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Noruega: Qual o segredo por trás do país?



Surpreendentemente, um país com menos de 6 milhões de habitantes, localizado em uma das regiões mais frias do planeta, apresenta o segundo melhor Índice de Desenvolvimento Humano1 (IDH). Até a metade do século XX, a Noruega era pouco industrializada e majoritariamente agrícola, mas algumas descobertas no território e um bom planejamento do Estado alavancaram o desenvolvimento econômico e social do antigo território dos vikings.


O contexto histórico


A história da Península Escandinava2 é bem antiga e se iniciou há cerca de 12 mil anos com povos de pescadores e de caçadores que se estabeleceram no sul do território. Ao longo dos anos, a população local se desenvolveu devido ao progresso da agricultura e à intensificação da pesca e do comércio com populações além do Mar do Norte3. Além disso, saques vikings, guerras, uniões e desentendimentos com a Suécia e Dinamarca, os quais levaram a independência da Noruega, são outros fatores que marcaram a trajetória da região.


Apesar desse período com grandes transformações, os fatores cruciais que permitiram o desenvolvimento norueguês se iniciaram apenas no século XX. Em 1905, a Noruega conquistou a independência territorial e política, dando início, assim, a sua industrialização. Nesse período, foram priorizadas as indústrias de papel e de manufatura, entretanto, os setores da agricultura e da pesca continuaram sendo os principais motores econômicos, pois apenas uma pequena parcela da população morava nas cidades.


Ao longo da Primeira Guerra Mundial,a indústria naval, aquela que viria a ser uma das principais do país, começou a ganhar destaque com um crescimento da venda de diversos navios. Mesmo com esse pequeno “boom” econômico, o cenário não era muito animador, pois o país era extremamente dependente da situação financeira de seus parceiros comerciais e qualquer crise que afetasse seus compradores era diretamente refletida no crescimento econômico.


Alguns anos depois, durante a Segunda Guerra Mundial, o país foi invadido e dominado pelas tropas da Alemanha Nazista, culminando na fuga da Família Real e alguns membros do governo para a Inglaterra. Consequentemente, a nação passou, novamente, por um período conturbado economicamente, coordenando esforços inteiramente para a expulsão dos alemães da terra nórdica.

Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, além de receber investimentos norte-americanos do Plano Marshall4, o país escandinavo experienciou um crescimento econômico causado pela maior estabilidade política da Europa. Esse contexto permitiu a retomada das negociações comerciais de embarcações, frutos-do-mar e outros produtos de menor participação no mercado interno.


O descobrimento de petróleo e gás


Motivado pelo descobrimento de reservas de gás natural na Holanda, em 1960, e pelo início da procura inglesa por fontes de petróleo e gás, em 1965, o governo norueguês concedeu licenças para que diversas empresas procurassem por poços desses recursos no Mar do Norte. Após 4 anos de busca, a empresa Philips Petroleum encontrou o primeiro poço de petróleo da região. Diferentemente de outros países, a Noruega foi extremamente estratégica na exploração dessas fontes de energia não renováveis, o que culminou para o máximo aproveitamento financeiro a longo prazo dessas commodities5. Essa estratégia conservadora foi bem sucedida em função de alguns aspectos:


  1. Planejamento exploratório: o governo elaborou um marco regulatório e um modelo de exploração para definir as diretrizes necessárias para a atividade petrolífera, antes de iniciar qualquer atividade de extração desses recursos.


  1. Fundação da Statoil: foi criada uma empresa estatal para que a Noruega se consolidasse nesse mercado estratégico e, dessa forma, conseguisse maiores retornos financeiros para os cofres públicos. Como medida para não lesar a competição no setor de energia, a Statoil só teria, no máximo, 25% das novas licitações.


  1. Agência Reguladora: a Direção de Petróleo Norueguês tinha o objetivo de garantir um ambiente competitivo entre empresas nacionais e internacionais, a fim de evitar monopólios que favorecessem casos de corrupção. Assim, já que no início da exploração as empresas norueguesas tinham menor expertise, a agência garantiu às companhias nacionais pelo menos 50% de participação nas operações de petróleo até que elas conseguissem competir com o mercado internacional.


Essas medidas foram fundamentais para a preparação de um cenário propício para a exploração desses combustíveis fósseis. Por outro lado, por exemplo, o caso brasileiro demonstra os malefícios de um monopólio para o mercado nacional, uma vez que a exclusividade da Petrobras criou um cenário favorável à corrupção e ao não desenvolvimento tecnológico da empresa pela baixa competitividade dentro do setor.


O Fundo Soberano


Após o descobrimento dos poços de petróleo e gás, o governo norueguês se encontrava em uma posição delicada, pois, ainda que tivesse adotado um modelo de exploração cauteloso, era esperado que um dia esses recursos energéticos acabassem. Assim, em 1990, o parlamento criou o Fundo Estatal de Pensões, com o objetivo de gerir os lucros obtidos com o petróleo e o gás, garantindo o desenvolvimento econômico das atuais e futuras gerações do país.


A estratégia do Norge Bank Investment, banco estatal norueguês responsável pela gestão do Fundo Soberano, visa a diversificação da carteira, a fim de reduzir os riscos desses investimentos. Essa variedade é comprovada com os investimentos em ações de mais de 9 mil empresas, as quais estão espalhadas por mais de 70 países. Além disso, outro plano adotado pelo gestor do fundo é o equilíbrio na divisão do portfólio de investimentos entre renda fixa e variável, que assegura ao fundo uma garantia de preservação do capital. Sendo assim, com um plano de investimento bem estruturado, aliado ao contínuo recebimento dos lucros advindos do setor de óleo e gás, o país conseguiu um crescimento extraordinário, atingindo a marca de 1 trilhão de dólares investidos em setembro de 2017.


Nesse sentido, no curto e médio prazo, o governo consegue mais uma fonte de arrecadação, destinando aos cofres públicos somente os retornos positivos anuais projetados dos investimentos e, reinvestindo no fundo, aqueles valores maiores que o previsto. Dessa forma, no longo prazo, a Noruega já estaria preparada para o cenário de esgotamento das fontes de recursos energéticos e, com isso, não enfrentaria grandes dificuldades nessa transição. No entanto, somente extensas fontes de recursos naturais e um bom plano econômico não são suficientes para explicar o sucesso norueguês.


O Estado e a cultura Atualmente, não só a Noruega, mas todos os países da Escandinávia são caracterizados pelo Estado de bem-estar social. Nesse modelo, o governo tem uma forte atuação na sociedade, oferecendo à população saúde, educação, seguridade social, habitação e diversos outros benefícios. Contudo, essas garantias são bancadas pela população a partir de impostos altíssimos, os quais compuseram cerca de 42,8% do PIB nacional em 2022. A exemplo de comparação, no Brasil, a carga tributária representou 35,13% do PIB no mesmo ano, entretanto, sem a mesma qualidade dos serviços ofertados no modelo nórdico.


Tendo isso em vista, além do desenvolvimento econômico impulsionado pela exploração de petróleo e gás, o país teve um desenvolvimento social orgânico. A Noruega se baseia firmemente em um modelo de valores de equidade e igualdade de direitos e, dessa forma, todas as classes têm acesso aos benefícios sociais, permitindo o país figurar entre os maiores IDHs do mundo.

Outro fator fundamental para a prosperidade nacional é a cultura e o senso de comunidade de grande parte do povo norueguês. Por ser um país com uma parcela significativa da população morando em cidades de pequeno e médio porte, as pessoas possuem uma mentalidade muito voltada para o coletivo e para a comunidade local, com ações que visam a melhoria da qualidade de vida de gerações futuras. Nesse sentido, ações de voluntariado que visam o benefício geral são bastante comuns e valorizadas. Dois exemplos que demonstram essa participação são os casos de cidades menores, nas quais os vereadores não recebem nenhum salário para trabalhar e também de pais que conduzem aulas extracurriculares de atividades físicas ou em grupo, como de futebol, música e artes sem nenhum retorno financeiro.


Em suma, essa noção coletiva de pertencimento, colaboração e retribuição é o que move as pessoas e as sociedades, ao longo da história, para as transformações mais relevantes de uma nação.

O que esperar dos próximos anos


Fica evidente, portanto, que a Noruega teve uma longa trajetória, a qual pode ser explicada pela conjuntura de fatores econômicos, políticos e culturais, até se estabelecer como um dos países mais desenvolvidos do mundo. Contudo, ainda que tenha mecanismos que garantam uma grande estabilidade financeira, algumas questões têm ameaçado o cenário de conforto e segurança da nação nos últimos anos.


Em razão da crise de fornecimento do gás russo, desde 2022 a Noruega tem enfrentado elevados índices de inflação. Além disso, outra preocupação é o envelhecimento da população e as baixas taxas de natalidade, que colocam o país numa posição de estagnação econômica por falta de mão de obra. Desse modo, será que a Noruega vai manter o seu desempenho econômico e social das últimas décadas?



Glossário:


  1. Índice de desenvolvimento humano: Unidade de medida utilizada para aferir o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade nos quesitos de educação, saúde e renda. Normalmente esse índice é utilizado como contraponto ao Produto Interno Bruto de um país.

  2. Península Escandinava: Região localizada no norte da Europa, formada pela Noruega, Suécia e Finlândia.

  3. Mar do Norte: Mar do Oceano Atlântico localizado entre as costas da Noruega e da Dinamarca.

  4. Plano Marshall: Plano de ajuda financeira dos Estados Unidos aos países europeus aliados para a reconstrução da Europa no pós-Segunda Guerra Mundial.

  5. Commodities: Bens de consumo, divididos em agrícolas, minerais, ambientais e financeiros comercializados em todo mundo na bolsa de valores.


Referências KUHNLE, Stein; E. O. HORT, Sven ; ALESTALO, Matti. LIÇÕES DO MODELO NÓRDICO DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL E GOVERNANÇA CONSENSUAL. Revista Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, v. 3, n. 1, p. 37–52, 2019.


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