Já parou para pensar que, ao mesmo tempo que uma criança está acordando para ir à escola no Brasil, às 7h da manhã, uma outra criança está indo dormir no Japão, às 19h? E que, apesar de se encontrarem em momentos diferentes de seu dias, ambos os fatos estão acontecendo ao mesmo tempo? Eis que surge a pergunta: o que/quem define que horário é regido em cada local do planeta? E mais: como o fator horário impacta na economia mundial? É possível tirar proveito dos fusos horários para lucrar?
Para entender melhor o porquê da existência dos fusos horários e os impactos tanto econômicos quanto sociais que eles podem causar no cotidiano de uma pessoa, ou até de uma nação, precisamos recorrer à história
História
Em 1884, em Washington, diante da necessidade de padronizar a hora internacional, foi realizada uma conferência na qual 24 meridianos foram traçados sobre a Terra. Nessa conferência, ficou definido que o meridiano de Greenwich, que passa em Londres, seria o meridiano zero, portanto, todos os horários a leste de Londres estariam adiantados e os a oeste, atrasados.
Como, em muitos casos, países ou estados são cortados por mais de um fuso horário, diversas nações fizeram adaptações de acordo com os limites jurídicos de seus territórios, para que transtornos maiores não fossem causados.
Um exemplo extremo disso é a China. Se os chineses respeitassem fielmente a divisão de fuso horários feita em 1884, teriam em seu território 4 fusos horários diferentes. Porém, o governo chinês definiu que, por questões político-econômicas, a nação toda seguiria o horário regido na capital Pequim. Essa medida possui claros pontos positivos, como o fato de unificar o horário de trabalho em todo o território chinês, possibilitando mais tempo de interação diária entre empresas localizadas em diferentes centros urbanos pelo país e viabilizando o comércio ao longo de todo o dia. Se existissem diferentes fusos, haveria constantemente o problema de empresas/pessoas necessitarem de produtos ou serviços disponibilizados por estabelecimentos em outras regiões, mas o expediente desses estabelecimentos já teria chegado ao fim, criando barreiras para o avanço da economia da nação.
Por outro lado, unificar tantos fusos diferentes traz grandes prejuízos para o dia a dia da população. Enquanto em um extremo do país as pessoas acordam no escuro e o sol nasce apenas às 9:30h da manhã, em outro extremo o sol nasce às 5:30h e escurece ainda muito cedo.
Os países também são capazes de mudar os fusos horários regentes dentro de seus territórios. Isso acontece não só por motivos econômicos ou sociais, mas também políticos.
Esse é o caso da Coreia do Norte, que no começo de maio deste ano, 2018, após a realização de uma cúpula entre seu presidente e o da Coreia do Sul, anunciou que o país faria um ajuste, adiantando seu fuso horário em 30 minutos, tornando-o igual ao de seu país vizinho. Os horários de ambas as Coreias eram iguais até 2015, ano em que os norte-coreanos decidiram atrasar seus ponteiros em 30 minutos. A medida foi tomada servindo como um ato diplomático e simbólico de reaproximação entre as duas nações, com o intuito de agradar os sul-coreanos.
Impactos na economia
Um problema recorrente causado pelo gap entre os horários ao redor do mundo é, por exemplo, quando a sede de uma empresa, onde são tomadas todas as decisões estratégicas de um negócio, está muito distante de sua linha de produção. Inúmeras empresas nos Estados Unidos, na Europa, e até no Brasil possuem seu processo produtivo operando na China, já que lá o preço da mão de obra é muito mais atraente. Quaisquer tipos de problema que surgem em alguma de suas fábricas na China, que poderiam ser resolvidos talvez em 5 ou 10 minutos, podem demorar muitas horas para serem solucionados. Isso porque o período diário em que tanto a sede quanto a linha de produção funcionam simultaneamente é muito pequeno. Essa dificuldade, em casos extremos, pode levar empresários à perda de milhões com o atraso na produção. Tentando contornar esse problema, há empresas que procuram aumentar a jornada de trabalho de seus funcionários, porém, além de essa medida trazer gastos adicionais à empresa, que é obrigada a pagar horas extras, ela acarreta, muitas vezes, na perda de produtividade e em possíveis problemas de saúde de seus trabalhadores.
Ademais, um estudo feito por Dr. Edward Anderson, da Escola de Desenvolvimento Internacional da Universidade de East Anglia (UEA), chegou à conclusão de que cada hora de diferença reduz o comércio internacional de bens entre dois e sete por cento, apesar de essa diferença estar se tornando cada vez menor por conta de avanços na tecnologia. Se observarmos apenas a indústria aeronáutica, por exemplo, percebemos que há um custo de aproximadamente US$ 147 milhões por ano causados unicamente para coordenar e ajustar os horários de voo de acordo com os destinos condizentes.
Se, por um lado, empresários muitas vezes são prejudicados pela diferença de horários ao redor do globo, por outro, há investidores que usam isso a seu favor. Bolsas operantes em diferentes partes do mundo abrem em diferentes horários. E é sabido que, devido ao imenso nível de interconexão mundial em que nos encontramos, um evento financeiro em um país é capaz de influenciar o desempenho das ações em bolsas ao redor do mundo todo. O significado disso é que um investidor americano, por exemplo, pode utilizar o desempenho de ações nos mercados asiáticos e europeus como termômetro antes da abertura dos mercados americanos. Ao monitorar o desempenho dos índices Shanghai Composite Index na China, Nikkei no Japão, FTSE no Reino Unido e DAX na Alemanha durante a noite, o investidor pode obter insumos para prever o rumo que as ações vão tomar nos EUA. Além disso, criando correlações intertemporais entre as bolsas e transferindo seu dinheiro de bolsa para bolsa, prevendo maiores lucros, há investidores que conseguem gerar ganhos a seus montantes.
Outra vantagem proporcionada aos investidores por conta dos diferentes horários de abertura e fechamento das bolsas de valores mundialmente é ter a oportunidade de investir em um fundo com ações em diferentes bolsas. Dessa forma, suas ações passam a render por períodos mais extensos em um dia, visto que quase sempre há alguma bolsa em uma parte do mundo aberta. Tal prática também reduz o risco de perdas com variabilidades locais, que poderiam vir a afetar as ações de forma contundente em uma bolsa, mas de maneira mais atenuada nas outras espalhadas por diferentes continentes.
Uma outra prática, embora não tão difundida, é deixar seu dinheiro investido em uma bolsa de valores e, pouco antes de seu fechamento, transferir esse dinheiro para outra bolsa que ainda esteja no início de suas atividades naquele dia. Deixar seus investimentos rendendo 24h por dia, e não apenas 8h, pode parecer uma grande jogada. No entanto, é preciso ter em mente que para transferir seus investimentos de fundo para fundo são cobradas taxas, que podem prejudicar seus lucros. Portanto, existem riscos consideráveis envolvidos e, para o negócio valer a pena, ganhos bem altos devem estar envolvidos.
Além disso, há empreendedores que perceberam a dificuldade na comunicação entre empresas localizadas em diferentes partes do planeta anteriormente comentada e vislumbraram uma oportunidade nesse mercado: o desenvolvimento de softwares de comunicação, proporcionando, entre outros produtos, videoconferências. Esse mercado tem crescido cada vez mais.
O Brasil e o horário de verão
O Brasil possui quatro fusos horários diferentes e está atualmente dividido entre as regiões da seguinte forma:
Os principais centros econômicos, turísticos e políticos do país encontram-se alinhados em termos de horário em -3h GMT, ao menos durante boa parte do ano. Isso porque muitos estados no país adotam o horário de verão, em que adiantamos os relógios em uma hora, visto que os períodos em que a luz do sol fica disponível duram mais tempo nessa época do ano.
Assunto polêmico, o horário de verão divide opiniões. Alguns argumentos pró e contra essa alteração são:
PRÓ:
Diminuição do consumo de energia
O pico de demanda de energia elétrica acontece entre o fim da tarde e o início da noite. Proporcionar uma hora a mais de luz do sol adia a necessidade por essa energia. Foi estimada uma economia de R$ 157 milhões no consumo de eletricidade durante o horário de verão em 2017 no Brasil. No entanto, estudos feitos nos EUA que apontam um consumo maior em até 3% de energia no horário de verão causado principalmente pela energia extra utilizada de manhã, enquanto o sol ainda não nasceu. Vale salientar, inclusive, que a diminuição do consumo de energia é o motivo por trás da implementação do horário de verão originalmente.
Fomento ao comércio e incentivo à saude
Maior período de contato com o sol incentiva a população a praticar caminhadas e outros esportes ao ar livre depois do horário de trabalho, além de motivar a ida a bares e restaurantes, por exemplo.
CONTRA:
Interferência no relógio biológico
Mudança de horário interfere negativamente em nosso metabolismo, comprometendo a qualidade do sono e aumentando as chances de problemas cardíacos em até 10% nos primeiros dias de adaptação ao novo horário. As pessoas que possuem forte relógio biológico, apresentam grandes dificuldades de adaptação a essa alteração.
Desalinhamento de horários entre regiões
No Brasil, apenas as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste aplicam o horário de verão, criando um fuso horário de uma hora em relação ao Nordeste e alguns estados do Norte. Isso prejudica desde a interação entre instituições econômicas como um todo até os horários televisivos (que sempre seguem o horário de Brasília).
Um novo sistema de horários mundial
Há muitos indivíduos que são ferrenhos críticos do sistema de fuso horário utilizado hoje no planeta. A liberdade que países têm de mudar horários em determinadas regiões de acordo com sua vontade, influenciando a rotina da população, é considerada, muitas vezes, irracional. Certos fatos adicionais como o de apenas um país, a Rússia, possuir 11 fusos horários diferentes e o Nepal, inexplicavelmente, ser o único país a ter um fuso horário com deslocamento de 15 minutos são tidas como caóticas.
Foi nesse cenário que Steve Hanke e Dick Henry sugeriram um novo sistema para se consultar o tempo: o conceito do horário universal. A ideia é simples: quando for 7 horas da manhã em Boston, também seriam 7 horas da manhã na Cidade do Cabo assim como em Sydney. Não há fusos. Onde quer que você esteja, a hora é a mesma.
De acordo com Hanke, um economista, e Henry, um físico e astronômico, a mudança facilitaria imensamente a comunicação, a viagem e o comércio em fronteiras internacionais. Sem contar que, segundo ambos, do ponto de vista físico, só existe um único horário.
A verdade é que, apesar de todas as críticas, o sistema de fusos horários como o conhecemos nos dias de hoje já é amplamente difundido e conhecido. Mudá-lo geraria muito protesto daqueles que já estão acostumados e sentem-se confortáveis com o sistema de horários usado na sociedade atualmente, além de muitos gastos mundialmente para ajustar todos os ponteiros para os hipotéticos novos horários. Será que em um futuro não tão próximo mudaremos a maneira como encaramos e marcamos os horários? Só o tempo dirá…
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