi capaz de pôr fim à hiperinflação brasileira.



Referências:


FERNANDES, Daniela. 4 dados que mostram por que Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, segundo relatório. Disponível em <<

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59557761>> Acesso em 04 de novembro de 2022.


GUERRA, Cadu; O Efeito Cantillon: o conceito econômico mais importante que você nunca ouviu falar. Disponível em << https://www.moneytimes.com.br/o-efeito-cantillon-o-conceito-economico-mais-importante-que-voce-nunca-ouviu-falar/>>. Acesso em 03 de novembro de 2022.



PACHECO, Carlos; O preço da imprudência: Como o Brasil chegou na hiperinflação. Disponível em: << https://www.consultingclub.com.br/post/o-preco-da-imprudencia-como-o-brasil-chegou-na-hiperinflacao#:~:text=No%20Brasil%2C%20o%20descontrole%20dos,nos%20anos%2070%20e%2080.>> Acesso em 03 de novembro de 2022


Commenti


bottom of page