Tentar a sorte. Essa é a concepção da grande maioria dos indivíduos ao participar dos famosos esquemas de pirâmide. Apesar de ser uma prática econômica ilegal em inúmeros países, inclusive no Brasil, esse golpe, disfarçado de oportunidade de rápido enriquencimento, torna essa atividade ainda comum no cenário contemporâneo. Para entender o porquê dessa ilegalidade, é necessário, primeiramente, compreender o funcionamento do esquema, desde a formação da pirâmide, com o seu faraó, até a última camada de súditos.
O que é um esquema de pirâmide?
O esquema de pirâmide pode ser definido como uma estratégia que utiliza da entrada constante de novos investidores - os quais pagam uma taxa de ingresso -, para se sustentar e expandir. O incentivo para a entrada desses novos membros é a promessa de um retorno acima do mercado e rápido por meio do investimento inicial em um produto ou serviço supostamente inovador que, na maioria das vezes, é inexistente. Então, a pirâmide só se torna sustentável enquanto houver, constantemente, novos entrantes, dos quais os aportes são utilizados para pagar os integrantes mais antigos. Isso gera uma demanda por uma expansão infinita, que é a causa do colapso piramidal.
As vítimas do golpe são, usualmente, inseridas no esquema a partir de recomendações do tipo “boca a boca”, se ramificando cada vez mais e estruturando, assim, uma espécie de pirâmide. Além disso, tem se tornado cada vez mais comum, no mundo tecnológico atual, a utilização das redes sociais para a divulgação desse golpe. Com isso, é possível atingir ainda mais pessoas que possuam interesse em ganhar dinheiro investindo, ou seja, mais indivíduos entram no esquema.
Como as pirâmides se estruturam
Mas o que torna uma pirâmide ilegal? O crime acontece a partir do momento em que é prometida uma remuneração alta mediante a entrada de novos investidores. Nesse sentido, a promessa de lucro em si não é ilícita, mas sim a forma de pagamento utilizada pelo esquema. Por exemplo, se um indivíduo possui uma empresa e promete um lucro de 10% ao mês, o que é uma taxa bem acima da média do mercado, pode sim indicar um possível esquema de pirâmide, caso esse retorno só seja possível a partir de novos aportes.
Um dos motivos pelos quais as pirâmides são frágeis e insustentáveis é a crescente quantidade de pessoas investindo no golpe. Para exemplificar, pode-se pensar em um caso de dois indivíduos que resolvem começar um esquema - popularmente chamados de faraós. Eles elaboram um plano de ação escolhendo um produto não tão conhecido pelo público em geral para a criação da empresa e, em seguida, vão em busca de seus súditos, fazendo promessas irreais de retorno. Desse modo, conseguem atrair, por exemplo, 6 pessoas cada, que, propagando a mesma falácia, replicam o processo. Depois de certo tempo, o negócio fica insustentável e colapsa, uma vez que há um aumento crescente das camadas base da pirâmide, tornando impossível a remuneração de todos os participantes. Dessa forma, o valor pago pelos novos entrantes não é suficiente para que a comissão recebida por indicar alguém seja maior que o seu respectivo valor de entrada.
Apesar desse colapso significar o fim do esquema, as camadas da pirâmide são impactadas de formas distintas. O topo, composto pelos primeiros membros do empreendimento, não é tão prejudicado, porque é possível recuperar os investimentos iniciais feitos. Por outro lado, a base piramidal é a mais impactada, uma vez que não se consegue obter indicações a ponto da comissão ser condizente com o investimento feito inicialmente por esse segmento.
O outro motivo que explica a fragilidade e insustentabilidade das pirâmides é a exploração da falta de educação financeira de muitos participantes do esquema. Isso porque, ao escolherem negócios que os futuros entrantes da pirâmide não têm muito conhecimento sobre - como, por exemplo, criptomoedas e robôs da Nasa de opções binárias -, a promessa de um retorno exuberante se torna mais crível. Dessa maneira, a pirâmide é capaz de elaborar uma fachada tentadora que atrai milhares de vítimas. A partir do momento que uma pessoa que tem um pouco mais de conhecimento sobre o assunto averigua a situação, o esquema é descoberto, o que demonstra sua fragilidade. Infelizmente, nem sempre a fraude é identificada imediatamente, causando muitos impactos antes de seu fim.
Como a primeira pirâmide financeira surgiu?
Assim como diversos imigrantes em 1900, o italiano Charles Ponzi foi tentar a sorte na América do Norte. Com muita ambição e desejo por sucesso, ele se mudou para o Canadá, onde começou a trabalhar no Banco Zarossi. A logística dessa companhia possibilitou que Ponzi aprendesse sobre esquemas financeiros, por meio de lições que, futuramente, o auxiliariam na elaboração da primeira pirâmide da história.
O crescimento repentino e sem nenhuma forma de sustentabilidade, em conjunto com a promessa de um retorno de juros acima do mercado, foram responsáveis pelo fim do banco, além de aumentarem o aprendizado do italiano acerca das artimanhas no mundo dos negócios.
Em decorrência da combinação desses dois fatores, iniciou-se um círculo vicioso no qual o investimento do cliente mais recente era utilizado parcialmente para pagar os juros dos participantes mais antigos. A partir do momento que, por questões demográficas, a quantidade de novos entrantes não pôde continuar crescendo gradativamente, tornou-se impossível pagar todos os membros. Consequentemente, houve o colapso de Zarossi, e Charles foi preso por falsificação de cheques bancários.
Após duas prisões por fraude, o italiano foi para Boston tentar lançar o seu primeiro empreendimento honesto, com um catálogo sobre negócios internacionais, a fim de obter retorno com publicidade. Apesar das revistas não terem feito grande sucesso, uma companhia espanhola se interessou pela ideia e resolveu investir na criação de Ponzi. Juntando o capital aos conhecimentos do italiano acerca do mundo dos negócios, criou-se, então, a sua empresa Old Colony Foreign Exchange Company. Para potencializar ainda mais seus lucros, Charles foi em busca de investidores. Colocando todos os seus conhecimentos adquiridos no Canadá em prática, prometeu um retorno fácil e rápido, além da confiança de que o investimento certamente traria resultados positivos.
Assim como no banco Zarossi, o italiano utilizava o investimento dos novos clientes para quitar suas obrigações mais antigas, gerando um negócio insustentável. Essa situação se manteve por menos de 1 ano, até o final de 1920, quando um corretor que fazia parte da pirâmide entrou com uma ação judicial para recuperar uma dívida de empréstimo, ocasionando um bloqueio das atividades do que ficou popularmente conhecido como “Esquema Ponzi”. Consequentemente, o banqueiro não conseguiu se recuperar e pagar todos os seus investidores, levando à sua terceira prisão.
Pirâmides do Brasil
O Brasil possui um histórico considerável com pirâmides financeiras, as quais fizeram inúmeras vítimas ao longo dos anos. A CVM - Comissão de Valores Mobiliários - tem recebido um crescente número de reclamações de empresas que supostamente não estão regularizadas, ou seja, registradas na autarquia, que podem caracterizar-se por se tratarem de um esquema de pirâmide.
Além disso, a forma pela qual essa suposta oferta de investimento é feita mostra-se extremamente informal e com perdas altas, como demonstrado na pesquisa feita pelo CVM de fraudes financeiras, também entre 2014 a 2019.
Nesse contexto, alguns exemplos marcaram o povo brasileiro justamente pela quantidade de vítimas e pelo prejuízo que geraram:
Caso Fazendas Boi Gordo
O caso de extrema popularidade nos anos 90 foi o das Fazendas Boi Gordo, um suposto investimento em criação de gado que prometia um lucro de mais de 40% em menos de dois anos. O negócio utilizou propagandas apresentadas nos intervalos da novela “Rei do Gado” na Rede Globo como estratégia para alcançar novos investidores, o que alavancou o número de participantes nesse esquema. Essa novela específica era utilizada já que retratava a vida de um homem, interpretado por Antônio Fagundes, que fez fortuna com o seu negócio de produção de gado, ganhando o título de “rei do gado”, que era justamente a proposta das Fazendas Boi Gordo.
Apesar dos donos da companhia possuírem realmente fazendas de engorda de animais, ao invés de utilizarem os investimentos para cuidar do gado e torná-los próprios para a venda ou abate, uma vez que o preço do boi gordo é definido pelo peso da carcaça, o capital servia para comprar mais hectares. Isso ocorria de modo a enriquecer cada vez mais o proprietário ou para pagar os investidores mais antigos, criando um cenário insustentável em que os bois não estavam sendo criados, mas sim vendidos, perdendo, assim, a oportunidade de utilizá-los para reprodução ou engorda. Dessa forma, foi se formando uma bolha que, em algum momento, iria estourar, o que de fato aconteceu.
Em 2004, a pirâmide colapsou, com um prejuízo de cerca de 2,5 bilhões de reais e em torno de 30 mil vítimas. Esse caso se tornou conhecido principalmente pela quantidade de famosos envolvidos nesse golpe, como o ator Antônio Fagundes, o próprio garoto propaganda do esquema, e a atriz Marisa Orth.
Caso Telexfree
Considerado pelo Ministério da Justiça como uma das maiores fraudes financeiras no Brasil, a empresa Telexfree, com sede nos Estados Unidos, fazia a promessa de lucros por meio de ligações eletrônicas pela internet. O negócio se caracterizou como um esquema de pirâmide, uma vez que os interessados tinham que pagar uma taxa de entrada e recebiam comissões mediante a quantidade de novos divulgadores que conseguissem cativar para o negócio.
Em 2014, a companhia iniciou o processo de falência, e foram contabilizadas cerca de 2 milhões de vítimas do golpe. A justiça do Acre condenou o pagamento de uma indenização de 3 milhões de reais por danos coletivos, além de devolver o capital investido pelos divulgadores. Ademais, a justiça norte-americana definiu a prisão dos sócios da Telexfree. Até esse ano, as indenizações ainda não foram pagas em sua totalidade.
É importante salientar que, nos dois casos abordados, o produto ou serviço escolhido pelos faraós das pirâmides foi justamente algo que o povo brasileiro não possuía muito conhecimento sobre, o que contribuiu para que o golpe fosse mais eficaz.
Pirâmide na atualidade
Em 2021, além de ponto turístico, Cabo Frio ganhou um outro título na boca do povo: Novo Egito. O local era sede de um grande esquema de pirâmide de criptomoedas, avaliado em cerca de 6 bilhões de euros.
Entre 2015 e 2021, Glaidson Acácio, o qual ficou conhecido posteriormente como “faraó das bitcoins”, por meio de sua empresa G.A.S Consulting & Technology, operou um esquema de pirâmide em compra de bitcoins, com a promessa de um lucro de 10% ao mês. A companhia, apesar de possuir sua sede em Cabo Frio, operava em 7 países, entre eles: Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e Portugal, somando pelo menos 27 mil vítimas.
O impacto do aumento repentino no investimento em bitcoins foi tão exorbitante que o comércio do Real na maior bolsa de criptomoedas mundial, a Binance, foi de 152 milhões de dólares no quarto bimestre de 2020 para cerca de 8,5 bilhões no ano seguinte. Por fim, depois que todo o esquema foi descoberto pela Operação Kriptos¹, o “faraó dos bitcoins” deveria pagar 19 bilhões de reais para os credores e para os investidores da pirâmide. Entretanto, Glaidson não conseguiu quitar essa enorme quantia, deixando milhares de pessoas no prejuízo.
Por esse exemplo, percebe-se que a ilegalidade não impede a criação desse esquema tão presente atualmente, e, então, fica a pergunta: será que em algum momento essa prática irá cessar?
Como se esquivar de um esquema de pirâmide?
As promessas de retornos milagrosos já são possíveis indicadores de que o investimento em questão trata-se de uma pirâmide financeira. Mas como ter certeza?
Primeiramente, deve-se entender como o dinheiro é gerado por aquela empresa e se ela é regularizada. Para isso, pode-se consultar o site do CVM, como forma de garantir que o meio do retorno financeiro da firma não é pela indicação de pessoas, e sim, na venda de algum bem ou serviço.
Depois dessa análise, deve-se desconfiar caso a promessa de rendimento seja rápida demais e sem nenhum tipo de esforço, junto ao fato de um lucro muito acima dos padrões. Para isso, pode-se pesquisar sobre companhias que possuam atividades parecidas para entender se aquela proposta de lucro em um determinado tempo está condizente com a média. Por exemplo, o caso do faraó dos bitcoins, em que ele promete multiplicar o investimento por 3 em um ano. A pergunta que deve ser feita é: será que isso é realmente possível?
Por fim, deve-se averiguar sobre o produto ou serviço da companhia, já que esquemas de pirâmide tendem a fornecer informações pouco claras. Exemplos como a Fazenda Boi Gordo e Telexfree se caracterizam por não apresentarem os detalhes de como o produto delas era de fato comercializado, além de utilizarem mercadorias que a população em geral não possuía muito conhecimento.
Com essas dicas, quem tiver interesse em ganhar dinheiro por meio de alguma forma de investimento terá maior certeza de que aquela aplicação será mais certeira, sem que futuramente fique no prejuízo. Diante de todos os fatos apresentados fica a pergunta: quem será o próximo faraó e por quanto tempo ele conseguirá manter seu esquema?
Glossário:
1- Operação Kriptos: Operação realizada pela Polícia Federal brasileira responsável por investigar um esquema de pirâmide em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, o caso de Glaidson Acácio.
Referências:
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RIBEIRO, Bruno; Decisão judicial pode colocar fim à novela do golpe da Boi Gordo. Disponível em << https://veja.abril.com.br/brasil/decisao-judicial-pode-colocar-fim-a-novela-do-golpe-da-boi-gordo/ >>. Acesso em 13 de novembro de 2022.
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>>Acesso em 12 de novembro de 2022.
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