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Pix: A chave para a transformação do mercado de pagamentos brasileiro


Fonte: https://unsplash.com/photos/XL1YpEnVLb0, foto de Jonas Leupe


Estima-se que, em 2019, os bancos brasileiros faturaram R$ 2,2 bilhões somente com o processamento de transferências (TEDs e DOCs), além de terem arrecadado cerca de R$ 5 bilhões com a emissão de boletos. Apesar das gigantes instituições financeiras já serem consolidadas na realização desses serviços, o recém surgimento do Pix, plataforma de pagamentos instantâneos desenvolvida pelo Banco Central, pode desbancar os principais players atuais do mercado de pagamentos. A ferramenta apresenta as mesmas finalidades, em paralelo à cobrança de tarifas menores e maior agilidade. Considerando que a nova ferramenta viabiliza esses meios de transferência e outras transações em um contexto mais favorável para a população, e que esses são peças fundamentais do faturamento dos bancos e credenciadas, qual será o impacto da tecnologia no mercado de pagamentos que observamos hoje?


Prático, rápido e seguro


Com a proposta de ser um meio de pagamento mais competitivo e seguro, que simplifique e reduza custos da cadeia de processos bancários necessários para a realização de transações financeiras, em 16 de novembro de 2020, o Banco Central lançou oficialmente o Pix. O novo sistema é pautado em disponibilidade, velocidade e multiplicidade, permitindo que os usuários transfiram valores e paguem contas 24 horas por dia, sete dias por semana, e com o dinheiro imediatamente disponível para o recebedor, ao contrário das restrições de horário presentes nas opções tradicionais. Essas transações podem ser realizadas entre pessoas físicas, estabelecimentos ou ambos, além de também para entidades governamentais, nos casos de recolhimento de impostos. Mesmo sendo uma implementação recente, muitos especialistas já vêem o Pix como marco disruptivo no mercado de pagamentos brasileiro, representando a praticidade em detrimento de entraves burocráticos engessados, e intensificando o processo de transformação digital que já vinha ocorrendo no setor bancário.


Visando cumprir seu objetivo de simplicidade e acessibilidade frente ao mercado de pagamentos, o Governo instituiu uma forma de cadastro extremamente simples nessa nova tecnologia, uma vez que o único pré-requisito é ter uma conta transacional (conta corrente, poupança ou de pagamento) em um prestador de serviços financeiros, como um banco, uma fintech ou uma plataforma de pagamentos. O registro é realizado dentro dos próprios canais do banco, como o aplicativo ou internet banking, e ao definir-se a chave (forma de endereçamento da conta no novo sistema, pode ser vinculado ao CPF, email ou número de telefone do usuário), a instituição financeira envia a informação do cliente para que o Banco Central finalize o cadastro em seu sistema. Nessa perspectiva, os bancos, fintechs e demais plataformas passam a ser intermediadores do Pix entre o BC e o consumidor final.

Nessa linha, a ferramenta apresenta então duas frentes: a primeira é a instituição dessas “chaves”, definidas como identificadores pessoais ou de empresas no sistema do Banco Central, pelas quais ocorrem os pagamentos e a agilização das transferências. Além disso, o Pix pretende lançar, em março, o BR Code, um modelo de QR Code como forma de pagamento, mas que pode ser utilizado para transações entre contas de qualquer instituição financeira. Com isso, essa ferramenta tem como um dos objetivos facilitar e agilizar os pagamentos em estabelecimentos comerciais, podendo se tornar um importante aliado, principalmente para pequenos e médios negócios. Como o dinheiro da transação estará disponível na conta imediatamente, o fluxo de caixa dos empreendimentos será beneficiado, aumentando a gestão de caixa dos lojistas. Prevê-se, ainda, que o valor gasto com tarifas bancárias cobradas em pagamentos com cartão será reduzido, visto que, com o advento do Pix, o volume transacionado por esse meio sofrerá uma queda. Dessa forma, esses recursos podem ser redirecionados para que o varejista invista em seu próprio negócio, aumentando a competitividade e fortalecendo as empresas do setor.


Dada tal facilidade de uso, a receptividade da população brasileira com a nova ferramenta, promovida pela imagem atrelada à praticidade e segurança - divulgada em massa nas campanhas - foi extremamente positiva. Apenas no primeiro mês de implementação do Pix, foram mais de 116 milhões de chaves registradas e 92,5 milhões de transações realizadas, totalizando um montante que passou de R$ 83,4 bilhões, de forma que o serviço já estava disponível para clientes de mais de 762 bancos, corretoras e instituições financeiras.

Um novo nome no mercado


Antes de adentrar nos principais impactos fomentados pela nova tecnologia desenvolvida pelo Banco Central, é preciso entender como atualmente se consolida o mercado de pagamentos no Brasil. No presente, o segmento mais representativo do setor é o de cartões, que, a partir do aumento da bancarização, expansão das fintechs e digitalização dos pagamentos, teve um expressivo crescimento de 24% em 2020, e estima-se que o montante financeiro das compras pagas por esse meio somaram o valor de R$ 2,3 trilhões em 2020.



A crescente tendência na utilização dos cartões, cujo volume total de pagamentos já corresponde a mais de 39% de todos os diferentes meios utilizados para consumo das famílias (indicado pelo PCE - Índice de Consumo Privado das famílias), ocorre em detrimento da vasta redução no uso de cheques e dinheiro. Atualmente, ambas as categorias somam 32% de todo valor movimentado com consumo familiar e, apesar de ainda serem meios muito relevantes no cotidiano do comércio brasileiro, espera-se que ocorra um decrescimento acentuado dessa participação em virtude da digitalização das transações financeiras.


A queda do uso desses meios de pagamentos tradicionais deverá ser ainda mais acentuada com o crescimento do mercado de pagamentos instantâneos, configurado principalmente pela implementação do Pix. Como transferências por TED e DOC de grandes bancos custam acima de dez reais por movimentação, é natural que as pessoas prefiram realizar pagamentos de valores mais baixos em dinheiro. Contudo, pelo novo sistema, essa modalidade de transferência P2P (peer to peer – de pessoa física para outra pessoa física) não possui custo, proporcionando uma opção de pagamento viável até para baixos valores. Outro fator é que o Pix propicia transações digitais, o que deixa muitas pessoas mais confortáveis ao sair de casa sem carregar consigo dinheiro em espécie.


Além disso, todos os órgãos estaduais e federais e as principais empresas de serviços, como as de telefonia e de eletricidade, passarão a receber pagamentos por Pix, o que é um grande estímulo para que a população se cadastre na plataforma. Como o registro está vinculado a uma conta transacional de uma instituição financeira, pode-se estimar que o sistema causará uma redução drástica no número de desbancarizados no Brasil. Dado que em 2019, dos R$ 1,454 trilhão transacionados em dinheiro, 57% foram realizados por cerca de 45 milhões de brasileiros que não possuem contas em bancos, a expectativa é que o volume pago em dinheiro sofra uma queda ainda maior ao longo dos próximos anos.


Outro meio de pagamento que, de acordo com os especialistas, terá sua operação diretamente ameaçada pela introdução do Pix é o cartão de débito. A tendência é que essa modalidade irá perder a relevância e será substituída pelos pagamentos com QR Code ou transferência oferecidos pelo sistema, dado que são mais rápidos e baratos. Prevê-se que, se as taxas cobradas pelas adquirentes e bandeiras no processo não diminuírem, essa tendência vai se consolidar de forma ainda mais rápida. Além das perdas com essas tarifas, os bancos também sofrerão com a queda na arrecadação a partir dos serviços de transação, apresentando um impacto negativo direto em suas receitas. A expectativa é que transferências e pagamentos com custo próximo de zero diminuam em R$ 10,2 bilhões o faturamento dessas instituições, considerando somente a cobrança de TEDs.


Todavia, o Pix ainda não permite pagamento no crédito, o que, aliado com a intensificação da bancarização, continua sendo pilar de sustentação para as instituições financeiras e bandeiras de cartão no curto prazo. Apesar do Banco Central já ter afirmado que em breve lançará o sistema agendado, viabilizando a função de crédito, economistas acreditam que, como mais de 80% da população brasileira apresenta cartões de crédito e parcela frequentemente suas compras, há uma cultura enraizada de consumo com esse meio. Porém, de forma alguma isso significa que os bancos não terão que se reinventar para criar mais serviços que possibilitem novos casos de uso para o crédito, o que já é feito com programas de pontos, por exemplo.


Por fim, o último intermediário afetado pela tecnologia no mercado de pagamentos são as maquininhas de cartão. A competição no setor tornou-se mais acirrada nos últimos anos, e será ainda mais impulsionada pelo Pix, causando um impacto direto na receita dessas empresas. Isso se dá porque não faz sentido ter uma maquininha e pagar taxas para adquiri-la e mantê-la quando existe a opção do QR Code, que pode ser apresentado em qualquer meio e com menores custos ao usuário. Dessa forma, espera-se que o Pix consiga corroer até R$ 13 bilhões por ano em receitas dessas credenciadoras, que enfrentarão um desafio de reinventar suas formas de operação e cobrança, como já vem sido feito inclusive pela Stone, que planeja habilitar o uso do Pix nas maquininhas de cartão pela implementação do QR Code nesses.


Estudo de Caso


Para entender um pouco mais as projeções de crescimento do Pix e o impacto que ele terá sobre o mercado brasileiro, pode-se analisar quais foram os efeitos da implementação de ferramentas de pagamento instantâneo em outros países. Por exemplo, a Interface Unificada de Pagamentos (UPI) - sistema implementado na Índia em 2017 -, foi uma das principais bases para o desenvolvimento da tecnologia no Brasil, por também permitir o cadastro do telefone como chave para o pagamento, além do uso de QR Codes. É possível perceber como a ferramenta vem se expandindo em ritmo acelerado, com crescimento anual de 140%, desde o momento de sua efetivação a partir do aumento no volume e valor de transações realizadas por meio dela.

Segundo os especialistas, o Network Effect, definido como o efeito que o utilizador de um serviço tem sobre o valor deste para os demais utilizadores, foi um fator decisivo para esse processo. A adoção e preferência dos consumidores pelo uso da plataforma estimularam as empresas a se adequarem para utilização das mesmas, e a maior quantidade de estabelecimentos aceitando o pagamento incentivou a entrada de outros usuários, gerando um ciclo positivo para o sistema. Como consequência, o lançamento da UPI catalisou a queda drástica na participação do dinheiro como forma de realização das transações, ao mesmo tempo em que desencadeou a ascensão de outras formas de pagamento, como cartões, pelo incentivo ao processo de bancarização e desnutrição do dinheiro.


Com base nessa análise, apesar do lançamento do Pix ter sido um evento recente e ainda apresentar alguns cenários de receio pela segurança de dados, há grandes expectativas, embasadas pelo contexto internacional, de que a tecnologia desenvolvida pelo Banco Central se tornará um marco na história do mercado de pagamentos. As projeções são de que, até 2027, o sistema detenha 20% de todo o mercado eletrônico do país, tendo potencial de transacionar mais de um bilhão de pagamentos por mês. O cenário previsto favorece os consumidores, além de estabelecimentos comerciais, que terão um processo de pagamento facilitado. Em contrapartida, para o Brasil a tecnologia significa uma ruptura gradual do seu sistema de dinheiro em espécie, além de representar um alerta para que os bancos tradicionais busquem formas de se reinventar e se adaptar às tendências de digitalização do setor, pois, caso contrário, sofrerão reduções drásticas na arrecadação de capital. Os empecilhos e entraves burocráticos de transações financeiras serão substituídos por processos digitais instantâneos, de forma que o Pix já representa a virada de não somente uma, mas de mais de 100 milhões de chaves para um mercado de pagamentos mais fácil, prático e seguro.



Bibliografia


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