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Kodak: do domínio à falência


Sendo a maior empresa de fotografia do século XX, é difícil encontrar alguém que não tenha em sua casa uma memória registrada em foto por uma câmera da Kodak. Entretanto, muitos não sabem o que levou essa marca, antes tão presente, a declarar falência e sumir do cotidiano dos que adoram fotografar momentos.


Da ideia à empresa


Em 1839, o pintor francês Louis Jacques Daguerre criou a primeira câmera fotográfica, chamada de daguerreótipo. Devido à invenção ter ocorrido em meio à Revolução Industrial, o cenário favorecia largamente a venda de fotografias, em razão do estabelecimento da cultura de consumo, além de se mostrarem como uma opção alternativa e mais barata às pinturas a óleo. Entretanto, o instrumento criado por Daguerre apresentava alguns problemas, como a fragilidade e a dificuldade de produzir cópias, evidenciando a necessidade de aperfeiçoamento.

Nesse sentido, as limitações apresentadas por Louis foram superadas em 1880 por George Eastman, então bancário nos Estados Unidos, que, após três anos de experimento, desenvolveu uma tecnologia própria de emulsão fotográfica, utilizando gel seco em papel. Ao perceber o potencial da descoberta, passou a vender rolos fotográficos para outros profissionais em Nova Iorque. O sucesso da ideia impressionou o empresário Henry Strong, que decidiu investir na ideia e, logo no ano seguinte, estabeleceu-se a parceria que viria a se chamar Eastman Kodak Company.

Em 1888, a primeira câmera portátil da marca foi lançada, com filme suficiente para 100 fotografias a um preço de 25 dólares, em valores da época. Comparativamente, em valores atuais, as novas câmeras reduziram o preço por imagem a apenas 8 dólares, enquanto que, com daguerreótipo, a média ficava em 140 dólares. Dessa forma, a inovação facilitou e barateou o trabalho dos fotógrafos, o que popularizou a tecnologia e deu início à dominância da empresa, tornando-a acessível para a maioria da população, estabelecendo sua liderança no mercado.


A criação de uma potência


A partir de então, a organização adotou o modelo comercial Razor/Razor Blade - em português, aparelho de barbear e lâmina. Esse nome tem origem na operação da Gillette, mas, atualmente, engloba qualquer prática de uma companhia que venda um produto único associado a um auxiliar, o qual o cliente precisa comprar repetidas vezes.


No caso da Kodak, essa estratégia se caracterizava pela venda de máquinas fotográficas com um preço baixo e, consequentemente, uma pequena margem de lucro, atraindo muitos consumidores. No entanto, após a compra do produto, os clientes precisavam adquirir acessórios para abastecer o aparelho com uma certa regularidade, como rolos de filmes e folhas de impressão. Assim, dado que não havia grandes concorrentes, gerava-se uma alta taxa de retorno e de fidelização, possibilitando uma alta margem de lucro nos produtos adicionais, os quais se tornaram sua principal fonte de receita.


Essa estratégia mostrou-se viável e rentável durante muitos anos, o que permitiu um investimento de milhões em pesquisa e desenvolvimento (P&D), se estabelecendo como uma marca inovadora no mercado. Então, em 1935, outro marco para a Kodak foi alcançado: o primeiro filme a cores produzido em massa, o Kodachrome, sendo vendido em diversas versões até 2009.


Assim, o modelo de negócios e os constantes lançamentos de produtos permitiram que, no final da década de 1970, a empresa dominasse 90% do mercado de filmes e 85% das vendas de câmeras nos Estados Unidos, segundo um estudo da Harvard Business School.



Advento da era digital


Em 1975, um engenheiro elétrico da Kodak, Steve Sasson, apresentou aos seus superiores a câmera digital, uma tecnologia que seria capaz de revolucionar a forma de operar da empresa, entretanto, diante de tanto sucesso, eles apresentaram resistência à ideia. Isso porque, naquela época, a evolução das câmeras digitais causaria grandes perdas monetárias à firma, uma vez que ela teria que fechar diversas fábricas que produziam seus filmes e alterar seu modelo comercial Razor/Razor Blade. Nesse sentido, a companhia tentou contornar a situação, alegando que a qualidade das máquinas analógicas era superior, e escolheu se manter fiel ao modelo de operação antigo. Dessa maneira, sua principal falha foi não prever que essa nova tecnologia causaria uma mudança profunda no mercado fotográfico, tornando- se o mais novo padrão de fotografia.


Assim, embora possuísse os recursos e o conhecimento necessários para explorar esse novo nicho, a Kodak manteve seu funcionamento focado na venda de rolos de filmes e papéis de impressão. Dessa forma, em 1996, ela investiu mais de US$ 500 milhões no lançamento de uma máquina, a Advantix Preview, que, apesar de mais tecnológica, ainda possuía o tradicionalismo dos filmes como forma de registro. Apesar do esforço em emplacar seu novo lançamento no mercado, o modelo não obteve êxito, uma vez que perdia-se a qualidade das imagens e a praticidade de não ter que revelar as fotos, gerando um grande prejuízo para a marca.



A queda


Ao longo dos anos 2000, a empresa viu o crescimento do mercado digital com certa passividade, enquanto seus concorrentes, como a Canon, a Sony e a Fujifilm, a ultrapassavam por terem investido nas inovações tecnológicas que o setor vinha oferecendo. Além disso, com a popularização dos smartphones, a situação piorou, levando-a a uma crise profunda de fluxo de caixa, o que comprometeu definitivamente seu funcionamento.


Ao perceber seu atraso no ramo, a Kodak iniciou tentativas de alcançar os concorrentes ao utilizar sua reserva de capital para adquirir pequenas empresas - como o site de fotografia digital online Ofoto - ao invés de investir no marketing de suas câmeras digitais, para superar os concorrentes já estabelecidos. Sem grandes progressos e reconhecendo a preferência do público por equipamentos modernos, em 2004, a organização declarou o fim das vendas de máquinas de filmes tradicionais. Como consequência, essa decisão tirou a função de aproximadamente 15 mil funcionários, cerca de 20% da força de trabalho da época. Sete anos depois, em setembro de 2011, após o The Wall Street Journal publicar que a companhia havia contratado os serviços da Jones Day, firma de advogados especializada em processos de reestruturação, suas ações sofreram uma queda sem precedentes de mais de 80%, atingindo o valor de US$ 0.54.



Diante desse panorama, a marca, já atormentada com a realidade que se aproximava, viu como uma possível solução processar grandes corporações, como Apple e Blackberry, pelo uso de suas patentes relacionadas a câmeras digitais e pré-visualização de imagens. Essa estratégia não teve sucesso e a companhia acabou vendendo seus direitos para marcas de renome, incluindo a própria Apple, por não conseguir o resultado esperado na justiça.


Cenário atual da empresa


Após uma sucessão de tentativas ineficazes de se reerguer, em 19 de janeiro de 2012, a Kodak decretou falência, conseguindo um auxílio de 950 milhões de dólares do CITIgroup, atualmente, a maior organização do ramo de serviços financeiros, segundo a Forbes.

Essa quantia permitiu que ela continuasse suas operações e pagasse suas dívidas, saindo do estado de falência em setembro de 2013. Entretanto, isso só foi possível mediante à venda de patentes e de diversas partes menores da empresa, cessando a comercialização de equipamentos digitais e focando apenas em acessórios e na impressão de fotos.


Após a falência, a organização tentou se aventurar em diversos mercados como farmacêutico, na área de captação de imagens, e o de tecnologias móveis, desenvolvendo desde acessórios de câmera para smartphones até TVs de LED de alta resolução. Contudo, nenhuma dessas tentativas teve um resultado expressivo e, atualmente, ela atua, majoritariamente, no setor de químicos e serviços gráficos para outras corporações. Enquanto isso, os filmes oficiais da marca são atualmente comercializados pela companhia britânica chamada Kodak Alaris, que se tornou co-proprietária do seu departamento de filmes como parte do acordo de falência.


Inesperadamente, em julho de 2020, a Kodak recebeu um empréstimo do governo americano de 765 milhões de dólares para estabelecer uma área farmacêutica de manufatura de ingredientes para medicações genéricas. Essa concessão estava intimamente ligada ao conhecimento sobre química da companhia, com mais de 100 anos de experiência. Contudo, houve uma reviravolta um mês depois, quando surgiram alegações de troca de informações confidenciais tanto do lado do governo quanto da empresa. Desde então, passados quase três anos, não se teve nenhuma notícia sobre o processo e o caso parece estar em aberto.


O que levar desse caso


Ficou claro que o futuro da marca ainda é incerto e resta esperar para ver quais serão seus próximos passos, mas, enquanto isso, há muito a aprender com a sua jornada até agora. Em seu livro “The Decision Loom”, Vince Barabba, líder de inteligência de mercado da Kodak em 1981, explica quatro capacidades essenciais para tomar decisões de negócios conscientemente.

  1. Ter uma mentalidade empreendedora aberta a mudanças: no caso da Kodak, foi possível perceber a dificuldade dos diretores de enxergar a possibilidade de transformação do negócio, desconsiderando a necessidade de substituição de câmeras analógicas por digitais.

  2. Pensar e agir de maneira holística: apesar de ter condições de se expandir para o novo mercado, a marca focou na atuação que já era bem estabelecida e deixou de aproveitar oportunidades que teriam sido muito mais lucrativas caso fosse feita uma análise geral do panorama da companhia e das tendências de mercado.

  3. Capacidade de adaptar o design do negócio a condições mutáveis: a resistência da empresa a alterar seu modelo comercial de Razor/Razor blade fez com que ela perdesse a chance de antecipar as necessidades de seus consumidores e assumir a liderança no setor de processamento de imagens digitais.

  4. Tomar decisões interativas utilizando uma variedade de métodos: apesar de ter tomado decisões estratégicas efetivas no passado, a Kodak falhou em analisar todas as informações, não interagindo adequadamente com o desenvolvedor da câmera digital, Steve Sasson.

Portanto, permanece a curiosidade de acompanhar o futuro da Kodak, empreendendo em novos setores, e fica como lição a necessidade de estar atento a mudanças e saber se adaptar conforme elas são estabelecidas.


Referências:


Gala, Paulo. “Ascensão E Queda Da Kodak No Mundo Da Destruição Criativa.” Money Times, 21 Mar. 2021, www.moneytimes.com.br/ascensao-e-queda-da-kodak-no-mundo-da-destruicao-criativa/ . Acesso em: 04 Abr. 2023.


“The Rise and Fall of Kodak.” PhotoSecrets, 29 Aug. 2012, www.photosecrets.com/the-rise-and-fall-of-kodak. Acesso em: 04 Abr. 2023.


“Kodak.” Www.kodak.com, www.kodak.com/en/company/page/george-eastman-history. Acesso em: 04 Abr. 2023.


Monica, Paul R. La. “Kodak: Death of an American Icon?” CNNMoney, 28 Sept. 2011, money.cnn.com/2011/09/28/technology/thebuzz/index.htm. Acesso em: 07 Abr 2023.


Mui, Chunka. “How Kodak Failed.” Forbes, 18 Jan. 2012, www.forbes.com/sites/chunkamui/2012/01/18/how-kodak-failed/?sh=39472c536f27. Acesso em: 04 Abr. 2023.


Paulo. “A História Da Fotografia: Como Tudo Começou.” Instaarts, 13 July 2020, instaarts.com/fotografia/a-historia-da-fotografia-como-tudo-comecou/. Acesso em: 04 Abr. 2023.


Pereira, Renata Gonçalves. “Câmera Fotográfica - História, Origem, Evolução E Como Funciona.” Segredos Do Mundo, 17 Feb. 2021, segredosdomundo.r7.com/camera-fotografica-como-funciona/ Acesso em: 04 Abr. 2023.


Taneja, Yash. “Why Did Kodak Fail? | Kodak Bankruptcy Case Study | Reason behind Kodak’s Failure.” StartupTalky, 13 Sept. 2021, startuptalky.com/kodak-bankruptcy-case-study/#Kodak-Why_did_Kodak_Fail? Acesso em: 04 Abr. 2023.


Tristan, David. “On This Date: Kodak Declares Bankruptcy, 10 Years Later.” ABC27, 19 Jan. 2022, www.abc27.com/digital-originals/on-this-date-kodak-declares-bankruptcy-10-years-later/.Acesso em: 04 Abr. 2023.



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