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O efeito Shein e a tendência da ultra fast fashion



Nos últimos anos, o popular modelo de fast fashion - fabricação de peças que remetem à alta costura, porém com um menor custo para o consumidor e um tempo de uso reduzido - vem sendo substituído por uma nova vertente: o ultra fast fashion, na qual os produtos possuem durabilidade e preço ainda inferiores. Desse modo, as práticas de produção de marcas famosas, como Zara e H&M, são levadas ao extremo, incentivando um padrão de consumo muito acelerado e de baixo custo, com modas exageradamente passageiras. Em meio a esse novo cenário, a Shein, uma gigante e ambiciosa empresa chinesa de moda e estilo de vida, vem se destacando ao adicionar cerca de 2000 produtos por dia em seu catálogo, virando uma das marcas preferidas entre os milhões de consumidores desse novo modelo.


Com o crescimento da cultura do consumo imediatista e volátil, empresas como a Shein tendem a expandir de forma extremamente acelerada, principalmente devido aos baixos preços ofertados, que conquistam cada vez mais compradores. Contudo, uma grande questão surge nesse novo cenário da indústria da moda: quem paga o preço desses produtos extremamente baratos?



O domínio da gigante do ultra fast fashion


Para compreender o sucesso e os impactos dessa nova tendência, é importante entender a origem da Shein e o motivo de seu crescimento acelerado, principalmente quando comparado a grandes nomes do fast fashion. Nesse sentido, a empresa foi fundada na China em 2012 pelo empresário e especialista em marketing Chris Xu. Contudo, a varejista só começou a demonstrar o enorme sucesso observado hoje nos últimos três anos, especialmente devido à popularização das compras online.


Tendo como público alvo principal a geração Z¹, a companhia alcançou seu sucesso com uma enorme presença nas redes sociais, principalmente no TikTok, e parcerias com influenciadores e celebridades, como a Anitta e a Katy Perry, aumentando a sua visibilidade. Ademais, outros aspectos muito importantes são a agilidade e a variedade da empresa chinesa, que deixam muito para trás os seus competidores, que antes lideravam o mercado da moda rápida, destacando a diferença entre o tradicional fast fashion e o novo ultra fast fashion.


Disponibilizando uma série de micro coleções todos os dias por um preço acessível que faz seus consumidores aceitarem a baixa qualidade do produto, a Shein conquistou o coração de clientes em mais de 150 países. Sendo assim, com uma estratégia de negócio aparentemente simples, a empresa cresceu de forma surpreendente e, atualmente, é avaliada em mais de US$ 100 bilhões, estando entre as três startups mais valiosas do mundo, atrás apenas da ByteDance, dona do TikTok, e da SpaceX, companhia de viagens espaciais do Elon Musk.


Baixos preços, altos custos


Não é novidade alguma que diversas indústrias possuem um impacto extremamente negativo no meio ambiente, contudo, é estimado que o setor têxtil seja responsável sozinho por, pelo menos, 8% das emissões mundiais de gases de efeito estufa e por 20% da poluição industrial das águas residuais, estando, assim, entre os setores mais poluentes no mundo. A partir disso, com o fortalecimento das marcas de fast e ultra fast fashion, esse cenário tende apenas a piorar, devido aos produtos de baixa durabilidade, que podem chegar até a serem utilizados uma única vez.


Atualmente, as peças de fast fashion são usadas, em média, 5 vezes pelos consumidores antes de serem descartadas, em comparação às roupas de marcas slow fashion², utilizadas cerca de 50 vezes. Com isso, a produção total de roupas vem aumentando nas últimas décadas, com uma fabricação anual estimada entre 100 e 150 bilhões de peças por ano mundialmente.

Outro ponto extremamente relevante para a menor utilização de cada peça são as curtas tendências, que entram e saem de moda rapidamente, com dezenas de coleções diferentes surgindo ao longo do ano. Essa questão é potencializada pelas redes sociais, principalmente o TikTok - extremamente popular entre a geração Z -, visto que as trends³ do aplicativo viralizam por um período curto e são logo substituídas por uma outra novidade. Assim, provoca-se uma urgência e desejo nas pessoas de estar constantemente renovando o seu guarda-roupa para poderem participar e se encaixar nas tendências do aplicativo.


Entre algumas das práticas dos usuários do TikTok que incentivam um maior consumo, está o shopping haul, vídeo compartilhando diversas peças de roupas compradas em determinada ocasião. A hashtag “sheinhaul”, por exemplo, em que consumidores compartilham diversas peças compradas na loja virtual, possui mais de 7 bilhões de visualizações. Além disso, a famosa trend do “Arrume-se comigo”, incentiva a compra de um maior número de roupas para ter uma variedade de combinações montadas e, assim, evitar repetir as mesmas peças em diferentes vídeos. Nesse contexto, a Shein e outras empresas do ramo tornam-se ótimas opções para seguir a moda por um preço acessível.


Além da menor qualidade dos produtos, o uso de tecidos sintéticos, que são mais baratos, para reduzir o custo é extremamente danoso à natureza, à medida que a sua decomposição dura séculos. O poliéster, plástico que demora em torno de 200 anos para se degradar, é a fibra têxtil mais utilizada pelo mercado de fast fashion, demonstrando um enorme problema, principalmente, quando a maior parte dos produtos é descartada dentro dos primeiros anos após sua produção.

A verdade por trás das peças


Além de todos os prejuízos ao meio ambiente, uma outra grande questão com empresas como a Shein é o impacto social. Para alcançar os preços mais baixos do mercado, não é possível depender apenas de matéria prima mais barata e da baixa qualidade do produto, então, um passo essencial é reduzir os custos com a mão de obra. Entretanto, quando levada ao extremo, essa prática chega ao ponto de violar os direitos humanos e explorar milhares de trabalhadores, que podem chegar a receber apenas alguns centavos por peça produzida.


Portanto, esse problema tem sido cada vez mais recorrente, principalmente na indústria da moda rápida, que não exige mão de obra muito qualificada e que, devido à facilidade de obter os equipamentos e montar uma fábrica em diferentes lugares, permite uma menor transparência a respeito delas. Nesse sentido, grandes fabricantes, como a Zara, já foram flagrados com trabalhadores em situação análoga à escravidão, com jornadas de mais de 16 horas por dia, condições degradantes e pagamentos extremamente baixos. A própria Shein já foi acusada de práticas similares, sendo a mais recente de uma fábrica chinesa com funcionários sem contratos, trabalhando 75 horas por semana e com apenas um dia de folga por mês, além de condições insalubres e pouco seguras.


Apesar de diversas denúncias e pedidos de explicação, a varejista alega que promove salários justos e acima da média do mercado para seus trabalhadores, mas, continua fornecendo pouca transparência sobre as condições de trabalho nas fábricas, deixando muitas dúvidas sobre o quanto seus pronunciamentos trazem de verdade. Entre as diversas manifestações sobre a situação, estão os vídeos com a hashtag “boycottshein”, que buscam expor as ações da empresa e promover uma tentativa de boicote. Todavia, mesmo com esse preocupante cenário e as tentativas de maior conscientização sobre o assunto nos últimos anos, as condições precárias da mão de obra não parecem ser o suficiente para derrubar o império da moda rápida, que continua fazendo sucesso entre os consumidores.


Democratização do acesso à moda


Apesar de todos os efeitos negativos gerados por empresas como a Shein, uma coisa é inegável: cada vez mais pessoas podem participar das novas tendências do mundo da moda. Com peças de R$15 ou menos, a gigante chinesa abre portas para que consumidores de menor poder aquisitivo possam ter acesso a uma enorme variedade de roupas, acessórios, sapatos e outros produtos que antes exigiriam um alto investimento.


Um dos principais objetivos, segundo a própria marca, é tornar a beleza acessível a todos, permitindo que as pessoas consigam encontrar, em seu extenso catálogo, peças que não encontrariam antes com tanta facilidade e, muito menos, com os preços oferecidos pela companhia. Além disso, a Shein fornece uma vasta gama de opções para as minorias que têm dificuldade de encontrar peças para seu corpo, tendo, inclusive, uma linha com milhares de produtos e coleções plus size⁴, promovendo maior inclusão no mundo fashion. Dessa maneira, em diversos países, a Shein é responsável por essa democratização, sendo uma das poucas alternativas para muitas pessoas encontrarem peças estilosas, que seguem as tendências do momento a um preço acessível e com tamanhos variados.



O futuro da indústria


O crescimento do ultra fast fashion e de empresas como a Shein parece certo para os próximos anos, porém, seguindo os padrões atuais, esses modelos se mostram insustentáveis a longo prazo. Nesse cenário, outras tendências como a ecofashion (produção que preza pela preservação socioambiental) e a slow fashion prometem crescer como soluções para os impactos sociais e ambientais da moda rápida. Entretanto, essas vertentes tendem a ser mais exclusivas, com produtos mais caros, devido ao menor impacto ambiental e social e ao maior cuidado com o produto. Sendo assim, uma importante questão a ser resolvida é: como reduzir os efeitos negativos do fast fashion, mas, ao mesmo tempo, manter sua democratização e inclusão?


Diante disso, empresas de ambos os lados devem, cada vez mais, encontrar um equilíbrio entre os extremos para que possam obter maior sucesso dentro da indústria. A gigante chinesa, por sua vez, já sentiu a pressão, principalmente em relação a sua busca por um IPO⁵ nos Estados Unidos, que exige uma maior transparência sobre sua produção, e começou a dar os primeiros passos em direção à sustentabilidade. Sendo assim, a empresa divulgou recentemente que planeja reduzir 25% das emissões totais até 2030 e aumentar os investimentos dedicados a isso, buscando melhorar a imagem da marca no assunto ESG⁶ e proteger seu lugar no mercado. Porém, diante dessa situação, uma dúvida permanece entre o público: será que as promessas da Shein, assim como seus produtos, são pautadas apenas por uma imagem passageira, sendo rapidamente esquecidas pela empresa?



Glossário:


1. Geração Z: Pessoas nascidas entre 1990 e 2010.


2. Slow fashion: Modelo de produção que se opõe à produção em larga escala de peças com baixo tempo de vida e que promove um consumo mais consciente.


3. Trends: Tendências de criação de conteúdo nas redes sociais que atingem um pico de popularidade por determinado tempo.


4. Plus size: Originado do inglês para definir “tamanhos maiores”, ou seja, peças com modelos acima do padrão da indústria.


5. IPO: Initial Public Offering ou, em português, Oferta Pública Inicial, consiste no processo de abertura de capital de uma empresa, ou seja, ela passa a ter ações negociadas na bolsa de valores.


6. ESG: A sigla para Environmental, Social and Governance refere-se a ações de sustentabilidade, dentro das esferas ambiental, social e de governança corporativa colocados em prática e metrificados pelas empresas.



Referências:


75-hour weeks for Shein: Public Eye looks behind the Chinese onli... Disponível em: <https://www.publiceye.ch/en/media-corner/press-releases/detail/75-hour-weeks-for-shein-public-eye-looks-behind-the-chinese-online-fashion-giants-glitzy-front>. Acesso em: 24 out. 2022.


A Shein consegue ser gigante, barata e sustentável ao mesmo tempo? Disponível em: <https://exame.com/esg/a-shein-consegue-ser-gigante-barata-e-sustentavel-ao-mesmo-tempo/>. Acesso em: 17 out. 2022.


CURRY, D. Shein Revenue and Usage Statistics (2022). Disponível em: <https://www.businessofapps.com/data/shein-statistics/>. Acesso em: 24 out. 2022.

Do hype aos bilhões: como a chinesa Shein superou gigantes da moda como a Zara e agora quer abrir capital nos EUA - Seu Dinheiro. Disponível em: <https://www.seudinheiro.com/2022/bolsa-dolar/do-hype-aos-bilhes-como-chinesa-shein-superou-gigantes-da-moda-como-zara-quer-abrir-capital-nos-eua-acnn/>. Acesso em: 17 out. 2022.


INGRIDOLIVEIRA. Roupas descartáveis: novo padrão de consumo na era do “ultra fast fashion”. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/estilo/roupas-descartaveis-novo-padrao-de-consumo-na-era-do-ultra-fast-fashion/>. Acesso em: 24 out. 2022.


LABDICASJORNALISMO.COM; LABDICASJORNALISMO.COM. A democratização do acesso à moda e as fast fashions. Disponível em: <https://labdicasjornalismo.com/noticia/11396/a-democratizacao-do-acesso-a-moda-e-as-fast-fashions>. Acesso em: 24 out. 2022.


MARCI, K. Decoding the ultra fast SHEIN business model | EDITED | Retail Intelligence. Disponível em: <https://blog.edited.com/blog/shein-business-model>. Acesso em: 24 out. 2022.


MARCIA. Indústria da moda e poluição ambiental. Disponível em: <https://grupoqualityambiental.com.br/2021/09/05/industria-da-moda-e-poluicao-ambiental/>. Acesso em: 24 out. 2022.


NUNES, T. Gucci, Burberry e mais: marcas de luxo investem alto no mercado de usados e vintage. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/estilo/a-expansao-do-vintage-na-moda-e-no-luxo-a-venda-de-pecas-usadas-so-cresce/>. Acesso em: 24 out. 2022.


Por que o crescimento vertiginoso da Shein não é uma boa notícia // FFW. Disponível em: <https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/por-que-o-crescimento-vertiginoso-da-shein-nao-e-uma-boa-noticia/>. Acesso em: 17 out. 2022.


REDAÇÃO. Shein quer provar que fast fashion pode ser sustentável e planeja reduzir 25% das emissões até 2030. Disponível em: <https://www.biznews.com.br/shein-quer-provar-que-fast-fashion-pode-ser-sustentavel-e-planeja-reduzir-25-das-emissoes-ate-2030/>. Acesso em: 24 out. 2022.


REMY, N.; SPEELMAN, E.; SWARTZ, S. Style that’s sustainable: A new fast-fashion formula | McKinsey. Disponível em: <https://www.mckinsey.com/capabilities/sustainability/our-insights/style-thats-sustainable-a-new-fast-fashion-formula>. Acesso em: 24 out. 2022.


Tempo de decomposição dos materiais - Ecoplus. Disponível em: <https://www.ecoplus.ind.br/tempo-de-decomposicao-dos-materiais/>. Acesso em: 27 out. 2022.


VERA, I. Império do “fast fashion” segue firme e forte, mas está detonando planeta. Disponível em: <https://www.bloomberglinea.com.br/2022/01/29/imperio-do-fast-fashion-segue-firme-e-forte-mas-esta-detonando-planeta/>. Acesso em: 24 out. 2022.




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